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O Mundo antes da Palavra

Foto do escritor: Eleonora DuvivierEleonora Duvivier

Eleonora Duvivier


Em flashbacks de plenitude, ayahuasca desenterrou em mim a pureza das sensações e a nudez do sentimento, o tempo quando o julgamento ainda não havia espichado a sua cabeça imperdoável; a inocência de um paraíso cujos horizontes se fundiam com os da imaginação e cujo céu atingia as profundezas do coração, como todo aquele azul acima do meu rosto quando aprendi a boiar nos braços de papai, deixando a água se tornar berço para o meu pequeno corpo.


Papai se entendia com a natureza numa admiração quase religiosa pela espontaneidade da vida irracional. Era capaz de sentir e transmitir dela uma sabedoria redentora. Não mais que com dois anos de idade, aprendi com ele a deixar rolar, a me posicionar inteira e humilde diante do que está além de mim, como estava a mágica de flutuar ao lado da cachoeira que enchia a piscina nas montanhas da minha infância, aquela superfície liquida em forma de meia lua que era descanso para as folhas que o vento soprava das arvores em volta. A luz do sol que ofuscava tão alto no céu, se irradiava através da brancura da água que vinha do alto da rocha ao meu lado, e o verde fosforescente dos pinheiros que eu podia ver da piscina nos dois lados da cascata subiam para o topo da rocha, na corrida de saudar o céu.


A imagem da cachoeira e dos pinheiros em busca do azul é uma imagem de alívio que volta pra mim, um dos templos que a vida ergueu na minha alma e que quando eu menos espero me envolve com um sentimento de reencontro comigo mesma, como o retorno a um ventre primordial.


Deitada na água fria com metade de minhas pernas e braços submersa e defensiva, eu contava com o apoio dos braços de papai para não afundar, e ele me disse que relaxasse. Acreditei nele mais que em seus braços e ele os retirou devagar sob meu corpo, deixando que a fluidez da água e a minha confiança virassem uma firme resposta `a minha entrega.


Para papai, a natureza não era só o que ser domesticado, mas uma inspiração de confiança que permitia a ele sentir o momento de retirar seus braços, saber quando devia se apagar para que eu pudesse me libertar dele e de mim mesma.


A despeito do seu bloqueio materialista, como o determinismo biológico a que era jurado, papai, a despeito de si mesmo, via o sussurro da transparência da água, sabia do canto dos elementos e do fluxo da vida para aqueles que conseguem ouvir a voz do silencio e voltar a sentir uma inocência que nenhuma convenção pode manchar, nenhuma lei domesticar, e nenhuma palavra limitar.


Entre outras revelações, ayahuasca, a medicina sagrada da Amazonia, despertou o meu laço original com o mundo antes da palavra; da tradução de outrem, do conhecimento do dever, da oposição entre certo e errado e de tudo que enfraquece e finalmente quebra a nossa comunhão original com o que nos rodeia em prol do tipo de sobrevivência que inventamos. Ayahuasca trouxe de volta pra mim a união com o que me rodeava, como com a praia de Copacabana, em frente da qual se encontrava o meu primeiro lar, a presença do mar ali na janela, e a beleza dos lugares a que eu tinha acesso. Meu mundo era o perfume das laranjeiras do pomar de meus avós, a frescura da cachoeira na piscina onde aprendi a boiar, e o azul das águas salgadas.


Era então que eu e meu irmão mais moço fazíamos nossas refeições numa cozinha que me parecia enorme quando eu estava sentada no meu pequeno lugar de criancinha a uma mesa de café da manhã, junto a ele na sua cadeira de bebê. Tudo era muito alto, numa constante mutação de branco para azul e para a cor do vento porque o vento soprava o mar pra dentro, inundando tudo com o seu sopro misturado `a música das ondas e ao o azul omnipresente do oceano. Texturas se interpenetravam num movimento de cores que era ar marinho e elemento líquido ao mesmo tempo, frescura que vinha pra cozinha e pro nosso coração. Objetos e emoções, além de superfícies fixas e rótulos de palavras, criavam a intensidade alegre que anulava os limites de cada coisa, transformando tudo na manifestação de algo maior. A cozinha era o mar dentro da cozinha, o mar lá fora era a nossa cozinha se misturando com ele, a brisa da praia era respiração do corpo e do céu, o azul das ondas e o branco da parede eram diálogos entre o fora e o dentro, o dentro e o fora.


Diante de um lanchinho que não ligávamos, o comando do mar para que o comêssemos veio de mamãe quando ela nos deu as costas ao se colocar diante da janela aberta para melhor fingir que a voz grossa que fazia vinha da imensidão lá de fora, e virando-se para nós de novo, dizer-nos no seu tom normal que o mar queria que ficássemos fortes, devíamos comer: o mar tinha mandado. Eu sabia que era ela que tinha falado como se fosse o mar e ao mesmo tempo acreditava que o mar havia falado pra nós. Tudo era tudo, na unidade que as criancinhas sentem em sua ignorância da rigidez dos conceitos e definições das palavras. Cada vez que mamãe repetia a ordem do mar, era ele que eu ouvia, e era ela que eu amava por se tornar ele.


O entrelaçar de cores, seres, brisa e voz na cozinha do meu primeiro lar sempre retornou aquela essência comum ao som, tato, vista, fora e dentro, mãe e mar, coração e vida.

Naquelas manhãs douradas, mamãe nos levava `a praia e nos mergulhava na beira da água, com meu irmão gritando e esperneando, e nos levava de volta `a nossa toalha naquela areia infinita, para voltar e nadar sozinha. Afastava-se na direção de uma onda distante e ao mesmo tempo perto num verde que não parava de crescer, espelhando o sol como um cometa líquido através da sua extensão, atraindo e assustando, esticando e encolhendo com o pique e curva da massa fluida no seio da qual brilhava como um coração pulsante e aniquilador; divindade pronta `a explodir e abençoar.


Aproximando-se daquele coração luminoso e imperativo de sal e luz, mamãe se afastava mais e mais de nós, tão pequeninos na toalha retangular cuja precariedade, sob o comando materno de que esperássemos ali em cima dela, marcava nosso território como uma bandeira no sol quente de Copacabana. O mar, o céu, a areia, a onda e seu coração, os passos de mamãe na sua direção, tudo era gigantesco. Não em tamanho mas em significado, pois olhávamos tudo com a alma e o que víamos era incomensurável. Aquela imensidão era o calor gostoso na minha pele arrepiada, os pingos de água salgada escorrendo do meu rosto e desaparecendo na toalha em que meu irmão ainda bebê estava deitado em submissão e maravilhamento, tão redondo ali perto de mim.


Éramos um amontoado quase amorfo de curvas e formas molhadas no tecido quente que naquele espaço sem fim continuava a ser a nossa ancora na autoridade de nossa mãe. Ainda incapazes de duvidar, questionar, ou se dividir, éramos inocentes; entregues. A onda podia engolir ou retornar nossa mãe, mas ainda assim a confiança que tínhamos tudo abrangia. Água salgada tinha gosto de ameaça e beleza em minha boca. Esse momento se reproduz como outra onda, invisível e infinita, de alívio e felicidade.


O mundo antes da palavra se acabou quando papai e mamãe deixaram meus irmãos e eu com nossos avos e viajaram com bolsa de estudos de dois anos para a Europa. A inocência daquele tempo murchou nas minhas tentativas de entender a realidade através da sua ausência, do medo, e do dever.


O reconhecimento de ayahuasca é a luz da confissão que mostra o perdão a ser alcançado.


 

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