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Onde estamos e para onde vamos: Antropocentrismo, Biocentrismo e Etnocentrismo?

Foto do escritor: Suzana PaduaSuzana Padua



As culturas originĂĄrias tinham uma ligação prĂłxima Ă  natureza. Havia uma dependĂȘncia do mundo natural, o que levava Ă  busca de se conhecer bem o meio em que se vivia para poder sobreviver de forma equilibrada com rios, plantas, animais ou estaçÔes do ano.

 

Muitos chegavam a conhecer com precisĂŁo as Ă©pocas de chuvas ou estiagens para ajustar as Ă©pocas de suas plantaçÔes, por exemplo, ou entender os astros que serviam de base para navegaçÔes ou outros deslocamentos. Esses sĂŁo alguns aspectos da intrincada vida de quem precisava conhecer a fundo os elementos naturais e suas influĂȘncias para que a sobrevivĂȘncia pudesse ocorrer.

 

Na medida em que a humanidade evoluiu (ou involuiu em muitos sentidos), essa ligação com o mundo natural tornou-se tĂȘnue e as vezes abstrata. Em muitos perĂ­odos da histĂłria, a natureza passou a ser vista como mera fonte de recursos para saciar desejos crescentes da humanidade, intensificando-se exponencialmente com a advento da Revolução Industrial.

 

Essa tendĂȘncia, no entanto, teve seu inĂ­cio bem antes da Revolução Industrial, com o inĂ­cio do pensamento cientĂ­fico que se descolou da natureza, tendo sido predominante na Ă©poca da Antiguidade.

 

Pensadores como Francis Bacon, no sĂ©culo XVI, pai do mĂ©todo empĂ­rico na ciĂȘncia, baseava o avanço civilizatĂłrio no domĂ­nio da natureza.


Usava palavras como “domar” quando se referia a forças da natureza como rios, tempestades ou outros fenĂŽmenos naturais. A natureza existia para saciar os desejos humanos e por isso deveria ser “escravizada”, “reduzida Ă  obediĂȘncia” e cabia aos cientistas extrair dela “sob tortura, todos os seus segredos”.


Segundo Isabel Cristina de Moura Carvalho, essa atitude assemelha-se à inquisição e à caça às bruxas, que levou tantas mulheres à morte, justo àquelas conhecidas por guardarem segredos da natureza.

 

Um sĂ©culo depois, XVII, outro filĂłsofo influenciou o pensamento cientĂ­fico de sua Ă©poca e suas ideias perduraram por muitos sĂ©culos: RenĂ©e Descartes. Em essĂȘncia, para ele a natureza funcionava como uma mĂĄquina e cada parte deveria ser conhecida para que se pudesse extrair dela o que a humanidade necessitava. Essa linha de pensamento preponderou atĂ© o sĂ©culo XIX, com resquĂ­cios que sobrevivem atĂ© os dias de hoje, talvez nĂŁo tanto no mundo cientĂ­fico, mas entre aqueles que escolhem prĂĄticas insustentĂĄveis para lidarem com o mundo natural.

 

A acumulação de bens, tĂŁo incentivada pelo “capitalismo selvagem”, intensifica essa conduta, especialmente apĂłs a industrialização de bens em sĂ©rie, que acabou por produzir quantidades desproporcionais Ă s necessidades humanas.

 

Se ao menos houvesse equidade na distribuição do que Ă© produzido seria menos grave. Mas a acumulação nas mĂŁos de poucos tem se agravado em todo o mundo e o Brasil ranqueia entre os piores paĂ­ses, mesmo sendo a 8ÂȘ economia do planeta.


Esse ponto foi reforçado em um estudo recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento EconĂŽmico (OCDE), que desvendou uma triste realidade. Os 10%mais pobres do Brasil levarĂŁo 9 geraçÔes para chegarem Ă  classe mĂ©dia, considerando-se aspectos como renda, educação, saĂșde e trabalho. Isso equivale a 180 anos! Ou seja, essa realidade Ă© cruel e soa como imutĂĄvel, caso o modelo de desenvolvimento continue a favorecer os jĂĄ tĂŁo privilegiados e a ignorar os que mais precisam.

 

A evolução da Terra se deu em eras glaciais, cada uma levando bilhÔes ou milhÔes de anos para mudar aspectos que influenciaram o surgimento e desaparecimentos de espécies e ecossistemas. Tudo parecia lento, mas as mudanças acabaram por favorecer o surgimento de uma infinidade de espécies, inclusive a nossa, Homo sapiens, que demorou muito a surgir na face da Terra.

 

Algumas metĂĄforas matemĂĄticas comparam a existĂȘncia do planeta a um dia de 24 horas. A aparição do ser humano se daria no Ășltimo minuto antes da meia noite e em imensa parte de nossa existĂȘncia Ă©ramos nĂŽmades coletores e caçadores, atĂ© desenvolvermos a agricultura e a domesticação de animais, que permitiu que nos estabelecĂȘssemos em locais especĂ­ficos em agrupamentos maiores.


A expectativa de vida era curta, e assim o nĂșmero que habitantes nĂŁo ameaçava as demandas sobre os recursos naturais. Outro cĂĄlculo tambĂ©m com base em 24 horas, compara os Ășltimos 500 anos. Percebe-se que quanto mais recente, mais rapidamente as mudanças ocorrem. Um bom exemplo Ă© o crescimento populacional.


Com o avanço da medicina e de outros campos da ciĂȘncia, as pessoas vivem cada vez mais, o que permitiu que a população mundial dobrasse em menos de 50 anos. Quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970, o Hino da Seleção cantava: "90 milhĂ”es em ação, Pra frente Brasil, Salve a Seleção!". Hoje em 2024, somos mais de 205 milhĂ”es de brasileiros.


O que sĂŁo 50 anos quando comparados Ă s eras planetĂĄrias? Nem um piscar de olhos, mas o impacto da explosĂŁo demogrĂĄfica Ă© imenso. SĂŁo mais e mais recursos naturais retirados para diversos propĂłsitos e mais e mais lixo e outras externalidades deixadas pelas pegadas humanas.

 

Essa forma de vida, centrada na humanidade passou a ser chamada de Antropoceno, primeira nomenclatura ditada por posturas humanas e não mais por fenÎmenos naturais. Ao se colocar no centro das decisÔes e demandas, o ser humano deixa de levar em conta a natureza com toda sua riqueza. Não percebe sua finitude, tratando-a como fonte inesgotåvel de recursos e o desequilíbrio tem sido cada vez mais desastroso.


Seria interessante trazer de volta Bacon e Descartes para que vissem a repercussão de seus pensamentos colocados em pråtica no mais alto estilo após alguns séculos. Inteligentes como eram, seus sonhos talvez se tornassem pesadelos e quem sabe quisessem promover um despertar coletivo? Os efeitos das pråticas que defendiam ainda de tornaram mais graves com a aceleração da tecnologia, que muitas vezes é usada para fins que levam à insustentabilidade.

 

Alguns resultados desse modelo que não leva em conta a natureza como valor a ser protegido, são hoje evidenciados com os efeitos das mudanças climåticas, a exemplo de estiagens, enchentes, deslizamentos, perda de biodiversidade e degradação ambiental. E são as camadas menos favorecidas as mais afetadas pelas tragédias climåticas. São elas, em geral, que vivem em zonas de grande risco, por não terem recursos financeiros para se mudar e buscar melhores condiçÔes de vida.


Ou seja, nosso modelo civilizatĂłrio Ă© cruel! O ser humano se colocou no centro das escolhas e esqueceu-se de levar consigo valores que poderiam amenizar os estragos que ele prĂłprio vem causando. E sĂŁo os seres humanos com poder de decisĂŁo os que mais tĂȘm como contribuir para mudanças justas e Ă©ticas que levem em conta todos e nĂŁo apenas alguns.

 

Existem tendĂȘncias de pensamento que defendem o Biocentrismo, cuja ideia central é a valorização da natureza em sua grandeza e complexidade. Defende o valor da existĂȘncia de todos os seres vivos em detrimento do Antropocentrismo, que coloca o ser humano no centro. A ideia Ă© bela, mas as decisĂ”es que determinam o destino planetĂĄrio estĂŁo nas mĂŁos dos seres humanos e nĂŁo de outras espĂ©cies, o que dificulta que esses valores preponderem.


Existem, ainda, aqueles que nos lembram de nossa conexĂŁo com a natureza, como o recĂ©m-empossado na Academia de Letras, Ailton Krenak, quando afirma: “A gente só existe porque a Terra deixa a gente viver. Ela dĂĄ vida pra gente. NĂŁo tem outra coisa que dĂĄ vida. É por isso que a gente chama ela de MĂŁe Terra."


Krenak nos remete a um outro movimento que também tem sido defendido por pensadores que buscam conhecimentos ancestrais das populaçÔes que vivem em contato com o mundo natural: o Etnocentrismo. De fato, quem convive com populaçÔes indígenas, aborígenes ou até aquelas com princípios budistas (considerando o Budismo como filosofia e não religião), cuja ligação com a natureza é estreita, se transformam e se veem em caminhos sem volta.

 

Isso porque a civilização predominante, baseada no Antropocentrismo, deixa de fazer sentido quando hĂĄ a percepção de nossa essĂȘncia natureza. A vida passa a ser percebida com outra dimensĂŁo de respeito, celebração, admiração, aprendizado e humildade.

 

Seja qual “ismo” se escolha, nossa ligação com a natureza tem como ser um caminho de mudança profunda e Ă© esse o fator que me atrai em todos os movimentos que colocam o ser humano em seu devido lugar.


Somos importantes sim, mas sem a natureza nada seremos. E, nossa sobrevivĂȘncia nesse planeta depende desse despertar.



N.R.

Suzana Padua é presidente do Instituto IPE, uma das maiores instituiçÔes ecológicas do Brasil, premiada e reconhecida internacionalmente.

 

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