O PAPEL TRANSVERSAL DA CULTURA
Em sessão histórica do plenário multilateral da UNESCO em Paris, em 25 de outubro de 2005, cuja delegação do Brasil era chefiada pelo ministro Gilberto Gil e da qual fazia parte entre outros o acadêmico Eduardo Portella, foi aprovada por uma maioria de 148 votos a favor, a chamada Convenção da Diversidade Cultural da UNESCO. Destinada a representar no século 21 o que a Carta de São Francisco de 1945 significou para a consolidação da paz internacional ao fim da Segunda Guerra Mundial, pela primeira vez equiparava-se a Cultura à Economia para fins da conquista dos objetivos de paz e de desenvolvimento, os quais, desde então, se tornaram faces da mesma moeda.
No entanto, pouco se viu frutificar das disposições da Convenção nas legislações de apoio à Cultura no Brasil. Faltou-nos o essencial, isto é, o reconhecimento de que “as atividades, bens e serviços culturais possuem dupla natureza, tanto econômica quanto cultural, uma vez que são portadores de identidades, valores e significados, não devendo, portanto, ser tratados como se tivessem valor meramente comercial”, conforme prega o preâmbulo da Convenção.
A “dupla natureza” do produto cultural implica necessariamente a elaboração de legislações específicas para a regulação da produção cultural, que levem em conta essa ambivalência da obra cultural.
O momento presente é único para que a Cultura brasileira passe a desempenhar por meio de políticas públicas, articuladas com a política externa do Itamaraty, seu papel transversal como expressão da Diversidade Cultural, contribuindo assim para o desenvolvimento sustentável do país.
Urge, porém, recuperar o tempo perdido pois nosso descompasso em relação ao que se evoluiu na questão no resto do mundo é flagrante. A 4 de novembro de 2020, paralelamente à reunião do G20, que teve lugar em Riade, na Arábia Saudita, os Ministros da Cultura do G20 realizaram uma reunião conjunta sobre A ascensão da economia cultural: um novo paradigma. Pela primeira vez as discussões políticas do G20 reconheceram a crescente contribuição da cultura para a economia global.
Em uma mudança de paradigma acelerada pela pandemia da COVID-19, o G20 reconheceu a contribuição potencial da cultura em todo o espectro de políticas públicas para forjar sociedades e economias mais sustentáveis, nas quais a cultura é colocada no centro da discussão como um componente chave da recuperação econômica e social. “Repensar o futuro da cultura significa vê-la como muito mais do que um setor econômico. É uma necessidade abrangente, subjacente a todos os aspectos das nossas sociedades. Não é um custo, é um propósito. A cultura não deve ficar à margem dos esforços de recuperação, ela deve ser central para eles”, declarou na ocasião Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO.
Sim, a Diversidade Cultural volta-se para a Economia, assim como para o Meio-Ambiente, os Direitos Humanos, a Educação, a Cidadania e o Bem-estar individual e coletivo dos seres humanos por intermédio do poder (soft-power) intangível e imaterial da Cultura, relegando a segundo plano “a ganância grotesca” do poder econômico ou bélico (hard-power), parodiando recente declaração do Secretário-Geral da ONU, António Guterres.
Por essa razão a Diversidade Cultural foi nomeada “a última das utopias do Ocidente”, na medida em que sintetiza a quintessência das ideologias que marcaram a História. O Estado brasileiro, em reconhecimento à rica diversidade da nossa cultura, necessita atualizar-se em relação ao tratado multilateral que dezessete anos atrás subscreveu.
Jom Tob Azulay
- Diplomata aposentado e cineasta, integrou a Delegação brasileira à
Reunião da UNESCO sobre Diversidade Cultural de 2005 -
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