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NO CARNAVAL




O bloco tinha mudado de itinerário. Muitos anos fora da cidade, morando no interior e sem poder vir pro carnaval, a Vânia finalmente conseguira um salvo conduto pra rever velhas ruas, velhos amigos, velhas virtudes e velhos defeitos da folia nas ruas do Rio.


O hospital da cidadezinha, assim como os de toda parte, sofrem com o aumento da demanda nessa época. Como chefe dos plantonistas da emergência, passou os últimos dez anos em alerta pra atender - na alta temporada - a um ou outro eventual bêbado, muitas vezes o mesmo, inclusive. Cidades pequenas têm seus bêbados icônicos. No máximo algum tombo.  Uma única vez um acidente, curiosamente provocado por cariocas que tinham ido fugir do carnaval. Fez curativos corretos e éticos, sem deixar escapar a má vontade escondida atrás da desconfiança sobre quem não gostava de carnaval.


Era do tipo radical. No Rio, estudante de medicina de universidade federal, vivia encalacrada entre provas, estágios, plantões e ensaios de escola de samba, de blocos, de fanfarras, rodas de samba, muvucas em geral. Oficina de percussão num dia, cortejo festivo no outro, Pedra do Sal, Lapa, Renascença, Bola Preta. Uma vez profissional, tinha prometido aceitar qualquer locação. Era crítica feroz dos médicos que escolhem lugar pra trabalhar e querem que “papai monte um consultoriozinho em Ipanema”. “Na Garcia, por favor.”


Aceitou a cidade com nome estranho e da qual ela nem tinha ouvido falar. Embarcou sozinha, se apresentou e ficou. Voltava anualmente nas férias, recebia visitas, mantinha os vínculos, mas passar o carnaval no Rio (ou em qualquer outro lugar) não era uma possibilidade.


Ao longo dos anos, construiu uma carreira reconhecida no pequeno hospital da cidade.  Tudo funcionava bem e o dinheiro, surpreendentemente bem aplicado pelas autoridades locais, fez com que a unidade ganhasse a irrestrita confiança da população. O município pequeno cercado de outros modestos povoamentos facilitava a manutenção da qualidade dos atendimentos. Grandes filas e superlotação não faziam parte da rotina. Profissionais competentes e simpáticos, como a Vânia (Dra. Vaninha, como a cidade toda a conhecia), tinham afilhados por toda a parte e eram figuras indispensáveis nos eventos mais importantes da Cidade. Mas o fato verdadeiramente relevante eram as primeiras férias em fevereiro! Chegara ao Rio com a expectativa alta.


Tinha passado por alguns dos piores momentos de sua vida sem poder extravasar no carnaval. O golpe de 2016, os absurdos anos de 19 a 22, a pandemia, o assassinato de Marielle, a lava-jato, os rompimentos de barragens. Ufa! Respiraria finalmente!


 Verdade que não tinha ligado pra maioria dos amigos. Muitos deles – e delas – haviam mudado o curso da vida e já não eram os ratos de carnaval que ela conhecera no passado. Algumas das amigas tinham mesmo se tornado bem diferentes, senhoras contidas, bem casadas, mães de família sem o mesmo interesse na festa. Vaninha não entendia. Algumas outras, não menos respeitáveis, mantinham o entusiasmo e continuavam festeiras, o que deixava claro que não era o casamento a razão do encaretamento de certas pessoas.


Não quis ficar na casa dos pais. Sabia que seria estressante. Nem são tão idosos, mas são controladores. Lembrava a cada dia, nos telefonemas e mensagens, o quanto de sapos tinha engolido até ficar independente. Não correria o risco de estragar o carnaval. Iria visitá-los, claro, mas seriam semanas de paz. Conseguiu, com um colega do interior, um conjugado em Copacabana, estrategicamente próximo ao metrô!! O carnaval tava garantido!


Encontrou a amiga de fé já na Cinelândia!! Chope no Amarelinho pra começar o dia, mas sentiu o clima meio diferente. Já eram 10h da manhã e nem sinal da multidão. Imaginou que a amiga soubesse de eventuais alterações no carnaval. Estranhou a Rio Branco estreita, com o VLT passando. Não cabe um bloco grande aqui, pensou. A amiga confessou que desde a mudança da Vaninha, tinha se desinteressado do carnaval. Ia vez ou outra a alguma roda de samba, mas agora morava na Barra e pouco vinha ao Centro, também não sabia das mudanças. Era a sua retomada também. Vaninha se decepcionou um pouco, mas não deixou a peteca cair. Perguntou a um dos garçons do bar. Ele era novo e não sabia de nada. Evangélico, nem sabia nomes de blocos e estava trabalhando naquele “antro de perdição” – um bar – só porque tinha ficado desempregado por muito tempo.


Pagaram os chopes, sairam do bar e começaram uma busca pelas ruas do Centro, na tentativa de encontrar o bloco perdido. Pouca gente parecia mobilizada pro carnaval.

Numa esquina avistou três foliões com as roupas brancas de bolas pretas, o que poderia ser uma indicação. Passaram a segui-los, mas desistiram ao perceber que pareciam estar indo embora. Não havia som ao longe, não havia enfeites nas ruas.


Um ligeiro incômodo anunciou a vontade de fazer xixi. Os bares fechados eram um mau sinal. Voltar ao Amarelinho? Não via banheiros químicos em parte alguma. Segurou o quanto pôde, mas teve a ideia de agachar atrás de um carro estacionado. Foi.  A amiga montou guarda e vigiava o entorno. O jato saiu forte. Chope de manhã é uma coisa. Não tinha suado nada ainda.

Acordou com a cama quente e úmida! Que pesadelo horrível! Jamais viveu numa pequena cidade! Não tinha nada contra elas e muitas vezes viajava pra descansar . Tinha até alugado casa em Lumiar por uns dois anos. Mas adorava a rotina estressante do Miguel Couto. Passou a maior parte dos últimos dez anos lá! E gostava também do Souza Aguiar, onde às vezes dava plantão na ortopedia.


Era verdade que nem sempre conseguia passar o carnaval nos blocos. Férias nessa época são difíceis mesmo. Altíssima temporada, hospitais lotados! Mas tem o pré e o pós!

Não saberia o que fazer sem essa injeção de vida a cada fevereiro.


No entanto, a prioridade agora era colocar pra lavar aquela roupa de cama mijada. E eventualmente encomendar um colchão novo. Solteira no carnaval, mas a prioridade não é  companhia. Precisa da cama pra dormir confortável, a maratona de blocos exige fôlego e o colchão tá velho mesmo.


Mas, vai que...?

 

 

Rio de Janeiro, janeiro de 2024



 

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