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VIAJANTE



O desembarque foi tranquilo,  depois de um vôo sem turbulências, atrasos ou imprevistos de qualquer tipo. O aeroporto é que era enorme. A distância entre a porta do avião e o saguão parecia infinita. Depois do que pareceram dias de caminhada, esteiras, lojas, lanchonetes e esbarrões, retiradas as malas, vieram os motoristas de táxi, oferecendo serviços suspeitos, corridas com preço pré-fixado, com clara distinção e interesse em corridas maiores, preferencialmente para visitantes que não conhecessem o trajeto.


Venceu os primeiros obstáculos com folga. Havia se preparado para os infortúnios. A literatura e a internet tinham sido de grande valia. O empenho com que se dedicou ao preparo da viagem mostrava resultados logo ao primeiro contato.


Fez uso do famoso aplicativo para conseguir o transporte até o hotel. Bagagem volumosa, carro grande com ar condicionado, preço ok. Acostumara-se a preços muito maiores e a moeda era favorável. Não entendia direito a conversa do motorista, que não falava inglês, mas ele parecia dirigir com cuidado, o que contrariava a previsão e a literatura.  O que conseguira depreender da conversa, quase monólogo, foi algo sobre violência, locais inacessíveis ou coisa assim.

No caminho, a vista de amontoados de casebres correspondia à descrição teórica das favelas. Eram, em grande parte, os tais locais inacessíveis de que falava o condutor.


No hotel, tudo sem surpresas. O serviço era igual ao dos melhores do mundo, por onde já circulara elaborando “conteúdo” para seus seguidores nas redes sociais. Quarto de bom nível, vista para o mar, serviço bilíngue e atencioso, comida da melhor qualidade.


Foi à praia e gostou da água fria, em contraste com o calor senegalês que, combinado com a alta umidade, fazia o ar parecer sólido. Não era particularmente preocupado com a forma física das pessoas, mas não pode deixar de observar que a maioria das mulheres parecia se preocupar muito com o corpo. Um pouco mais que os homens, mas eles também. De qualquer forma, o melhor do lugar é que havia gente de todo tipo, uma diversidade que a maior parte do mundo não tem. Sabia que aquela diversidade tinha sido forjada em anos de opressão, que aquela cor bonita das pessoas tinha, na origem, anos a fio de escravização de pretos e indígenas, massacre de povos, estupros sistemáticos, a falsa máxima de uma miscigenação consentida e pacífica. 


Mas tinha chegado com um objetivo específico. E foi naquela mesma noite começar a resolver sua maior pendência. Rumou pra uma conhecida escola de samba, onde haveria um ensaio. Já tinha assistido aos desfiles pela TV, mas não imaginava o que seria um ensaio na quadra. Seria a quadra um espaço grande o suficiente pra comportar toda aquela coisa enorme. Não conseguia imaginar. Sabia que o desfile era meio surpreendente, que ninguém sabia exatamente, com antecedência, o que aconteceria na hora da grande festa, mas não conseguia ver como preparar aquilo tudo. A literatura falava algo sobre um lugar para preparar as alegorias e fantasias – o barracão - e outro, a quadra, para ensaiar as pessoas.


Chegou à quadra, no meio de uma favela, com a expectativa em alta. Foi pouco. Ao entrar, com o ensaio já começado, portou-se involuntariamente ao lado da bateria, aquela orquestra de percussão a que a literatura se referia como o “coração” da escola. Estranhara o silêncio deles enquanto o cantor se esgoelava, acompanhado por um cavaquinho e um violão, para milhares de pessoas aglomeradas num gigantesco salão decorado com as cores da escola.

A bateria entrou quando o cantor pareceu dar um breque, abrindo a guarda para o início da pulsação mais forte.


Surdos (os graves) faziam os corações das pessoas cadenciarem suas batidas no mesmo ritmo. Tamborins e agogôs traziam leveza ao que naturalmente poderia parecer pesado como uma tempestade magnética. Repiques pareciam conversar com os demais instrumentos, dando instruções sobre o que deveriam fazer ao longo do desenvolvimento da melodia.

Tinha entendido tudo.


É no meio da agonia, do perrengue (palavra nova que a literatura não havia registrado), dos sofrimentos diários com a violência (ou com “as violências”, de todas as naturezas), que se constrói uma sociabilidade muito específica, que permite a coabitação de ricos e pobres, BRT’s e Porsches, catarses coletivas ou individuais, religiosidades e agnosticismos, opressores e oprimidos. E é nessa sociabilidade que e constrói o maior espetáculo do mundo, o único talvez em que, apesar da riqueza, o protagonismo é dos mais pobres.


Tinha saído cedo do Brasil com os pais pobres que foram tentar a vida nos países do Norte. Voltava pela primeira vez, com um português claudicante e a vontade de conhecer melhor seu próprio povo.


Geração Z. Ele não tinha elementos pra fazer uma abordagem mais elaborada da questão. O esforço pra acompanhar a literatura preparatória já tinha sido demais.

A volta pro hotel, de manhã, foi simples.


Mas isso foi há cinco carnavais atrás.

Como os gnus que atravessam a savana fugindo da seca, alguns ficam pelo caminho, viram comida de crocodilo, leões e hienas. Os crocodilos já tentaram. Correu de arrastões, viu injustiças da polícia e bandidos.


Hoje em dia mora num apezinho na Prado Júnior, vive do que mostra na rede, virou influencer importante. Emprego típico da geração.

O analista segue dando suporte, sempre às terças.

Há quem não entenda, mas ficou.


E desfila, tocando tamborim.

Tudo junto e misturado.

 

Rio de Janeiro, janeiro de 2024.


 

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