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Inteligência Artificial e Direito Autoral

Fundação Getúlio Vargas 

Escola de Direito do Rio de Janeiro

 

João Cândido Villar Medeiros Damasceno

Manuela Paes Leão

 

 

João Cândido Villar Medeiros Damasceno
João Cândido Villar Medeiros Damasceno

 

Manuela Paes Leão
Manuela Paes Leão

Trabalho referente à terceira pesquisa elaborada no primeiro semestre de 2025 apresentada à liga da Escola de Direito do Rio de Janeiro, Legal Tech League.

Área de concentração: Direito Digital, Direito Autoral e Inteligência Artificial 

 

Professor Orientador: Lucas Thevenard Gomes

21/06/2025

1. Introdução

 

O direito autoral no Brasil é regulado pela lei de direitos autorais (LDA) (Lei nº 9610/1998) e por tratados internacionais ratificados. Obras protegidas são listadas exemplificativamente no art. 7° da Lei 9.610. Para a proteção de uma obra intelectual, ela tem que ser criada por uma pessoa humana, ter autoria, ter sido exteriorizada, não ser exceção presente no art. 8° da Lei 9.610, ser original e ser de natureza estética. 


1. 1. Da originalidade

Com o interesse de promover o desenvolvimento, incentivando o exercício da criatividade, a LDA protege apenas obras com suficiente originalidade. A obra deve ser criada a partir da criatividade de seus autores. A inspiração é apenas característica de obras humanas. Pessoas sempre se inspiram no que conhecem, assim não impossibilitando uma obra inspirada de ser protegida. Seguindo lógica gradual de originalidade, em que nada é completamente original, deve-se observar a distinguibilidade da obra. 


1. 2. Da natureza estética

A natureza estética da obra intelectual se refere ao propósito não utilitário da forma. Não se trata de avaliar se a forma é bonita ou não. Avaliar a beleza poderia se tornar um meio de censura, logo existe o princípio da neutralidade estética. 


1. 3. Da proteção 

A proteção de que gozam as obras intelectuais, regulada pela LDA, independe de registro, conforme artigo 18 da Lei 9.610. O conteúdo não é protegido pela LDA, mas a forma da obra intelectual. 


Se tratando de obra intelectual protegida pela LDA, o titular goza de direitos patrimoniais da obra. Estes direitos decorrem da utilização econômica da obra intelectual e da sua comunicação pública. É direito exclusivo do titular “utilizar, fruir e dispor da obra” (art. 28, Lei 9.610). Não pode terceiro, com o objetivo de se aproveitar da boa reputação da coleção do titular, fazer obra de forma tão parecida e/ou com título idêntico sem autorização da titular dos direitos autorais (art. 29, Lei 9.610).


Permitir similaridades valoraria insignificativamente o esforço do titular para criar uma obra que demonstrou novidade estética.

 

2. Casos 

 

2.1. Caso Studio Ghibli 

Midjourney, DALL-E e Stable Diffusion são inteligências artificiais que foram capazes de reproduzir fielmente o estilo visual do Studio Ghibli, um dos estúdios de animação mais influentes mundialmente. Elementos característicos das obras animadas – a forma da execução do conteúdo animado – foram replicadas em larga escala por usuários dessas plataformas, insinuando a utilização de obras intelectuais sem a permissão do detentor dos direitos autorais sobre a obra do estúdio, como a extração de dados dessas obras para treinamento para Inteligências Artificiais (IAs). 


As produções do estúdio são desenhos animados, obras intelectuais originais e estéticas protegidas pela LDA. São obras audiovisuais (art. 7°, VI, LDA) mas, ao mesmo tempo, compostas por desenhos (art. 7°, VIII, LDA). Diferentemente de filmes, em que a autoria é do diretor com co-autoria apenas do roteirista e possivelmente de um compositor, nos desenhos animados, como o do Studio Ghibli, além desses citados, os artistas/animadores também tem coautoria. Salvo convenção em contrário, os direitos patrimoniais da obra são dos autores e co-autores (art. 23, LDA).


Hayao Miyasaki, co-fundador do Studio Ghibli, criticou publicamente o uso de IA na arte, esclarecendo se tratar de “insulto à própria vida”. No Brasil, essa manifestação pode ser interpretada como defesa dos direitos morais do autor, especialmente o direito de integridade (art. 24, IV, LDA), que permite ao criador se opor a modificações ou práticas que prejudiquem sua honra ou reputação. A geração de imagens que repetem a forma criativa sem contexto ético ou participação artística do autor, não se tratando de paródias e paráfrases (art. 47, LDA), pode configurar violação deste direito.


2.2. Caso Zaha Hadid Architects

No campo da arquitetura, o escritório Zaha Hadid Architects tornou-se referência global por seus projetos inovadores e formas escultóricas. As imagens de suas construções passaram a ser largamente utilizadas no treinamento de IAs voltadas à geração de conceitos arquitetônicos. Ocorre que essas imagens, muitas vezes captadas por fotógrafos terceiros, foram inseridas em datasets sem qualquer controle de titularidade ou consentimento.


Neste caso, haveria potencialmente uma violação do projeto de arquitetura (art. 7°, X, LDA) e das obras fotográficas dos projetos (art. 7°, VII, LDA), principalmente as sem fins lucrativos. Claro que ao ser incluída uma obra arquitetônica como paisagem, prevalece a autoria do fotógrafo, uma vez que o projeto arquitetônico não é o objeto principal da fotografia, mesmo esta tendo fins comerciais. 


Especificamente sobre as obras arquitetônicas, para a utilização relevante para lei de direitos autorais independeria de permissão do dono da casa, sendo apenas permitida com autorização do dono dos direitos patrimoniais da obra. Isso se justifica pelo art. 37, LDA  e trechos da doutrina:  “[...] obra de arquitetura não é a construção na sua materialidade, mas a realidade incorpórea, encarnada ou não na construção. [...] No que respeita à obra de arquitetura, ela concretiza-se com a construção. Mas já existe antes desta, no estado do projeto.” Logo, a venda da materialização da obra não transmite ao adquirente os direitos autorais da obra. 


Ao contrário do Stúdio Ghibli, Zaha Haddid Architects (ZHA) incentivaram seus arquitetos a utilizarem IAs para criarem novas estruturas. Tim Fu era um arquiteto da empresa e se especializou em pesquisas sobre design algorítmico e IA no grupo ‘ZHACODE’. Em entrevista diz que seria distópico um mundo que apenas Frank Gehry pudesse fazer designs com estilo de Frank Gehry ou apenas ZHA pudesse construir com o estilo da Zaha Haddid. Por outro lado apontou controverso a utilização de imagens como dados de treinamento sem permissão, mas esclareceu poder se equiparar à situação com um fotógrafo que não precisa de permissão de todos autores de obras arquitetônicas para fotografar uma cidade. 

 

3. Da possível violação da proteção do direito autoral pela Inteligência Artificial

 

O modelo computacional de Redes Neurais Artificiais (RNAs) (Neural network/Deep Learning Algorithm) de Inteligências Artificiais (IAs) é inspirado na função e lógica do cérebro humano. Para sua criação é criado um código que analisa dados de treinamento a fim de alcançar o aprendizado de tarefas complexas como geração de texto ou imagens. A partir dos dados de treinamento, que são rotulados por humanos e transformados em vetores pela programação, a IA altera parâmetros internos no que chamamos de caixa preta (Black Box) para reduzir erros. Por meio de validação por teste a IA passa a executar a tarefa programada. Ao final, não é possível compreender o que significam os valores na Black Box.


O resultado de RNAs dependem então diretamente do banco de dados que foi utilizado para o treinamento da IA. O que define os pesos de cada vetor (ou o que seria para humanos a importância da conexão entre neurônios) e vieses são os dados de treinamento. IAs atuais são treinadas em todos os dados possíveis, havendo rumores de já terem utilizado todos os dados da internet, mas, este resultado seria impossível com autorização de todos os detentores de direito sobre obras protegidas pelo Direito Autoral.


Apesar de avanços tecnológicos, a LDA é lei válida para proteção de obras intelectuais determinadas (art. 7°, LDA). Porém, o contínuo desrespeito ao direito autoral até o momento cria insegurança jurídica aos titulares de direitos de obras. O avanço tecnológico acelerado ainda não permitiu que decisões judiciais fossem tomadas em casos como o New York Times vs OpenAI ou Disney vs Midjourney. 


A proposta legislativa mais relevante é o PL 2338/2023, que visa estabelecer o Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil. No entanto, o texto atual do projeto trata da responsabilização e do uso ético da IA, mas não aborda de forma expressa o uso de obras protegidas como dados de treinamento.

 

4. Opiniões


4.1. João Cândido Villar Medeiros Damasceno

Entendo que não se pode utilizar obras intelectuais sem permissão, independentemente da modalidade estar descrita nos incisos do art. 29 da LDA pois o rol é exemplificativo (art. 29, X, LDA) e o caput faz referência a “quaisquer modalidades”. Esta posição é também amparada em um dos fundamentos da proteção: o interesse público em promover o exercício da imaginação estética humana. As restrições temporárias são recompensas à criação do autor, assim estimulando a criatividade. A modalidade de “pessoa utilizar obra intelectual para treinar função de um programa” não precisa de dispositivo expresso.


Para construir IAs com modelo computacional de RNA cabe receber autorização dos detentores dos direitos patrimoniais das respectivas obras intelectuais, caso estas sejam utilizadas como dados de treinamento. IAs não são humanos, portanto são incapazes de inspiração ou criatividade. Estas características, mesmo se fossem consideradas, não seriam protegidas porque só são autores as pessoas físicas (art. 11, LDA) e não há interesse público ou político que defenda proteção da suposta criatividade de um ser não humano. Exemplo disso seria o caso Naruto et al. v. David Slater em que um macaco tirou uma selfie e jurisdições estadunidenses e europeias reconheceram a inelegibilidade da foto para fim de direitos autorais. Conforme critério criado pela corte de justiça europeia no caso Infopaq International S/A v. Danske Dagblades Forening: para proteção de uma obra ela deve ser  “criação intelectual do próprio autor” definindo que o autor tem que ser consciente das escolhas criativas tomadas. 


Noto que caso um humano altere substancialmente um produto de IA, ele ganhará direito autoral sobre a obra modificada. Neste caso, não é a imagem inicial que ganharia proteção, mas as alterações criativas do humano, com o resultado da IA ainda podendo ser livremente utilizado, sem restrições, pelo público.


Além dos programadores de RNAs estarem utilizando obras intelectuais para oferecer um produto pago, lucrando com obras de outros, o modelo computacional utiliza integralmente obras com o objetivo de reproduzir sua forma. Isto configura violação dos direitos patrimoniais e morais do autor (não podendo ser aplicado art. 46, VIII, LDA). Logo, o autor pode exigir reparação como a indenização e a suspensão da divulgação de conteúdo (art. 102, LDA).

O problema atualmente seria provar que as obras foram utilizadas como dados de treinamento - porque não é revelado em que dados a IA foi criada, por ser considerado segredo comercial. Para tanto, legislação específica é necessária para garantir um meio de descobrir se uma obra protegida pela LDA está contida nos dados de treinamento. 


4.2 Manuela Paes Leão 

As obras intelectuais utilizadas como dados de treinamento para modelos de inteligência artificial são, sem dúvida, protegidas pela Lei de Direitos Autorais. No entanto, o uso dessas obras para treinamento de IA revela uma situação que não se enquadra com precisão nas hipóteses tradicionais de exploração econômica previstas no art. 29 da LDA. Não se trata de reprodução, nem de comunicação pública, distribuição ou qualquer das modalidades expressamente previstas, ainda que o resultado gerado seja, de algum modo, reflexo da análise das obras protegidas.


O modelo computacional não faz cópias idênticas, mas se apropria de padrões, estilos, estruturas e elementos presentes nas obras, utilizando-os como referência na geração de novos conteúdos. Este processo é comparável, tecnicamente, a uma forma de inspiração; ainda que essa “inspiração” não tenha a dimensão subjetiva, intuitiva e consciente própria da criação humana. O conteúdo resultante é distinguível, mas inequivocamente influenciado pelo conjunto de obras protegidas usadas no treinamento.

Por outro lado, a LDA, estruturada para regular relações centradas na autoria humana, não oferece resposta adequada para lidar com os efeitos jurídicos desse tipo de uso. A lei não reconhece como obra protegida aquilo que não é produzido por uma pessoa física (art. 11), e também não regula expressamente se utilizar uma obra protegida como insumo para treinamento algorítmico configura, ou não, uma modalidade autônoma de exploração econômica.


Portanto, o que se identifica aqui não é ausência de proteção das obras - que permanece plena - mas sim uma lacuna normativa quanto à qualificação jurídica do ato de utilizar obras protegidas como dados para treinamento de IA. A ausência de previsão específica gera insegurança tanto para os titulares de direitos quanto para desenvolvedores e usuários desses sistemas. Essa zona cinzenta aponta para a urgência de um tratamento legislativo próprio, capaz de enfrentar os desafios colocados pela inteligência artificial generativa no âmbito da propriedade intelectual.


Referências:

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. 2ª Edição. 1997. Rio de Janeiro. p. 416.

AFONSO, Otávio. Direito Autoral: Conceitos Essenciais. Barueri: Manole, 2009. E-book. p.39. ISBN 9788520442791. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788520442791/. Acesso em: 11 out. 2024.

BBC News Brasil. Hayao Miyazaki critica inteligência artificial: 'É um insulto à vida'. BBC, 28 dez. 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-38452094. Acesso em: 13 maio 2025.

BRASIL. Lei de Direitos Autorais. 19 de fevereiro de 1998 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9610.htm. Acesso em: 11 out. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 20 fev. 1998.

BRASIL. Projeto de Lei nº 2.338, de 2023. Dispõe sobre o uso da inteligência artificial no Brasil. Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/159179. Acesso em: 13 maio 2025.

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FALCÃO, Joaquim. Direito Autoral e a Internet: desafios da sociedade em rede. Rio de Janeiro: FGV, 2006.

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LOPES, Marcelo Frullani. O STJ e a questão da proteção autoral de obras arquitetônicas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-mar-01/marcelo-lopes-questao-protecao-autoral-obras-arquitetonicas/#:~:text=Portanto%2C%20na%20maior%20parte%20dos,22%20de%20fevereiro%20de%202017. Acesso em: 21 mai. 2025.

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SANTOS, Manoel J. Pereira dos; JABUS, Wilson P.; ASCENSÃO, José de O. Direito autoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2020. E-book. p.14. ISBN 9786555591521. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786555591521/. Acesso em: 22 mai. 2025.

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WILLIAM, Fischer. THEORIES OF INTELLECTUAL PROPERTY. Cambridge, 2001. p. 1. In: https://cyber.harvard.edu/people/tfisher/iptheory.pdf Acesso em 11 out. 2024.

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Inteligência Artificial, Música e Ética: Um Debate Urgente

A Inteligência Artificial já compõe músicas, escreve roteiros, faz edição de vídeo e gera imagens. A fronteira entre criatividade humana e algoritmo nunca foi tão difusa. O problema é: quem é o dono da obra? Como garantir que músicos e compositores não sejam atropelados por modelos que usam suas obras sem consentimento?

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