SOBRE GUITARRAS, ELETRICIDADE, VOOS, SAMBA E DEMOCRACIA

14 de fev. de 2021

Tenho um grande amigo que, entre muitas manias, coleções, cismas e outras idiossincrasias, gosta de classificar as coisas. E ele teima sempre em dizer que a melhor música é a que se faz desligada da tomada.

Nascido bem antes de mim e da absoluta maioria dos outros amigos - comuns ou não com ele - diz que todo mundo ouvia e dançava ao vivo com os grupos que tocavam e cantavam nas festas com instrumentos acústicos e mesmo com cantores sem microfone.

Pra ele, há uma clara divisão entre o que se tocava e cantava antes e depois da “eletrificação” da música, como ele diz. Ele não foi à passeata contra a guitarra elétrica nos anos 60, mas iria se não tivesse que trabalhar ou se tivesse sido convidado.

Discordo frontalmente dele neste caso, apesar de achar que música muito alta pode mesmo deixar de ser música e passar a ser ruído. E da pior qualidade!! Mas mesmo ele, que tem uma invejável coleção de CDs (computador, nem pensar!!), concorda comigo que a eletricidade não é um mal em si, que não poderíamos ao menos ouvir aqueles discos sem energia elétrica. E todos os outros confortos óbvios derivados dela? Seria infantil listar. Ele, sem ar condicionado, talvez já tivesse se mudado em definitivo para o Alasca ou para a Sibéria. Mas segue pretendendo, ao que parece, resistir ao Rio de Janeiro.

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A demonização de qualquer coisa com base em um resultado que consideramos negativo é um erro.

Há bem pouco tempo, vivíamos num Brasil de pleno emprego, assistência social efetiva e significativa, relevância internacional, inserção propositiva em organismos multilaterais, orgulho nacional e outras objetividades e subjetividades positivas.

Numa analogia aeronáutica, após alguns anos de voo em céu de brigadeiro, turbulências provocadas pela própria tripulação provocaram a ira de passageiros descontentes com o destino do avião (nem todo mundo quer descer em Congonhas, alguns preferem Guarulhos ou Viracopos) e levaram a uma série de eventos catastróficos, aí já com a participação dos controladores de vôo, em aeroportos mais ao Sul.

O avião, como se sabe, caiu. Há quem fale em pouso forçado, de barriga. Mas o alto número de mortos não deixa dúvida quanto à gravidade do acidente.

O voo reiniciado no meio e com tripulação parcialmente alterada, embarcou apenas os passageiros descontentes e concluiu a viagem, que tinha destino ignorado para a maioria dos que acompanhavam, através da imprensa, o drama que ocorria a bordo.

O reinício da viagem, no entanto, com a alteração completa da tripulação e do roteiro inicialmente traçados, a clara intenção de recuperar itinerários já ultrapassados, de infeliz memória, com turbulências violentas e controle seletivo de embarque, com a permissão de armas a bordo e o livre acesso de terroristas à cabine de comando, nos fez ver do que é capaz a democracia. Afinal, esse roteiro foi escolhido à luz do “funcionamento normal das instituições democráticas”. Ou, se mantida a conversa de avião, em “condições favoráveis de voo”.

Eu frequento rodas de samba (ou frequentava, antes da pandemia nos levar embora a sociabilidade em seu aspecto presencial). Elas são uma das maiores expressões da nossa cultura e geralmente, com ou sem microfones e caixas de som, promovem a integração entre “tripulantes e passageiros” da melhor maneira possível. Participo, alternadamente, dos dois grupos e sei, baseado em incontáveis experiências, que é bastante difícil impedir que algum chato cante um samba ruim, causando desconforto na roda e mesmo a sua parcial desmobilização. Afinal, os sambas ruins existem e não são necessariamente ruins para todos. A ocorrência frequente de eventos assim, no entanto, não torna a roda de samba uma má instituição. (continua)

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Os Mutantes, os Doces Bárbaros, os Novos Baianos, A Cor do Som, todo o Rock Brasil, Raul Seixas, grandes solistas, enfim, muita gente sensacional fez música boa com guitarras elétricas (não preciso – e nem consigo – listar os inúmeros estrangeiros), tendo claro o que é música e o que é ruído.

A democracia, que parece não fazer falta para uma parte das pessoas, nos legou coisas boas e há de se recuperar. E voltar a se aproximar de quem efetivamente precisa e gosta dela. Apesar da minha raiva com esses desvios de rota.

Não precisa me explicar. Já fiz viagens longas e sei que escalas são necessárias. Há justificativas diversas, da autonomia dos aviões ao risco de trombose em razão do longo tempo naqueles assentos.

Deve ser por isso que sempre preferi viagens curtas.

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