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Domingo Pé de Cachimbo

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Domingo me lembra mesa posta na varanda. Chega pra lá e pra cá de cadeiras na busca ou na fuga dos raios de sol, dependendo da estação do ano.


Também a chegada nossa dos morros verdejantes e inocentes dos anos sessenta. Quase sempre com o pai, que às vezes levava um carrinho de mão, objeto de disputa enquanto vazio na ida, porque eu e meus dois irmãos queríamos, cada qual, fazer as melhores manobras e ser motorista por mais tempo.


Na volta para casa, ao contrário, exaustos da caminhada, ninguém queria empurrar o trambolho, agora carregado de jaca, mangas, cana de açúcar cortada em pedaços com três palmos cada, goiabas ou até, com muita sorte, deliciosos coquinhos de catarro, achados no mato ou nas beiras de caminho perto do brejo.


Meu pai andava sempre com um belo facão de aço – como bom metalúrgico sabia fabricar suas próprias ferramentas – com cabo de madeira baraúna e uma espécie de empunhadura de borracha rígida presa por parafusos invisíveis. Servia para os mais diversos fins. Eu nem imaginava que anos depois tal objeto ajudaria a me salvar a vida mais de uma vez.


Ninguém podia tocar no facão, a não ser explicitamente autorizado pelo dono, o que era mais raro do que achar gavião no ninho. Então cada qual levava escondida a sua própria lâmina para qualquer eventualidade. Além disso, um cantil militar, presente de um vizinho cabo da Aeronáutica, que saía cheio de água do filtro de barro, servia a todos e voltava com um resto de poço, rio, torneira, qualquer água que se achasse no caminho.


Domingo me lembra a gente chegando já no meio da tarde. Mãe falando pensei que não vinham mais para o almoço. Vão se lavar vão, ninguém entra sujo nessa casa. Se calor, e pelo que lembro, era sempre calor, o banho era no quintal mesmo, banho de borracha, como se dizia.


Água refrescante saía da mangueira amarela acoplada a um cano que vinha direto da caixa d’água no telhado, sem passar por dentro de casa, garantia de que o precioso líquido se derramasse quase gelado sobre nossas peles queimadas e úmidas de suor.

Domingo me lembra almoço em família: refresco de amoras tiradas do pé, sobremesa de compota de goiaba, conversas e risos. Cheiro de alho dourado, de feijão, angu, couve e frango na panela.


O tempo passou. Não tanto quanto até agora. Talvez tenha passado só um pouco. Mesmo assim tudo havia mudado. O brejo foi aterrado. Não se achavam mais jaqueiras na beira da estrada. Ninguém mais sabia o que era um coquinho de catarro.


E a nostalgia tomou conta dos fins de tarde de domingo. O jovem magrelo e sonhador já não tinha tempo para longos almoços. Corria para a faculdade, corria para a redação da revista no centro da cidade, corria para seus sonhos. Corria. Sem saber que um dia seus olhos se estenderiam pelas frestas do tempo para observarem com um misto de curiosidade e tristezas as lembranças em meio à fumaça esbranquiçada. Domingos que jamais se repetiriam.


Jorge Cardozo

Direitos Autorais: A Batalha Invisível dos Criadores


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