FITNESS
- Jorgito Sapia
- há 2 dias
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No final da década de 1970 caminhava com um conhecido pelo bairro de Ipanema falando sobre a vida quando, de repente, ele para e aponta com o dedo indicador para uma loja vazia no segundo andar de um prédio comercial e diz:
- Tá vendo aquela loja ali, no segundo andar
- Estou, sim.
- Pois é, vou montar, nesse espaço, uma academia.
Lembro hoje, claramente, que a informação não provocou em mim qualquer tipo de curiosidade, de reação. É possível até que tenha pensado que esse rapaz ia jogar dinheiro fora. De fato, não entendi nem a proposta, nem a dimensão e nem o significado do empreendimento.
Naquele tempo -anterior à anistia e à democratização, a maioria das pessoas se exercitavam levantando-se do sofá para, no máximo, mudar o canal da televisão até encontrar uma programação adequada nos 4 ou 5 canais disponíveis. Eventualmente atendiam o telefone, que nem sempre se encontrava ao alcance da mão. A única certeza era, que entre as 20:00 e as 21:30, horário que compreendia a apresentação do Jornal Nacional e a novela das 8, muito pouca gente fazia qualquer outra atividade.
Pensando assim, a distância, lembro também que era um tempo com menor poluição sonora na cidade, as próprias interações sociais eram mais silenciosas. É provável também que o medo, que a ditadura instalada em 1964 soube construir, tenha contribuído para esse aparente silêncio. As pessoas eram mais comedidas nos seus comentários. Talvez até tivessem habilidades sociais mais consolidadas que facilitavam o ato de saber escutar, de comportar-se com tato para evitar desagradáveis desavenças, de encontrar consensos e evitar a frustração de difícil discussão.
Na contramão dessas habilidades dialógicas hoje, a aposta é pela desavença, pelo confronto, pela imposição da verdade, seja ela qual for. Como vemos com muita frequência, qualquer idiota manifesta sua opinião e, quanto mais em desacorde com qualquer princípio ético ou democrático, maior é o volume da opinião tornada pública. Umberto Eco alertava em 2015 que “a internet deu voz a uma legião de imbecis”. Basta observar as falas proferidas pelas Vossa Excelências no Congresso Nacional para constatar que a sentença do autor do Nome da Rosa ecoa ruidosamente. Aliás, como diria, meu amigo Ronaldo:
- Meu caro, opinião é que nem bunda, todo mundo tem uma!
Pois é, assim vamos nós, perdendo nossa batalha civilizatória.
Nestes últimos 50 anos muita coisa mudou. Hoje, em qualquer cidade, independente do porte, proliferam academias de ginástica, farmácias e igrejas evangélicas; aparelhos de telefonia celular e uma infinidade de ofertas publicitadas por todas as mídias disponíveis. Essa quantidade de ofertas e a sensação de que o tempo passa a velocidade assustadora, aumentam nossa certeza de que jamais teremos tempo de usufruir, sequer, 5 % da oferta mundial de produtos a nossa disposição. Para dar conta desse descompasso, a indústria farmacêutica nos oferece uma gama variada de ansiolíticos – Clonazepam, Alprazolam etc.- e a indústria da fé nos vende a certeza do “Dízimo com quem andas que direi quem tu és.”
Nos últimos anos, de tanto fazer parte da paisagem urbana, da moda Gym e das conversas dos amigos, o universo da academia foi se tornando, para mim, menos hostil. Talvez contribua para essa presença cada vez mais ostensiva de academia nas paisagens urbanas e fato de que hoje, o quinto curso universitário mais oferecido na modalidade EAD é o de Educação Física. Vai entender.
E eu, depois de passar positivo e operante, discreto e atuante pelo 69, entrei, aos 70, por conselho médico, numa academia. Eppur si muove
Na verdade, gosto mesmo é de caminhar na rua, desvendando lugares, esquinas, botecos, encruzas. Gosto de perceber as transformações urbanas provocadas pelo aumento da densidade populacional, pelos deslocamentos, pelo processo de urbanização e pela especulação imobiliária. A cidade serrana de Teresópolis é hoje, mina gávea, meu local de observação. Porém, esse meu gostar colide com as péssimas calçadas do município. Assim que, para evitar acidentes, optei por um espaço mais controlado. Vivendo, suando e aprendendo.
Dia desses, depois de ter feito alguns minutos de esteira, de passar por alguns aparelhos recomendados para o fortalecimento muscular, tinha chegado a vez, conforme indicava a papeleta que imprimia diariamente a modo de localização, de encarar crucifixo invertido. Estava completando a segunda série de 12 movimentos quando divisei, pelo rabo do olho, passando em slow motion, um rabo, trabalhado em mais de um aparelho, contido, a contragosto, por uma calça legging, cintura alta de poliamida fitness, texturizada, na cor vermelha. Confesso, fiquei pregado, imaginando fosse uma manifestação do demo me testando. Cruzes!
Quando levantei os olhos percebi que a distinta usava, também, um cropped preto. Pronto, eu que não tinha prestado a menor atenção num monte de marmanjos que malhavam com a camisa do mais querido, saquei na hora: ontem o Flamengo ganhou!
Nesse meio tempo pensei, ao avistar ambos os mundos, nos marinheiros que eram enviados à casa do caralho, isto é, à pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das Caravelas, também conhecida como Gávea. Era dali que os vigias perscrutavam o horizonte em busca de sinais de terra. Embora a opinião corrente é a de que tal casa era um lugar de castigo, eu defendo a ideia de que pra lá eram enviados os marujos com vocação de jornalistas, pois, ao gritar “Terra à vista” o que o maringote fazia era, como hoje sabe qualquer foca, dar o furo!
Dessas reflexões filosóficas, provocadas pela visão acima e do estado de êxtase em que me encontrava fui subitamente retirado, ao sentir um calor no cangote e uma voz grossa no ouvido direito que perguntava se faltava muito para acabar a série. Olhei assim, de viés, e vi um sujeito de 1,80 por 1,20 com bíceps tão desenvolvidos que seus braços arqueados não conseguiam encostar no corpo. Já o tinha visto outras vezes circulando pelos aparelhos. Notei que caminhava feito Gregory Peck, no filme O Pistoleiro, dirigido por Henry King em 1950. Ao vê-lo caminhar, dava a impressão de que assim como a ex-deputada Carla Zambelli, estava pronto para sacar uma arma do coldre.
E eu, que tinha começado com a visão da Carla Perez e acabado com a Carla Zambelli, despreguei minhas mãos do aparelho e cedi, gentilmente, a vez ao sujeito.
Enfim, vida que segue!
Um grande sambista: Didu Nogueira.
Mulheres no Samba, escute na Spotify / Cedro Rosa.
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