AMANHECEU
Quando o Guilherme Arantes escreveu que “amanhã será um lindo dia/da mais louca alegria que se possa imaginar”, ele não tinha em mente, certamente, o quanto isso se aplicaria ao início de 2023. Não que não houvesse, em dias e ocasiões anteriores, momentos de alegria incontestável e desmedida. Um povo movido por afetos, como o nosso, vive seguidas euforias e mergulha na mais profunda depressão coletiva com frequência mais que comum.
Não temos a maturidade emocional dos povos de clima temperado ou frio diante das estações do ano ou de outros fenômenos naturais ou civilizatórios, como festas anuais, aniversários, carnavais ou eleições. Festejamos como se estivéssemos vivendo o último de nossos dias ou lamentamos igualmente, como se nada mais fizesse sentido e a vida pudesse terminar ali, tamanho o desgosto.
Verdade que apesar disso nossas taxas de suicídio são inferiores às da maioria dos países frios, o que parece apontar para a superficialidade dos sentimentos exagerados que manifestamos diante de quase qualquer coisa. Os caras lá mais perto dos polos não se manifestam muito mas, a julgar pelas taxas, sofrem muito mais. Ou talvez tenham menos apego à vida e disposição pra repetir eventos de sofrimento. Ou, muito provavelmente, não é nada disso. A absoluta maioria de nós, tropicais, sequer sabe como se comportaria diante de vários meses de escuridão e frio intenso.
Mas falávamos do início de 2023. Depois de longo e tenebroso inverno institucional, quando o sol se pôs na votação final do impeachment de Dilma em 2016, a democracia brasileira aguardava por um amanhecer que parecia fadado a não acontecer. Os dias foram ficando menos luminosos, veio a prisão de Lula, que acrescentou dramaticidade à trama e baixou a temperatura a níveis polares, ainda que a vida insistisse em pulsar, como fazem pinguins e ursos brancos em polos diferentes.
Depois da gelada e sombria temporada do vampiresco ex-vice de Dilma, o decorativo aquele, provavelmente oriundo de um projeto de decoração assinado pela Mortícia Addams, sobreveio o pior, a tempestade perfeita, o furacão sem controle possível, a noite eterna que durou quatro anos e nos minou as esperanças, os sonhos, a alegria. Fizemos desabar, sobre aquele país festivo que conhecemos, os nossos afetos mais canalhas, as nossas qualidades mais desprezíveis, a nossa vontade de eliminar o outro. A nossa religiosidade hostil e maledicente, a nossa necessidade de impor uma ordem falsamente disciplinada, capaz de atender aos piores e mais mesquinhos desejos de pequeno poder.
Não fosse isso tudo o suficiente, a natureza, sem cerimônia e quase certamente ajudada pela irresponsabilidade da raça humana, essa mesmo que elegeu a extrema direita na Itália, nos deixou o mundo sob Trump durante um tempo, forçou o Brexit e hoje se digladia na Ucrânia, coroou nossos esforços de autodestruição com uma pandemia jamais vista e que, aqui em pindorama, teve alguns de seus piores momentos. Elenco e direção local esforçaram-se pra que a temporada fosse longa e inesquecível, mesmo com a equipe técnica dando tudo de si para lhe encurtar a duração.
E foi com isso que convivemos nos últimos anos, com uma ou outra abertura de sol aqui e ali, como foram a libertação de Lula, o domínio brasileiro na Libertadores, a desmoralização do núcleo duro da Lava Jato, a retomada de um certo senso de responsabilidade pelo STF e finalmente, 2022, como um tipo de sala de espera para 2023.
Foram vários anos esperando outubro de 2022 chegar. Em junho de 2013 ou em março de 2016, nem sabíamos ao certo o que esperávamos, mas era por outubro de 2022. Era pela possibilidade de voltar a sorrir, de voltar a sonhar com um futuro de concórdia, de mentes e corpos livres do moralismo ansiado pelo projeto de poder dominante, de cores livres da imposição verde e amarela, essas duas, coitadas, sequestradas por um discurso sem pé nem cabeça de liberdade violenta, armada e assassina.
Quando 30 de outubro finalmente chegou, já estávamos a ponto de não resistir. Mas ele veio. Veio pra nos tirar do congelamento profundo, dessa enxaqueca institucional, do desarranjo social, da esquizofrenia civilizatória.
E o 30 de outubro, que não se esqueça, se concretizou efetivamente em 01 de janeiro de 2023!
Não sabemos como será daqui pra diante. Os problemas acumulados, tão grandes são, não serão resolvidos em poucas canetadas. Muito trabalho ainda precisará ser feito para que se reinicie a subida. Descer é sempre mais fácil e rápido. E descemos muito com a gravidade a favor e gente ainda empurrando. Agora é subir. Lentamente e sempre, mas subir. No rumo sempre desejado da eliminação da fome e da miséria, da volta à cooperação internacional propositiva, do protagonismo ambiental, da prioridade ao mercado interno.
Sobraram uns pseudo-humoristas em portas de regimentos, desafinando o hino e parodiando os batalhões de Hitler. Sobraram umas viúvas da ditadura, querendo e sonhando com a volta da longa noite, do extremo frio, da sombra eterna.
A multidão que dançava em Brasília no dia 01/01/23, no entanto, exorcizou, a seu modo, do modo certo, do modo vivo, os fantasmas que, sob um desbotado manto verde e amarelo, queriam nos assombrar de novo.
Vai Brasil! Mostra tua cara bonita! Esses cravos e espinhas fazem parte do cenário, mas hão de ser tratados. Todo mundo tem. E a gente pode até ter acordado com olheiras profundas. É normal depois de noites mal dormidas.
O que importa mesmo é que voltou a amanhecer!
Rio de Janeiro, janeiro de 2023.
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