URBANIZAÇÃO, URBANISMO, PLANEJAMENTO URBANO
- José Luiz Alquéres
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José Luiz Alquéres — Conselheiro do Clube de Engenharia
Um dos mais perversos aspectos do modelo de desenvolvimento brasileiro — comum
também a outros países — é a urbanização descontrolada, que transformou a vida nas
grandes metrópoles em um território cada vez mais inviável para a segurança pública,
a habitação em condições humanas e a exploração ordenada dos serviços públicos.
A urbanização é o processo que, no nosso caso, elevou em meio século a população
urbana de 30% para 90% do total do país. Essa explosão demográfica não foi encarada
com a devida seriedade pelo poder público.
A primeira iniciativa de uma política habitacional pública foi a criação da Fundação da
Casa Popular (FCP), nos estertores da ditadura Vargas, em 1946. Entretanto, ao longo
dos seus 22 anos de existência, a fundação não atingiu sequer a média de 1.000
moradias por ano, embora alguns dos conjuntos habitacionais que financiou tenham
se tornado icônicos pelas soluções arquitetônicas adotadas ou pelo renome dos
arquitetos envolvidos — em uma época em que a arquitetura brasileira se destacava
mundialmente.
Registre-se, nesse período, a iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro, por meio de seu
Departamento de Habitação Popular (DHP), que, antecipando-se à ação da FCP,
promoveu a construção do exemplar Conjunto Habitacional do Pedregulho, projetado
por Affonso Eduardo Reidy, com paisagismo de Burle Marx. O conjunto incluía
ventilação cruzada, escolas, mercados e áreas verdes — enfim, todos os elementos
desejáveis de um urbanismo integrado e humano.
O conceito de urbanismo implica subordinar o processo de urbanização a uma visão
planejada, seja de forma antecipada, seja como ação corretiva, de modo a transformar
aglomerados populacionais em bairros e cidades funcionais. Quando extinta a
Fundação da Casa Popular, ela foi sucedida pelo Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), que visava promover a expansão da habitação popular —
apoiada pelo recém-criado Banco Nacional da Habitação (BNH) — de forma humana e
sustentável.
Nos seus 22 anos de existência, o BNH financiou em média 220 mil habitações por ano,
chegando, em alguns anos, à marca de 1 milhão de unidades entregues. Infelizmente,
a maioria dessas construções não foi concebida segundo os princípios propostos pelo
SERFHAU, que, contudo, consolidou o entendimento público sobre os Planos Diretores
de Desenvolvimento Integrado, abrangendo aspectos urbanísticos, institucionais,
sociais e econômicos, para que as intervenções do poder público no mercado
habitacional não se transformassem em quistos urbanos. O conceito foi amplamente
divulgado, mas raramente respeitado.
O planejamento urbano seria, assim, a visão prospectiva de um urbanismo capaz de
compreender a questão da habitação nas grandes metrópoles não como um processo
espontâneo, mas como uma ação orientada — garantindo que o crescimento da
população urbana, em grande parte resultante das migrações campo-cidade,
encontrasse espaços adequados, próximos aos centros de trabalho e com
infraestrutura de serviços públicos. Também deveria fomentar a convivência entre
diferentes classes sociais.
Mais uma vez, contudo, esse processo não foi bem-sucedido. A política habitacional
atual, denominada Minha Casa, Minha Vida, embora tenha realizado a construção de
cerca de 460 mil habitações por ano entre 2009 e 2023, não concebeu seus
empreendimentos de forma urbanisticamente saudável.
Problemas de invasões, deficiências de serviços urbanos e a falta de integração com o entorno fizeram com que um número expressivo dessas moradias não contribuísse para a melhoria das
condições de vida nas áreas onde foram implantadas — muitas das quais acabaram
posteriormente “anexadas” a territórios dominados pelo tráfico ou por milícias.
O panorama habitacional das grandes metrópoles brasileiras em 2025 é desesperador,
não apenas pela quantidade de habitações em condições sub-humanas, mas pela
crescente inviabilização da prestação de serviços públicos por empresas ou entidades
confiáveis. Água, luz, internet, gás e até a venda de água potável engarrafada têm se
transformado em monopólios de grupos clandestinos, explorados a seu bel-prazer,
sem qualquer controle por parte das administrações públicas.
Incapazes de prover segurança pública em frações crescentes do território nacional —
reduzindo, na prática, a superfície da nossa tão decantada soberania, não por força de
uma potência estrangeira, mas pela ação de grupos criminosos avessos ao Estado de
Direito —, os governos continuam anunciando como solução o que reiteradamente se
mostra ineficaz: mais repressão. Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Rodoviária, Polícia
Federal, Polícia Legislativa, Polícia Penal e, mais recentemente, as polícias municipais
armadas, e em breve com o reforço de uma Força Nacional ampliada, cuja criação está
em debate no Congresso. Em suma, mais do mesmo, enquanto nossas fronteiras
permanecem porosas, permitindo a entrada de armas, drogas, contrabando e
imigrantes ilegais.
É urgente repensar as ações de readequação urbanística das nossas cidades —
especialmente daquelas onde o número absoluto de habitações em condições sub-
humanas é maior e onde o Estado já não garante o direito constitucional de ir e vir ou
a exploração legal das atividades econômicas. A prioridade deve estar na alocação
eficiente das verbas públicas, evitando sua aplicação em empreendimentos que
possam ser desenvolvidos por capitais privados e remunerados por tarifas realistas,
como estradas, aeroportos, hidrelétricas e usinas nucleares.
É igualmente necessário eliminar subsídios injustificáveis, como os destinados a fontes
de energia ineficientes, e corrigir distorções históricas — entre elas os incentivos da
Zona Franca de Manaus, que acabam por estimular a exploração predatória da
Amazônia.
Somente com planejamento urbano integrado, racionalidade fiscal e foco
em resultados sociais duradouros será possível transformar a urbanização brasileira
em sinônimo de cidadania e desenvolvimento sustentável.
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