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Quando a política silencia a cultura.




No dia 8 de maio, comemoram-se os 80 anos do fim da segunda Guerra Mundial na

Europa. Costuma-se dizer que cada Aliado contribuiu de forma diferente ao esforço de guerra:

os americanos com o dinheiro, os britânicos com a inteligência e os russos com o sangue.

Das muitas consequências que resultaram da guerra, destaca-se a criação do Estado de

Israel. A decisão foi aprovada, em 1948, pela recém fundada Organização das Nações Unidas,

visando proporcionar ao povo judeu um lar seguro, depois do genocídio perpetrado pela

Alemanha nazista.


Ao novo Estado, acorreram judeus de todas as partes, com a missão de construir um

país que, mais além da religião em comum, integrasse as diferentes vivências culturais de seus

cidadãos. A fim de evitar uma repetição do Holocausto, era preciso manter viva a sua memória

e combater qualquer manifestação intelectual ou cultural associada ao valores nazistas. Desse

intuito, adveio a proibição – informal – de executar as obras do compositor Richard Wagner

em Israel.


A vida de Wagner transcorreu inteira durante o século XIX, coincidindo com o processo

de unificação da Alemanha em torno do reino da Prússia. Não à toa, suas composições

refletem esse contexto político e inspiram-se nas lendas germânicas, elevadas a mito fundador

do nacionalismo alemão. Wagner morreu em 1883, Hitler nasceu em 1889. Seus caminhos

nunca se cruzaram, porém o talento do primeiro, o caráter nacionalista de suas obras, seu

antissemitismo confesso o tornaram um favorito do Führer.


Nem todos os artistas judeus, entretanto, se privam de interpretar as obras do

compositor. Em 2001, o maestro argentino Daniel Baremboim teve a ousadia de reger, em

Israel, durante um bis, um trecho de umas das óperas mais icônicas de Wagner: o prelúdio de

Tristão e Isolda. Na filmagem trêmula que aparece no Youtube, é possível ouvir o barulho dos

espectadores abandonando o recinto e de portas batendo com estardalhaço. Nem todos

reagiram dessa forma, consta que a orquestra e seu regente foram ovacionados de pé pelo

público que escolheu permanecer até o final.


Na Ucrânia, em 2025, assistimos a fenômeno semelhante. Desta vez, são os

compositores russos que foram banidos das estações de rádio de música clássica. Embora a

proibição formal só atinja os contemporâneos russos, a medida também afetou a popularidade

de compositores do século XIX, como Tchaikovski.


Em Terra Brasilis, gostamos de reproduzir como farsa aquilo que acontece como

tragédia nos demais lugares. Em 1976, a famosa companhia russa de Balé, o Bolshoi,

comemorava duzentos anos de sua fundação.


Para festejar a data, havia sido preparada uma apresentação de gala do famoso balé Romeu e Julieta, com música de Prokofiev. Emissoras de televisão de 112 países do mundo se prepararam para transmitir o espetáculo - entre elas, a TV Globo. Porém, na véspera, a emissora recebeu um comunicado, da Censura Federalproibindo a difusão do evento. Não se sabe ao certo o que teria motivado tal proibição, mas em tempos ditadura militar, não é difícil imaginar um zeloso funcionário preocupado em preservar a família brasileira dos maliciosos ataques do comunismo internacional.


E fica aqui a questão: até que ponto perdemos todos quando a política interfere na cultura?



ABC da Geopolítica, de Mônica Aguiar, by Cedro Rosa.



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