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BOTEQUIM



O couro comia na roda. O sete cordas aplicava moldura dourada nos desenhos que o cavaco fazia e a percussão educada tornava o som quase sólido. As vozes entregavam as letras que diziam exatamente o que se queria ouvir naquela hora, crônicas de uma existência dividida entre prazeres e dissabores, balanceada entre subidas e descidas, forçadas ou estratégicas.


- “Quando começou era diferente...”


E como era... Contextualizado ou isolado, o verso inicial de “Pura Semente”, samba de Arlindo Cruz e Acyr Marques, imortalizado pelo Marquinhos Satã, calava profundamente no coração de quem ouvia. E o Nelsinho ouvia. E cantava. E chorava. E se comovia. Afinal, tudo era diferente no início.


- “Os tempos idos, nunca esquecidos, trazem saudades ao recordar...”


Cartola e Carlos Cachaça pareciam ter escrito sob medida o clássico “Tempos Idos”. Sob medida pro Nelsinho, que sentia saudades até de si mesmo. Se perdia escutando cada samba como se não houvesse amanhã. Tempos idos mesmo. E os melhores tempos, esses então, idos havia tão pouco...


- “A minha dor merece mais consideração...”


Aos primeiros acordes, o Nelsinho desabou. Mauro Duarte, Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro pareciam estar ali, diante dele, dizendo o que ele queria e precisava ouvir. Tinha sofrido muito. Dor de amor, dor de projeto interrompido, dor de emprego perdido, dor de dinheiro pouco. “Mas contra a dor que me entristece, o meu sorriso prevalece!” Era assim que levava a vida. E “Mais Consideração” era quase a trilha sonora de sua vida. Ao menos o tema de abertura.


A roda, eclética, continuava. Revezavam-se instrumentos e instrumentistas, cantores e cantoras, mas o clima continuava maravilhoso e, para o Nelsinho, como uma viagem por tempos e experiências.


- “Nosso amor que eu não esqueço e que teve o seu começo numa festa de São João...”

Parecia sacanagem com ele. Como esquecer as noites frias de junho nas quadrilhas de subúrbio, onde conheceu a Judite? Ao som de Luiz Gonzaga, excepcionalmente sem samba, vivera a mais forte paixão da vida. E Noel Rosa agora vinha lembrar...


- “A Rita levou meu sorriso...”


Porra! Passou do ponto. A Rita, aquela sacana, tinha mesmo levado parte do sorriso e da vida do Nelsinho. E o moleque Chico Buarque parecia ter previsto tudo nos anos 60. E, pior, o pessoal da roda pisava no coração dele agora ao trazer a memória dela de volta.

Cerveja vai, cerveja vem, cerveja desce. Nelsinho foi se isolando em seus pensamentos. A felicidade que sentia ouvindo aquelas músicas era maior que qualquer sentimento de agonia ou tristeza que a lembrança contida nelas pudesse evocar. Era um culto à melhor música brasileira, uma epifania de criadores geniais, uma experiência sobrenatural.


- “ A vizinha quando passa com seu vestido grená...”


Quantas vizinhas lindas, quantos amores de adolescente não correspondidos, acompanhados por trás de muros e cercas?? Será que o Caymmi viu? Não imaginava o baianão observando as peripécias de um moleque de subúrbio pra se inspirar e escrever “A vizinha do lado”.


- “Costurou na boca do sapo um resto de angu...”


O verso do Aldir Blanc, com a melodia malandra do João Bosco, chegou arrebatando o Nelsinho, coitado. Cada vez que saía de um amor, ouvia de alguém que podia ser trabalho feito. “Boca de sapo”, como no samba. Resistira, mas tinha virado “varapau” mais de uma vez. Ficou branco feito o Honorato, que nem cal. Murcho feito o sapo no quintal. Que estranha sintonia era aquela que fazia cada verso e melodia baterem mais forte que um cruzado do Mike Tyson?


Frequentava rodas de samba havia tempos. Emocionava-se seguidamente, mas nunca daquele jeito. Podia ser um sinal dos tempos, a idade avisando que o tempo podia estar acabando. O prenúncio do fim pode emocionar. Ninguém sabe dizer com certeza, mas muita gente supõe.


- “Trama em segredo seus planos...”


Coração Leviano!! Obra prima do Paulinho da Viola. Acostumara-se a associar a letra ao seu próprio coração. Não havia outro mais indócil, independente, quase agressivo. Leviano até quando, ao falhar, não deu qualquer aviso. E foram pontes, medicamentos e a cardiopatia que o acompanhava aos cardiologistas com frequência.


Tinha os olhos fortemente vermelhos, daqueles que a polícia costuma parar pra averiguação, mas era choro contido. Era coração partido, era partido alto, era samba de roda. Era estar na hora certa e no local exato.


- “Brasil, meu nego, deixa eu te contar a história que a história não conta...”


Fechou os olhos, pra ouvir como oração. O Brasil tinha se tornado um lugar hostil. E apesar dos ganhos recentes, tinha gente ainda querendo voltar a um passado sombrio, contando pra isso com a ajuda de uma história que, contada pelos “vencedores”, omitia a importância de tantos personagens fundamentais pra construção da identidade de todos. Manu, Máximo e os parceiros disseram tudo no samba da Mangueira de 2019. Ouvira muito, amara desde a primeira audição, mas nunca reflexivo como naquele momento.

O grito veio do fundo do peito magoado, sobrevivente, vazio como no samba de Cartola e Elton Medeiros.


- “Fora Bolsonaro!!!”.


Constrangeu-se ao sentir que havia atrapalhado o samba. Mas não teve tempo de sofrer por isso. Seu xará, Nelson Cavaquinho, com Guilherme de Brito, tinham mandado um recado exatamente naquele momento em que a emoção feliz ameaçava ceder lugar a alguma tristeza pelas circunstâncias:


- “O Sol há de brilhar mais uma vez...


Pegou mais uma cerveja e sorriu.

- “Existem praias tão lindas, cheias de luz...”

Era Copacabana. A da canção de Braguinha e Alberto Ribeiro e a de verdade, onde estava. Mais que perfeitos, som e cenário. Já fora religioso. Imaginava que o paraíso deveria ser assim.


Coitado. Era a primeira vez dele. Não conhecia o Bip-Bip...



Rio de Janeiro, setembro de 2021.

 

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