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Foto do escritorEleonora Duvivier

Desonra





Roubo o título de um romance de Coetze porque nada demonstra melhor o que sofre a alma humana em consequência das atrocidades que acontecem no mundo.


Ao frequentemente esconder sua ganância e vontade de oprimir sob ideais religiosos, nossa espécie é sórdida. Sua capacidade para o mal é devassadora. O mal nunca tem causa, pois nada o justifica. Só consigo viver mantendo-me ignorante da maioria de seus feitos políticos, que me causam desgosto e dor por ser locatária de nossa espécie. O que acontece em Gaza, por exemplo, inspira um senso de tamanha indignidade por sermos parte desta espécie, que nos causa vergonha ao simplesmente ter que levar o nosso dia “normalmente” enquanto tudo aquilo continua.


Muito mais do que a quase total paralização que causou no mundo a covid, tais fatos deviam ocasionar uma greve ou parada geral de protesto em todo o planeta. Mas a baixeza da espécie consiste em só ouvir a voz do dinheiro e só a ele dar o poder que os pobres de espírito cobiçam, fazendo por este poder absurdos muito além do que seria necessário a uma sobrevivência decente e até mesmo confortável. A voz maldita do dinheiro vem, por conseguinte, falar em prol da própria destruição -ultimamente a passos largos- da possibilidade de qualquer sobrevivência. Faz pessoas supostamente competentes esquecerem o fato óbvio de que “não se come dinheiro” e não só cometerem massacres humanos e espirituais como poluir, destruir, acabar com o planeta que nos é fonte de vida, e imprimir uma mancha indelével na alma humana.


Como o parasita, os chefes da guerra e os do terrorismo acabam por matar a arvore da qual sugam vida, dando indiretamente fim a eles mesmos e condenando sua alma a chafurdar na mais vil baixeza, tornando imortal o seu próprio ódio. É isso o inferno. A herança e perpetuação do ódio. Na hipocrisia de esconder seus interesses financeiros sob motivações religiosas, seu ódio `a inocência e sua sede de assassinar os que não se dobravam ao poder, as autoridades em Israel levaram Cristo a bradar: “Serpentes! Geração de víboras! Como poderão escapar `a danação do inferno?” “Eis que vossa casa vos ficará deserta.”


Não é de admirar que Nietzsche declarou ser a moral oriunda da maldade e da dívida financeira. Os primeiros castigos nas antigas civilizações eram contra os que não pagavam suas dívidas, e constavam de mutilações físicas que agradavam aos credores que as assistiam, que lhes proporcionava o prazer mais sinistro e infernal. Hoje em dia, tudo isso em grande parte foi sublimado para perseguições e sanções econômicas, que disfarçam a maldade, mas mantem a autoridade do dinheiro acima dos valores abstratos que erguem o homem acima da carne. Ou que deveriam erguer.


Refletindo sobre a nobreza outro dia, concluí que o termo nobre não virou adjetivo por mera convenção. A nobreza existe independentemente de quem a sociedade sagrou nobre, e frequentemente opondo-se a estes. Nossa cadela Maya, por exemplo, é uma princesa. Suas poses são harmoniosas e seu coração é generoso. Sempre defere `a fome dos outros cachorros quando está comendo, e nunca vem encher nosso saco pra ganhar sobras das nossas refeições. É cuidadosa quando brinca com os que são menores do que ela, mas faz questão de brincar com todos. Expressa sua total apreciação e gratidão ao ser apreciada e festejada, dialogando, sem precisar de palavras, com quem lhe dedica afeto.


O vagabundo, criado por Chaplin, era um exemplo de nobreza ao ser requintado na própria pobreza. Entre outras demonstrações desse seu requinte poético, ele bota a mesa, com sutileza ritualista, para a pobre refeição que repartiria com uma prostituta por quem se apaixonou nos confins da neve (Em Busca do Ouro). Para dar um grandioso exemplo do que me levou a pensar que a nobreza é a condição de estar acima dos limites da matéria, e, assim, a de estar acima do tempo e do espaço que constituem a realidade vulgar, cito Albert Camus.


Meu irmão Edgar já escreveu um texto exemplar para apresentar na França a escultura que vai fazer deste escritor, a partir da estatueta de que é autor e com que presenteou a filha de Camus. No seu texto, Edgar aponta o fato de que, tendo Camus nascido na extrema pobreza, só vê, portanto, beleza, nessa condição. Para ele, diz Edgar com razão, riqueza era o sol, o mar, a vida enquanto vida e autenticidade. Tal homem era um nobre verdadeiro. Estava além das condições materiais que limitam a realidade. Era socialista de alma, e não de teoria. Indispôs-se com a classe intelectual de esquerda, que é a maioria, por atacar os campos comunistas russos na sua época.


Brigou com Sartre, que era o suprassumo da teoria, disso que esconde e justifica o nosso egoísmo construindo escudos de palavras supostamente do bem em volta de nós e nos poupando agir de acordo com elas. Eu tinha um professor de filosofia em Boston, que dizia que em filosofia qualquer posição é válida se conseguirmos construir uma argumentação para sustentá-la. Assim é a teoria, dobra-se a qualquer tipo de pensamento e serve de máscara ao pensador. Por causa da crítica que Camus fez aos campos comunistas, Sartre o acusou estar tirando o estímulo dos operários para a revolução, furioso com o fato de a direita ter elogiado Camus. Este respondeu que se a verdade estivesse com a direita, ele também estaria, concluindo que a moral está acima da política. Quer dizer, do burguesismo versus socialismo etc. etc.


Na posição de Sartre e da maioria dos intelectuais o que contava na verdade eram os rótulos “socialistas”, “comunistas”, e tudo que se deriva de “ismos”, esta outra aberração que facilita a compreensão dos medíocres, a covardia dos que colocam palavrórios acima da vida. Quando os outros intelectuais o criticaram, Camus manteve sua posição santa e impecável. Pois tinha como princípio a ética deontológica, a que dita a mais difícil e anti pragmática conduta que pode haver e que acabaria com qualquer guerra ao manter que os fins não justificam os meios. É a ética dos puros, dos incorruptíveis. A ética de Kant, que juntou genialidade com coração ao dizer que todo homem é um fim em si mesmo e não deve servir como meio para nada.


Torcendo para que os franceses reconhecessem os árabes como cidadãos na Argélia, Camus desagradou aqueles que, dentre estes, queriam acima de tudo brigar, reivindicar. Camus era contra o terrorismo e ao mesmo tempo contra a opressão, por ser a favor do amor e da vida. Com o que considero a verdadeira nobreza, Camus, sendo capaz de ver beleza na própria miséria, estava além de qualquer contexto temporal e espacial. Com sua alma elevada, via a beleza da vida numa poesia mística e sem Deus.


Para concluir, vou novamente roubar algumas palavras de outro escritor, Hunter Thompson, alterando ligeiramente o que ele disse a propósito de um de seus amigos, se não me engano do que era seu advogado: “He was too weird to live and too precious to die.” (Ele era estranho demais para viver e precioso demais para morrer.) Eu então digo:


Albert Camus era genuíno demais para viver e precioso demais para morrer.

Que ele, na sua nobreza, na sua dimensão extra temporal, esteja sempre entre nós!


E que sua presença sutil nos inspire a nos livrar da vingança do ódio e da ganância do poder.


 

Artes e Instituições Artísticas Impulsionam Comunidades e Economia Criativa




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