Janelas abertas para outras janelas

Um dia alguém escreveu que quando pegava o jornal – naquela rotina da leitura diária nos tempos dos impressos – começava pela crônica. A crônica era a janela de acesso ao periódico, para depois ele chegar à matéria de capa e demais assuntos. Não lembro quem escreveu, mas por muito tempo usei de iniciar a leitura dos jornais pelos cronistas de plantão, e nem me sentia culpado, como único despreocupado do país. Alguém que privilegiava o prazer da leitura em detrimento das informações imediatas do cotidiano.
A verdade é que sempre adorei crônicas. E diga-se, meu contato inicial com o gênero aconteceu de forma auditiva e não pelas linhas impressas. O rádio lá em casa era soberano, vivia ligado o dia inteiro e durante um bom tempo, eu me deliciei ouvindo as crônicas interpretadas por Cesar Ladeira, na Rádio Nacional. Foi daí que me encantei com essa forma menor de literatura, como alguns definem.
Meu primeiro texto num jornal, não foi uma reportagem. Foi uma crônica. Só um tempo depois vesti o traje de jornalista, mas a crônica esteve sempre presente. E aquela imagem da janela como entrada no periódico forjou em mim uma outra imagem. Eu costumo abrir a janela do meu interior para que algo, aleatoriamente, entre e semeie o que será a crônica. E me deixo levar pela brisa ou por um bater de asas que entre janela adentro.
Outro dia, zapeando o youtube em busca de música boa, deparei com um disco do Aldir Blanc e parei para ouvir Me dá a penúltima, dele com o parceiro maior, João Bosco. Mais uma delícia da lavra do genial cronista, letrista, poeta. Naquele atmosfera de botequim. E no disco, ele mesmo interpreta suas crias. Os primeiros versos da canção me remeteram aos tempos de juventude. “Eu gosto quando alvorece / Porque parece que está anoitecendo / E gosto quando anoitece, que só vendo / Porque penso que alvorece”,
Viajei rapidamete para um fim de tarde de sábado, com amigos numa mesa de bar em Nova Iguaçu. Eram aqueles tempos nos quais, nós, imortais, varávamos noites e emendávamos no outro dia, sem ir em casa. O inexpugnável imã das ruas. E ali na mesa, na cura da ressaca com o remédio habitual, deu-se a cena pândega, quando meu amigo/irmão, Jupiassu, de repente passou a se autoencriminar: “Pô, já está amanhecendo outra vez e eu nem fui em casa”. Alguém tentou corrigir dizendo que era o anoitecer de sábado e não já o amanhecer do domingo. Mas ele convicto do exagerado tempo na rua, retrucou: “Você acha que eu não sei distinguir o crepúsculo do alvorecer?”. Foi uma gargalhada geral na mesa. Claro que ele acabou convecido, mas o caso virou um clássico nas rodas de coversa e boemia.
O protagonista em questão era um amigo de infância. Bem antes da era da esbórnia. Depois, na adolescêcia e juvetude fizemos o que se chamava ‘científico’, no mesmo colégio municipal, o Monteiro Lobato. Ele passava em minha casa cedo, eu ainda acordando e ele dava o ânimo que faltava para eu me vestir, tomar café e seguirmos para o ponto de ônibus e assim, chegarmor no Monteiro, antes que os portões se fechassem. E ele sempre com o uniforme impecável, a camisa muito branca e bem passada e a calça azul marinho, vincada.
Lembro que enquanto esperávamos o ônibus, ele catarolava A whiter Shade of Pale, grande sucesso de um grupo inglês de rock, o Procol Harum que tinha muito cartaz na época. Meu amigo adorava a canção. Que é bonita, mesmo. E lá se foram, infâcia, adolescência, juventude. Ele entrou para a faculdade de Engenharia Elétrica, sonho que alimentava desde cedo. Eu fui para a graduação em Administração de Empresas, o que de muito pouco me valeu até agora.
O tempo passou, eu empinei a carreira de jornalista e sabe-se lá porque o destino cisma em nos surpreeder, fui parar no Sul do Estado. Não vejo meu amigo/irmão Jupiassu há alguns anos. Até porque das vezes que voltei à Baixada não o encontrei. Soube que ele tivera um problema sério, mas muito pouco explicado pelos demais compaheiros. Depois fui saber que sofrera um AVC, e que estaria entrevado numa cadeira de rodas, morando com sua segunda mulher, (estava viúvo), em local não sabido. Muitas saudades dele.
Saudades do seu bom humor, das feições de anjo barroco, os cabelos encaracolados e pretíssimos, da pele bem morena - era neto de indígenas. Um sujeito querido de todos. Foi também meu professor particular, informal, de matemática e, muito me ajudou no colégio. Ainda vejo seus olhos luzindo quando arriscava aquela canção no ponto do ônibus.
Parece que ainda hoje estou esperando a condução para a escola e com A Whiter Shade of Pale, reverberando suave nos ouvidos. Perdão Mestre Aldir, agora vou procurar o Procol Harum no YouTube. Abraço!
Economia Criativa e a Cedro Rosa Digital
A Economia Criativa é responsável por 3,11% do PIB brasileiro, de acordo com um estudo recente publicado pelo Itaú Cultural. Esse setor gera milhares de empregos e milhões em renda, sendo considerado estratégico no mundo no conceito de soft power.
Escute Dança da Porta-Bandeira, de Evandro Lima e Lais Amaral Jr. Repertório Cedro Rosa!
A Cedro Rosa Digital tem contribuído significativamente para esse cenário, com a produção de discos e filmes históricos, como o projeto "+40 Anos do Clube do Samba" e a minissérie "História da Música Brasileira na Era das Gravações".
Além disso, representa criadores de grande importância, como Donga, autor do primeiro samba gravado no Brasil, e Mário Lago, um renomado ator e compositor. A plataforma da Cedro Rosa Digital também certifica obras e gravações internacionais, gerando direitos autorais para milhares de criadores independentes ao redor do mundo, consolidando-se como uma ferramenta de inovação e valorização da cultura global.
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