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Da caça esportiva à conservação da natureza



Foto: resgatada de um slide da época, por André Padua e Érica Felipo.

Meu Pai era um caçador renomado tanto no Brasil quanto no exterior. Hoje já não creio que ele faria o sucesso que fez, recebendo gente de toda parte do mundo em sua sala de “troféus”, com montagens de corpo inteiro de animais como tigre, leão, ou cabeças de búfalo, antílopes e até presas de rinoceronte e elefante. Do Brasil havia uma parede inteira com onças preta, pintada e parda, veados e porco-do-mato.

 

Meu Pai era um herói! Seu nome era Alberto Lobo Machado, conhecido como “Tola” pelos amigos. Caçou em muitas partes do mundo, como na África duas vezes, uma na Índia, além da Espanha, várias vezes na Argentina, com seu grande amigo Perdomo, e outros países que tinham os animais que o interessavam. E para cada uma dessas aventuras era um trabalho preparatório inimaginável, como, por exemplo, conseguir uma carta de permissão dada apenas pelo próprio Generalíssimo Franco para abater uma cabra selvagem que vivia nas montanhas espanholas.

 

No imaginário das pessoas parecia haver a fantasia do caçador ser um homem forte, de elegância britânica, capaz de enfrentar feras indomáveis. Não sobrava espaço para sentimentos de tristeza pelas vidas perdidas. Não se questionava o que se passava com as espécies dos animais abatidos, nem com o que estava ocorrendo com a natureza em geral. Preocupações como essas, ou o porquê matar animais de tamanho vigor, soavam ridículo e irrelevante. Naquela época, conservação e a noção de finitude da natureza ainda não faziam parte das pautas das escolhas humanas. Presumia-se que a natureza era inesgotável. Assim, o caçador era o corajoso, o admirado e, claro, superior às demais espécies vivas. Essa percepção é de apenas 40 ou 50 anos atrás.

 

Apesar de não existir o termo “conservacionista”, ou pelo menos não era usual, creio que nasci nessa categoria. Ainda bem pequena questionava meu Pai sobre o porquê matar um animal tão lindo como uma onça, um antílope, ou um elefante? Suas respostas nunca me convenciam. Explicava que a caça trazia grande emoção. Enfrentar o perigo do confronto com um animal selvagem, como os tantos que ele caçou, era um incentivo a sempre sonhar com o que viria depois.

 

O que me surpreendia é que era um homem extremamente sensível e se emocionava com muita facilidade. Ouvia música clássica da hora que acordava até ir deitar-se quando estava em casa. Profundo conhecedor, era capaz de dizer quem estava regendo suas sinfonias preferidas, como a 9ª de Beethoven, a ópera Aida de Verdi, e certos concertos de Brahms, Mozart, Saint Saens, Vivaldi ou Bach. Gostava de ler, principalmente livros escritos por naturalistas e exploradores, provavelmente os heróis que o inspiravam, porque se aventuravam nesse mundo selvagem, desconhecido, que tanto o atraia. E chorava com filmes de amor, como Casablanca ou Audrey Hepburn em a Princesa e o Plebeu.

 

Era um gentleman com todos, dos mais simples aos mais sofisticados, e seu senso de humor aguçado fazia família e amigos rirem muito e se divertirem com tiradas inesperadas. Esse era o Tola.

 

O que ele me deixou como marca, além de seu gene? O gosto pela música erudita, etérea, permanece em mim. Alguns concertos ficaram marcados porque muitas vezes nos emocionávamos juntos, como quando ouvíamos a 6ª de Beethoven (Pastoral), diversos concertos para piano de Mozart, principalmente o de n. 27 e o n. 21, ou o mais sublime de todos, o para clarineta, além de Brandemburgos de Bach, para dar apenas alguns exemplos.

 

Mas, devo a essa pessoa tão fora do comum minha paixão pela natureza. Papai nos levou com certa frequência a lugares distantes e selvagens como a Fazenda Miranda Estância (hoje Caimã), Fazenda Nhumirim (que era de um primo seu, Tio Tai, Otávio Carneiro), atualmente pertencente a Embrapa. Mesmo no Rio, íamos ao zoológico com certa frequência e, também, ao Jardim Botânico. Apesar dessa exposição ao mundo natural, nunca imaginei que iria me dedicar a proteger a biodiversidade do Brasil com tamanho empenho. Nem foi minha primeira escolha profissional. Aconteceu por outro caminho, quando meu marido, Claudio Padua, aos 30 anos redirecionou o rumo de sua vida, deixando o mundo dos negócios e enveredando pela ecologia, o que se tornou sua grande realização. Minha mudança profissional se deu uns tempos depois, quando fomos morar no extremo oeste do estado de São Paulo, onde habitava a espécie que o Claudio foi estudar, o mico-leão preto, tão ameaçado de extinção. Daí veio uma longa jornada que tem nos guiado a embarcarmos em aventuras também impensadas, mas com direcionamento oposto ao do meu Pai. 

 

Creio que hoje, se meu Pai estivesse vivo, iria se orgulhar da trajetória de nossas vidas no mundo da conservação. Isso porque apesar de caçador, amava a natureza. Parece paradoxal e difícil de compreender a princípio, mas quem conviveu com ele percebia facilmente que, mesmo sendo um caçador, seu amor pelo mundo natural era evidente. Na busca por um animal para abater, acabava se deleitando com as belezas e sutilezas que encontrava nas longas caminhadas, esperas e pernoites à espreita de sua presa.

 

Toda essa história fez parte de uma época. Eu posso não o ter admirado pela caça, mas era fácil reconhecer suas qualidades, que o tornava tão especial para mim. A caça destoava do restante do que eu amava em sua personalidade. Caça realmente não me parecia aceitável e hoje me soa ainda mais inadmissível. O espanto é que ainda perduram aqueles que se dedicam à caça esportiva. O mundo natural está se acabando e somos nós os responsáveis por grande parte dessas perdas, algumas sutis e demoradas, outras imediatas. Caça esportiva, na minha visão, é uma agressão que não cabe mais na conjuntura atual.

 

Há alguns anos escrevi um artigo sobre esse tema e me surpreendi com as reações raivosas de muitos leitores. Furiosos me fizeram críticas ofensivas, o que lembra esse radicalismo que vemos atualmente no Brasil e no mundo em campos diversos. Está certo que também estou sendo radical em não aceitar a caça como esporte, mas as razões são evidentes – límpidas, mesmo para quem se faz de cego.

 

Meu Pai que me desculpe, mas não há mais espaço para caçadores. O que devemos aprender a caçar hoje é conhecimentos e valores que protejam a natureza e as pessoas menos favorecidas. Ambos pedem socorro!


 

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