NON SENSE...
- Leo Viana
- 6 de jul.
- 4 min de leitura

O Araújo teve uma epifania ao completar 50 anos. Pra além daquela quase normal, que todo mundo tem ao perceber que está mais perto da morte que do nascimento, numa perspectiva otimista, já que a maioria parte antes dos 100, o Araujo descobriu, a seumodo, que ele vivera meio século de inconformismo, quase inadequação. E resolveu ir pra um canto pensar!!
Inicialmente, acreditava que acabara de superar um obstáculo dos maiores, considerando a profusão de possibilidades de morte acidental, as doenças ou males súbitos, a violência urbana, animais peçonhentos.
- Viver é uma dificuldade, refletiu sozinho enquanto fazia a barba de manhã e lembrava da quantidade de vezes que tinha se cortado naquelas lâminas. Um tétano simples poderia ter lhe abreviado a existência. Não que desejasse. Longe disso. Gostava demais da vida, apesar desse permanente fio da navalha, dessa linha tênue que separa o existir do deixar de existir.
Mas ainda não era isso. O que descobrira de repente é que não concordava com grande parte das coisas como elas eram e que vivera o tempo todo sem reclamar daquilo, sem protestar, fazendo cara de paisagem diante de absurdos do mundo, atrás de sua mesa no escritório, nos bares e restaurantes que frequentara, nas camas em que se deitara só ou acompanhado das mulheres com quem dividira amor, lençóis e fluidos ao longo dessa vida conformada.
Os questionamentos, as idiossincrasias, os paradoxos, as reflexões imprevistas vinham sem ordem de prioridade ou natureza. Borbotões de ideias desconexas, com lógica difusa.
Não se conformava com a desonestidade intelectual dos economistas e dirigentes, que insistem em empurrar modelos de desenvolvimento inexequíveis. Quem se desenvolveu depois do neoliberalismo de Thatcher e Reagan? Só o pessoal do petróleo, na base do estatismo religioso dos sheiks e seus prédios altos no deserto e o sudeste da Ásia, puxado pela China, com seus capitalismos estatais agressivos. O resto dos pobres continuou pobre, apesar das respiradas fora d’água que o Brasil deu algumas vezes (com governos de esquerda, sempre!) e os países ricos ficaram mais pobres, o que nem é ruim sob o ponto de vista da justiça social, mas implica em piora na qualidade de vida das classes médias e pobres neste paises. Ou seja, esse discursinho de “menos estado” é mentira!!
A revolta do Araújo não era só com a economia. De uma hora pra outra começou a achar estranho que o mar fosse salgado. Tanta água, mas indisponível pra consumo. Enquanto isso, grande parte da água doce tá congelada ou, pelo descaso da humanidade, está em rios que a gente não para de poluir. Situação insuportável!! E agora é preciso gastar uma grana terrível pra limpar a água pra beber.
E a cobra? Aquele tubo rastejante com uma boca na ponta é o mais eficiente dos predadores terrestres!! E a maior parte delas ainda tem o veneno, a peçonha, que mata a presa sem a necessidade de esforço físico. O projeto é muito bom, mas é um pouco injusto com os outros, como o guepardo, por exemplo, que corre feito um louco emuitas vezes falha miseravelmente.
As plantas. Algumas são de comer, outras não. Por que?? Não seria mais fácil se fossem todas comestíveis?? Não haveria fome e seria tudo muito mais simples. Na lógica do Araújo, a natureza nem sempre tem razão. E muitas vezes a humanidade ainda ajuda a complicar mais. O nabo, por exemplo, tava lá enterrado, de boa. Alguém resolveu comer e – pior – gostou!! Agora estamos condenados a conviver com o nabo.
– Muito errado isso, avalia, impaciente, o Araújo.
- E as religiões?
- Cada um que tenha a sua, filósofa o neopensador.
Mas, inesperadamente, ele que era um católico por conveniência, como grande parte dos brasileiros, frequentador de missas de sétimo dia, casamentos e batizados, no máximo, se viu portador de uma crítica que antes não tinha feito: quem estaria certo? E alguém deveria mesmo estar certo? A guerra fria entre as religiões faz algum sentido? Os grandes grupos monoteístas se detestam entre si, dentro de si (xiitas e sunitas, católicos e protestantes) e a todos os outros. Isso não faz o menor sentido. O coitado do Araújo sofria cada vez mais. Parecia ter atingido um tipo de maioridade que ele não esperava.
Tinha sonhado, em algum momento, com um passeio pelos Estados Unidos. Foi à Disney no tempo das excursões da Vovó Stella Barros. Adulto, pensava mais em Nova Orleans, NY, São Francisco, Grand Canyon. Mas, contrariando qualquer razoabilidade, a ascensão repetida do topetudo fez atrasar ainda mais o projeto. A procrastinação já durava uns 25 anos e parecia não ter fim. A cara de latino e a falta de domínio do inglês – a perfeita definição do Araújo - são mortais neste tempo de perseguição aos imigrantes. E isso exatamente no país que exterminou sua população nativa e foi construído como potência por imigrantes. O mundo é um paradoxo só!!
A indústria da guerra é das mais lucrativas! Vende a morte, o medo e lucra monstruosamente com isso, fazendo a alegria de acionistas e CEO’s mundo afora!!
Ainda estava mergulhado nas reflexões intempestivas quando pelo meio da tarde, aFilipa, portuguesa por quem se apaixonara havia já quase uma década e que nunca tinha visto o Araujo assim tão circunspecto e meditabundo, veio lembrar que estavam em festa e que seus amigos o estavam chamando pro brinde e pra cortar o bolo. A reuniãozinha tinha sido pensada pela Filipa pra um petit comité, mas em seguida iriampra uma roda de samba, onde o Araujo inclusive prometera mostrar que as aulas de pandeiro tinham dado resultado.
Beijou a Filipa, foi ao encontro dos amigos, bebeu a cerveja (uma das melhores coisas do mundo, mas é amarga, outra contradição...), cortou o bolo, abraçou a turma toda e partiram pro samba.
O samba, dizia Vinícius, é a tristeza que balança, lembrou em silêncio.
- Ainda bem, pensou alto o Araújo.
Rio de Janeiro, julho de 2025.
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