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Foto do escritorEleonora Duvivier

Ivan e o Cristo - I


Parte1




       Eu morria de medo dele. Algumas pessoas que vi submeterem suas obras à avaliação de Ivan, ouviram críticas indignadas sobre elas, como se tivessem cometido um pecado por não atingirem a dimensão artística que pretendiam. Um homem pequeno e magro, com um bigode excessivamente grande contrastando com sua estatura reduzida, acabara de expor três grandes paisagens monótonas e desbotadas, cobertas por rabiscos de caneta em direções diferentes.


Quando Ivan começou a mostrar que nada era nada naquelas paisagens, seu autor, incapaz de se defender do que todos sentiam ser a verdade, teve de engolir ainda os gritos com que Ivan concluiu que seu trabalho era horrível, diante de toda a turma em suspense.


A visão universal que Ivan tinha para a arte era reconhecida; ele era capaz de avaliar todos os estilos possíveis em qualquer expressão visual artística. Mas, independentemente do respeito que ele tinha do mundo artístico, nossa turma de aprendizes confiava em seu julgamento porque tudo o que ele dizia sobre qualquer trabalho que não descartava imediatamente nos tornava cientes de suas qualidades e deficiências, e quando selecionava o aquilo que funcionava do que não funcionava no que via, Ivan podia ser um mentor para o artista da obra e amadurecer sua visão. Em casos como as paisagens do homem de bigode, Ivan ficava fora de si porque tudo nelas era gratuito e não expressava nem sentimento nem intenção.


Ele sabia que muitas pessoas que apelavam para a arte viam nisso uma maneira fácil de ser original, confundindo liberdade com capricho e esperando se tornar parte de um universo de glamour e independência da repetição do trabalho comum. A arte moderna, com todos os tipos de formas abstratas e uma variedade de distorções de figura e fundo, contribuía para o mal-entendido da arte como um vale-tudo. A crítica exasperada de Ivan ou a rejeição imediata de obras nas quais ele detetava essa ilusão botava os pontos nos is, revelando o autoengano do suposto artista e mostrando que a arte está o mais distante possível da arbitrariedade. O confronto com a gratuidade no que deveria ser profundo e integro fazia com que Ivan, em sua indignação, soasse como que denunciando blasfêmias dentro de uma igreja.


Ele parecia canalizar mensagens transcendentais ao expor sensacionalismo como um disfarce da superficialidade e da preguiça por trás das cores e barulho visual de efeitos vazios em certas obras, e tratava-as como uma traição à arte e uma auto traição quem as fez ao mesmo tempo. Mas, ocasionalmente, sua melhor maneira de mostrar essa falha era ridicularizar o que via. Nunca me esqueci de uma suposta artista retirando de sua vista uma pintura que havia feito, logo depois que ele olhou para a tal pintura e disse com ironia: "A galinha que botou este ovo deve ter sido gigantesca!"


O “ovo” se referia a uma elipse grande e colorida retratada em uma pequena tela com efeitos extravagantes e caóticos, e a galinha gigantesca que Ivan mencionou tornou óbvio não apenas o fato de que a elipse não estava destinada a ser um ovo, mas que não era nada.


Seu julgamento não se baseava em nenhuma fórmula, princípio ou leis que pudessem ser usadas para todos. Pelo contrário, Ivan estava sempre certo porque sua visão universal era também a visão que individualiza e revela a singularidade de cada criação artística. A maneira como ele avaliava uma obra de arte identificava o mistério da individualidade com o milagre da criatividade, o irrepetível com o irredutível. Nesse universo vasto e desafiador da ausencia de regras, só a autenticidade conta, cada artista alcançando expressão universal sendo fiel a si mesmo e encontrando a linguagem visual que responde somente ao seu trabalho e o torna único.  

A arte é o perdão do absoluto para o nosso mundo da relatividade.


      Eu havia buscado a orientação de Ivan por conta própria para compensar minhas deficiências acadêmicas e meu alcoolismo com a possibilidade de uma carreira artística promissora, e temia sua opinião como se fosse o veredito para decidir meu valor pessoal, meu futuro, e meu lugar no mundo. Através de Ivan, eu, que ainda era uma criança, vislumbrei o rigor da seriedade extrema através da liberdade suprema. Se ele não gostasse do que eu fazia, o que mais me restava?


Em suas sessões, eu me sentava com os outros aprendizes ao redor de uma longa mesa com ele na cabeceira, ao lado de um cavalete no qual exibia o trabalho de cada um de nós para que todos vissem e acompanhassem o que ele dizia sobre o que expunha. Na segunda vez em que me obriguei a ir lá, eu havia bebido como sempre e, tendo cochilado no banco de trás do carro, levei um susto quando o motorista anunciou que tínhamos chegado. Como uma mola que volta à sua forma original quando liberada de alguma pressão, saí do carro no mesmo impulso com que agarrei os desenhos que havia levado comigo e que estavam espalhados no banco do veículo.


Na sua devida vez, esses desenhos chegaram às mãos longilíneas do mestre e, como se ele tivesse me despido na frente de todos, me pareceu brutal e implacável por apenas expor o primeiro deles no cavalete. Ivan era sobrenatural com seu cabelo longo e escuro batendo-lhe pelos ombros, suas pupilas pretas, enormes e pulsantes, seu tom de voz alto e seu corpo frágil concordando com a percepção nervosa que gritava através de sua pele para além dele mesmo.


O que ele pensaria sobre as figuras magras e sofridas que eu havia desenhado em nanquim? Durante os segundos em que olhou para aquele meu desenho em silêncio, senti-me como se estivesse andando em uma corda bamba e olhando lá embaixo ao longe para um chão distante e fatal. Eu sabia que a prática que ele considerava eficiente para as pessoas aprenderem "valores", como os diferentes graus de intensidade para cada elemento de um desenho ou pintura, era copiar fotografias em preto e branco da melhor forma possível para poder cortar com a realidade e manter vida no que se fazia. Eu nunca tinha feito esse tipo de treinamento e me senti tão ameaçada que me tornei pretensiosa o suficiente para me iludir que poderia dispensá-lo.


O fato de papai e mamãe serem artistas e de eu ter ganho primeiro lugar num concurso de pintura quando só tinha seis anos me dava uma responsabilidade sufocante ao mesmo tempo que falta de humildade. Até então, só mamãe julgava o que fazíamos. Ela admirava a coragem acima de tudo, e ao concluir que o fluir da convicção que a expressa deveria ser visível em um desenho, lidava com a hesitação como se fosse algo a ser negado em vez de conquistado, e bania o uso de borrachas porque achava que elas promoviam essa hesitação e medo por simplesmente dar chance ao desenhista cometer erros e poder apagá-los.


Se a questão para ela se tratava da recuperação da liberdade pré-lógica da primeira infância (concordando com Picasso que todas as crianças são artistas)  ela agia como se fosse possível reavê-la por somente ser contra o aprisionamento na racionalidade ao invés de supera-lo. Borrachas e esse aprisionamento deveriam ser os culpados por atrofiar em outros a liberdade que tinha Picasso, seu maior exemplo, ao produzir desenhos que parecem ser feitos de uma única linha dando forma às suas figuras sem interrupção, como se elas preexistissem à direção e movimento de sua mão ao trazê-las ao papel. O treinamento repetitivo e estruturado para superar a hesitação e o medo, como fazem os bailarinos na barra para poderem ser leves quando dançam, era totalmente ignorado. Ela também proibia o uso de preto ou de branco porque são extremos, e ela achava que extremos poderiam tornar uma pintura pesada por não deixar nada além para recorrer.


Mamãe, guiada pela teoria, era o oposto de Ivan, que aceitava qualquer cor, meio ou técnica, dependendo de como eram usados. Ele estava acima de regras e maneiras fixas de pensar porque era livre para ver cada obra de arte como um mundo inseparável da maneira como era expressa e que não era comparável à de qualquer outro artista, podendo assim justificar qualquer material e qualquer estilo.


Ao redor de Ivan em temor e tremor, fiquei ciente de um mundo novo e imprevisível, cuja liberdade era paradoxalmente uma disciplina máxima.


 

.Disciplinas humanistas como chave para o desenvolvimento social



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4o

 

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