Onde estamos e para onde vamos: Antropocentrismo, Biocentrismo e Etnocentrismo?
- Suzana Padua

- 1 de jul. de 2024
- 6 min de leitura
Atualizado: 4 de out. de 2024

As culturas originárias tinham uma ligação próxima à natureza. Havia uma dependência do mundo natural, o que levava à busca de se conhecer bem o meio em que se vivia para poder sobreviver de forma equilibrada com rios, plantas, animais ou estações do ano.
Muitos chegavam a conhecer com precisão as épocas de chuvas ou estiagens para ajustar as épocas de suas plantações, por exemplo, ou entender os astros que serviam de base para navegações ou outros deslocamentos. Esses são alguns aspectos da intrincada vida de quem precisava conhecer a fundo os elementos naturais e suas influências para que a sobrevivência pudesse ocorrer.
Na medida em que a humanidade evoluiu (ou involuiu em muitos sentidos), essa ligação com o mundo natural tornou-se tênue e as vezes abstrata. Em muitos períodos da história, a natureza passou a ser vista como mera fonte de recursos para saciar desejos crescentes da humanidade, intensificando-se exponencialmente com a advento da Revolução Industrial.
Essa tendência, no entanto, teve seu início bem antes da Revolução Industrial, com o início do pensamento científico que se descolou da natureza, tendo sido predominante na época da Antiguidade.
Pensadores como Francis Bacon, no século XVI, pai do método empírico na ciência, baseava o avanço civilizatório no domínio da natureza.
Usava palavras como “domar” quando se referia a forças da natureza como rios, tempestades ou outros fenômenos naturais. A natureza existia para saciar os desejos humanos e por isso deveria ser “escravizada”, “reduzida à obediência” e cabia aos cientistas extrair dela “sob tortura, todos os seus segredos”.
Segundo Isabel Cristina de Moura Carvalho, essa atitude assemelha-se à inquisição e à caça às bruxas, que levou tantas mulheres à morte, justo àquelas conhecidas por guardarem segredos da natureza.
Um século depois, XVII, outro filósofo influenciou o pensamento científico de sua época e suas ideias perduraram por muitos séculos: Renée Descartes. Em essência, para ele a natureza funcionava como uma máquina e cada parte deveria ser conhecida para que se pudesse extrair dela o que a humanidade necessitava. Essa linha de pensamento preponderou até o século XIX, com resquícios que sobrevivem até os dias de hoje, talvez não tanto no mundo científico, mas entre aqueles que escolhem práticas insustentáveis para lidarem com o mundo natural.
A acumulação de bens, tão incentivada pelo “capitalismo selvagem”, intensifica essa conduta, especialmente após a industrialização de bens em série, que acabou por produzir quantidades desproporcionais às necessidades humanas.
Se ao menos houvesse equidade na distribuição do que é produzido seria menos grave. Mas a acumulação nas mãos de poucos tem se agravado em todo o mundo e o Brasil ranqueia entre os piores países, mesmo sendo a 8ª economia do planeta.
Esse ponto foi reforçado em um estudo recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que desvendou uma triste realidade. Os 10%mais pobres do Brasil levarão 9 gerações para chegarem à classe média, considerando-se aspectos como renda, educação, saúde e trabalho. Isso equivale a 180 anos! Ou seja, essa realidade é cruel e soa como imutável, caso o modelo de desenvolvimento continue a favorecer os já tão privilegiados e a ignorar os que mais precisam.
A evolução da Terra se deu em eras glaciais, cada uma levando bilhões ou milhões de anos para mudar aspectos que influenciaram o surgimento e desaparecimentos de espécies e ecossistemas. Tudo parecia lento, mas as mudanças acabaram por favorecer o surgimento de uma infinidade de espécies, inclusive a nossa, Homo sapiens, que demorou muito a surgir na face da Terra.
Algumas metáforas matemáticas comparam a existência do planeta a um dia de 24 horas. A aparição do ser humano se daria no último minuto antes da meia noite e em imensa parte de nossa existência éramos nômades coletores e caçadores, até desenvolvermos a agricultura e a domesticação de animais, que permitiu que nos estabelecêssemos em locais específicos em agrupamentos maiores.
A expectativa de vida era curta, e assim o número que habitantes não ameaçava as demandas sobre os recursos naturais. Outro cálculo também com base em 24 horas, compara os últimos 500 anos. Percebe-se que quanto mais recente, mais rapidamente as mudanças ocorrem. Um bom exemplo é o crescimento populacional.
Com o avanço da medicina e de outros campos da ciência, as pessoas vivem cada vez mais, o que permitiu que a população mundial dobrasse em menos de 50 anos. Quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 1970, o Hino da Seleção cantava: "90 milhões em ação, Pra frente Brasil, Salve a Seleção!". Hoje em 2024, somos mais de 205 milhões de brasileiros.
O que são 50 anos quando comparados às eras planetárias? Nem um piscar de olhos, mas o impacto da explosão demográfica é imenso. São mais e mais recursos naturais retirados para diversos propósitos e mais e mais lixo e outras externalidades deixadas pelas pegadas humanas.
Essa forma de vida, centrada na humanidade passou a ser chamada de Antropoceno, primeira nomenclatura ditada por posturas humanas e não mais por fenômenos naturais. Ao se colocar no centro das decisões e demandas, o ser humano deixa de levar em conta a natureza com toda sua riqueza. Não percebe sua finitude, tratando-a como fonte inesgotável de recursos e o desequilíbrio tem sido cada vez mais desastroso.
Seria interessante trazer de volta Bacon e Descartes para que vissem a repercussão de seus pensamentos colocados em prática no mais alto estilo após alguns séculos. Inteligentes como eram, seus sonhos talvez se tornassem pesadelos e quem sabe quisessem promover um despertar coletivo? Os efeitos das práticas que defendiam ainda de tornaram mais graves com a aceleração da tecnologia, que muitas vezes é usada para fins que levam à insustentabilidade.
Alguns resultados desse modelo que não leva em conta a natureza como valor a ser protegido, são hoje evidenciados com os efeitos das mudanças climáticas, a exemplo de estiagens, enchentes, deslizamentos, perda de biodiversidade e degradação ambiental. E são as camadas menos favorecidas as mais afetadas pelas tragédias climáticas. São elas, em geral, que vivem em zonas de grande risco, por não terem recursos financeiros para se mudar e buscar melhores condições de vida.
Ou seja, nosso modelo civilizatório é cruel! O ser humano se colocou no centro das escolhas e esqueceu-se de levar consigo valores que poderiam amenizar os estragos que ele próprio vem causando. E são os seres humanos com poder de decisão os que mais têm como contribuir para mudanças justas e éticas que levem em conta todos e não apenas alguns.
Existem tendências de pensamento que defendem o Biocentrismo, cuja ideia central é a valorização da natureza em sua grandeza e complexidade. Defende o valor da existência de todos os seres vivos em detrimento do Antropocentrismo, que coloca o ser humano no centro. A ideia é bela, mas as decisões que determinam o destino planetário estão nas mãos dos seres humanos e não de outras espécies, o que dificulta que esses valores preponderem.
Existem, ainda, aqueles que nos lembram de nossa conexão com a natureza, como o recém-empossado na Academia de Letras, Ailton Krenak, quando afirma: “A gente só existe porque a Terra deixa a gente viver. Ela dá vida pra gente. Não tem outra coisa que dá vida. É por isso que a gente chama ela de Mãe Terra."
Krenak nos remete a um outro movimento que também tem sido defendido por pensadores que buscam conhecimentos ancestrais das populações que vivem em contato com o mundo natural: o Etnocentrismo. De fato, quem convive com populações indígenas, aborígenes ou até aquelas com princípios budistas (considerando o Budismo como filosofia e não religião), cuja ligação com a natureza é estreita, se transformam e se veem em caminhos sem volta.
Isso porque a civilização predominante, baseada no Antropocentrismo, deixa de fazer sentido quando há a percepção de nossa essência natureza. A vida passa a ser percebida com outra dimensão de respeito, celebração, admiração, aprendizado e humildade.
Seja qual “ismo” se escolha, nossa ligação com a natureza tem como ser um caminho de mudança profunda e é esse o fator que me atrai em todos os movimentos que colocam o ser humano em seu devido lugar.
Somos importantes sim, mas sem a natureza nada seremos. E, nossa sobrevivência nesse planeta depende desse despertar.
N.R.
Suzana Padua é presidente do Instituto IPE, uma das maiores instituições ecológicas do Brasil, premiada e reconhecida internacionalmente.
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