Contra o negacionismo, 24 entidades ambientais pedem a retirada do projeto que extingue carreira de pesquisador científico de São Paulo
- Redação
- 7 de jun.
- 4 min de leitura

APqC diz que extinção da atual carreira de pesquisador fragiliza defesa de fazendas experimentais, ameaçadas de venda pelo governo do estado
O movimento ambiental, representado por 24 entidades, se posicionou contra o projeto de lei que extingue a carreira de pesquisador científico no estado de São Paulo. O texto foi enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia Legislativa (Alesp) em regime de urgência. A mobilização ocorreu durante audiência pública, ontem (29), convocada pelo deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL).
“A ciência, para o movimento ambiental, é condição imprescindível. Estamos aqui para manifestar apoio do movimento ambiental a esta causa”, afirmou Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).
Outras entidades já haviam se posicionado contra a proposta do governo, como a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, o Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Sindicado dos Trabalhadores em Pesquisa, Ciência e Tecnologia de São Paulo (SINTPq).
“Um processo negacionista da ciência, passando a boiada sobre os institutos de pesquisa, pesquisadores, tentando desmantelar todo arcabouço de pesquisa científica construído pelo poder público do nosso estado ao longo das últimas décadas”, apontou Adriana Abelhão, do Preservar Ambiental.
Se o projeto for aprovado, além de extinguir a atual carreira, o Regime de Tempo Integral deixa de existir e o trabalho do pesquisador passa a ficar restrito a 40 horas semanais, o que inviabiliza a pesquisa. Muda também a composição da Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI) - que faz a gestão da carreira e é formada por pesquisadores especialistas nas áreas de meio ambiente, saúde e agricultura, eleitos pelos pares, além de uma indicação do governo. A proposta altera ainda a forma de remuneração, de salário para subsídio, eliminando direitos adquiridos por tempo de serviço.
“É um projeto de lei nefasto para os institutos públicos, destrói a carreira de pesquisador e, em consequência disso, é muito ruim para a sociedade, que perde instituições que lhe são preciosas”, afirmou Dra. Helena Dutra Lutgens, presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), durante a audiência pública.
Playlist de músicas sobre ecologia, na Spotify / Cedro Rosa.
Áreas experimentais em risco
Para a presidente da entidade, a extinção da carreira de pesquisador científico, que completa 50 anos neste ano, é uma forma de fragilizar a defesa das fazendas experimentais da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA).
“É muito mais fácil vender áreas de experimentação se a carreira do pesquisador científico for enfraquecida, for esvaziada, porque a massa crítica vai ser dissipada", disse.
Pela lista apresentada pelo governo de São Paulo, 35 áreas de pesquisa seriam vendidas. O anúncio gerou mobilização de entidades científicas, pesquisadores e setores da sociedade civil. Após uma ação da APqC, o Tribunal de Justiça (TJ-SP) determinou que o governo apresente estudos econômicos e plano de ação sobre pesquisas realizadas nas áreas que forem vendidas.
“Ao transferir uma pesquisa de lugar, como no caso do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), onde está o maior banco de germoplasma de café do mundo, vai aniquilar o patrimônio genético do café. No caso de São Roque, que toda área seria alienada, a pesquisa deixaria de existir, porque os estudos feitos ali dependem daquele clima e daquela característica de solo presente na fazenda experimental”, reforçou Helena Goldman, advogada da APqC.
As áreas que o governo quer vender estão espalhadas pelo estado, nos municípios de Campinas, Cananéia, Dois Córregos, Gália, Iguape, Itapetininga, Itararé, Jaú, Jundiaí, Mococa, Monte Alegre do Sul, Nova Odessa, Palmital, Peruíbe, Pindamonhangaba, Piracicaba, Pirassununga, Registro, Ribeirão Preto, São Roque, Sertãozinho, Tatuí, Tietê e Ubatuba. Todas pertencem aos Institutos Biológico, Agronômico de Campinas (IAC), de Pesca, de Zootecnia (IZ) e da APTA Regional, subordinados à SAA, de onde partiu o projeto que quer extinguir a atual carreira de pesquisador.
“Os governos passam, mas os seus atos ficam. Então, deputados, nos escute, breque esta maldade”, afirmou Paulo Nobre, climatologista, que citou os impactos dos danos ambientais para a produção de alimentos. “A umidade relativa do ar sobre os continentes vem diminuindo nos últimos 40 anos. Isso significa colocar os sistemas produtivos, a agricultura, sob estresse. Como as plantas estão tendo que evaporar muito devido ao aquecimento, os sistemas produtivos se tornam débeis, o que impacta na capacidade de geração de alimentos”.
Pesquisador aposentado, Carlos Jorge Rosseto criticou duramente o projeto, citando trecho que proíbe o pesquisador de prestar serviços para empresas que se relacionem com suas linhas de atuação.
“Fui pesquisador na área de agricultura, trabalhei com soja, manga, vi o pessoal trabalhando com café, sempre prestei serviço aos agricultores, me orgulho de dizer isso. Leio este artigo, eu acho que ele está proibindo isso que eu fiz e não é possível fazer pesquisa agronômica sem prestar serviço ao agricultor”, afirmou.
Link Abaixo-assinado: Abaixo assinado: https://www.change.org/apqc-abaixo-assinado
Link audiência pública: https://www.youtube.com/live/2dMMIP-eTUY
Sobre a APqC
Fundada em 1977, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) representa servidores de 16 Institutos Públicos de Pesquisa do Estado, nas áreas de Meio Ambiente, Agricultura e Saúde. Além de incentivar o desenvolvimento da ciência, como instrumento de transformação socioambiental do Estado de São Paulo, a entidade tem como missão estabelecida em seu estatuto a defesa dos institutos e da carreira de pesquisador científico, criada em 1975, além do patrimônio público ligado à pesquisa, incluindo prédios históricos e fazendas experimentais. A entidade defende a recriação dos Institutos Florestal, de Botânica, Geológico e da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), extintos em 2020*.
Os pesquisadores representados pela APqC atuam nos institutos:
Meio Ambiente: Instituto Florestal*, Instituto de Botânica*, Instituto Geológico* (Integram a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, infraestrutura e logística).
Agricultura: APTA Regional, Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Instituto Biológico, Instituto de Economia Agrícola (IEA), Instituto de Pesca, Instituto de Tecnologia de Alimentos, Instituto de Zootecnia (Integram a Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento).
Saúde: Instituto Adolfo Lutz, Instituto Butantan, Instituto Dante Pazzaneze de Cardiologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Instituto Pasteur, Instituto da Saúde, SUCEN*, Laboratório de Investigação Médica-LIM HC-USP (Integram a Secretaria de Estado da Saúde).
Comentários