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A África não é a Bahia² (ao quadrado) - IV


Cratera de Ngorongoro, na Tanzânia fonte: Lucia Capanema

A volta ao Brasil ainda me retorce o pensamento e o estômago em reflexões, cinquenta dias passados. O olhar às vezes técnico da urbanista às vezes antropológico e afetuoso - no sentido Spinoziano, sobre o que me afeta e sobre o que eu mesma afeto – para a cidade e os fazeres do povo não se cansa de tecer comparações.


A varrição pública da cidade do Rio sempre me causara revolta; pela primeira vez achei-a eficiente. As calçadas do Catete me pareceram tão limpas... nossos mendigos dormindo nas soleiras naquela noite de domingo afinal não me pareceram tantos. A impressão de testemunhar a diferença entre a pobreza estrutural, projetada e planejada de fora para dentro, e a pobreza circunstancial, embora também planejada e de forma mais endógena por nossa tola burguesia servilmente interesseira. Certo, África também teve e tem seus capitães-do-mato, generais merreca que teimam em sugar seu próprio povo para locupletar tanto seus apetites quanto o capitalismo global. Mas aqui se tem a esperança e a ilusão de uma porta com saída. A concepção do Jardim Botânico do Rio, tal e qual a imponência do Paço Imperial e da Quinta da Boa Vista nos indicam um cuidado colonial desconhecido por onde passei, seja Maputo, Zanzibar ou Nairobi. Aqui, me parece agora, se pretendeu fundar alguma ‘civilização’, não apenas explorar, expropriar, sangrar.


Emicida tem razão quando diz que "O Brasil é uma máquina de moer pobre", mas discordo que nunca houve um projeto de país – ainda que desigual porque racista e pouco escrupuloso, não muito diferente das origens portuguesas. Mas em África a ilimitada crueldade europeia, tão vivamente atual, fez criar um continente da miséria emanada dos seus tantos recursos, commodities ainda colonizadas. Nascida em terras que cobrem enormes jazidas, desde os diamantes do Tejuco até os atuais Lítio, Nióbio e Titânio espalhados por toda Minas Gerais, ao ver as montanhas verde-azuladas de dimensões desconhecidas por nós, brasileiros, me parecia poder sentir o cheiro de minerais preciosos escondidos sob a exuberância das paisagens, dos animais e dos povos que um passado-presente ainda teima em destruir para afanar.


Nunca gostei do termo ‘desenvolvimento’: des-envolver quem, quando deveríamos envolver a todos (como escreveu Edgar Morin), e rumo a que? Para emular o velho mundo? A que propósito e para quem? Me identifico mais com as ideias sobre centro e periferia propostas pelo argentino Prebisch nos anos 1950 e que não deixam brecha para o tal paísem desenvolvimento’. Ora, se o centro existe em função da periferia e vice-versa, como se inverteria o jogo de soma zero? Uma conversa que sempre me pareceu canto da sereia a nos envolver e iludir. A visão daquela pobreza ainda imposta, estrutural, sem cuidado nem fim de túnel, ao contrário, me fez entender que se não há países ‘em desenvolvimento’, há países mais subdesenvolvidos. São infelizes gradações do bem viver: a África não é a Bahia com sua negra altivez, não é Minas Gerais com sua desconfiança hospitaleira, não é o Rio de Janeiro com sua alegria malandra, não é a Amazônia com sua transbordante poesia, apesar de tudo. E a África também não é Cuba, essa sim, uma pequena Bahia².


Me perdoem as leitoras e leitores se os relatos que pude oferecer não lhes pareceram felizes ou convidativos. Eles são convocativos: assim como navegar é preciso para ver Lisboa e compreender nossas ruas e navegar é preciso para ver o Rio Negro e compreender nosso banho diário, navegar também é preciso para ver África e compreender nossa história amarga como seres humanos. Urgentemente e em fluxo maior do que o desterro dos séculos XVI a XIX, para não mais guardar os ossos do colonialismo no armário, não mais fingir que não vemos sua continuidade, não mais aturar a escravização econômica de nossos irmãos.


Como Moçambique, Tanzânia e Kenya, jovens nações teoricamente independentes, ainda são membros da Commonwealth? Como a França ainda domina colonialmente quatorze países sub-saharianos? A África está sozinha, nós a abandonamos à melancolia dos abusados através dos séculos. A solene e colossal beleza daquele continente e seu povo – que contida insiste, existe e resiste só resplandecerá pelos olhos de quem a navega. Precisamos, mais que ver e compreender, comungar e estar ao seu lado. Por não poder mais conviver com essa chaga que machuca nas noites de insônia e enquanto quisermos amanhecer dias melhores.


Enfim, um contraste em seu melhor desfecho dialético me coloca de novo nos trilhos. Volto ao Samba do Trabalhador, “quilombo brasileiro” do samba. Ali onde se vê e ouve que preto pode ter o mesmo que você, tem-se a esperança de um Brasil menos desigual, menos racista, exercendo toda sua potência embasada nessas etnias que nos deram tantos presentes maravilhosos e fundantes de nós mesmos. O reencontro com a alegria, o ritmo, o arrepio na pele, trazem de volta ao coração o meu país, ou pelo menos o desejado trópico das sinergias e dos sincretismos. Com a África marcada nas entranhas, penso que ainda somos uma utopia possível.


 

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