Amor pela vida – o elo faltante
Estamos vivendo uma verdadeira crise, que a meu ver decorre da falta de amor. Chego a questionar se algum dia tivemos a capacidade de amar de verdade, pois estamos colhendo amargos frutos de nossas escolhas egoístas, que refletem um desligamento para com a vida em geral.
Fez parte de nossa evolução sermos movidos pelo instinto de sobrevivência, mas o que remanesce desse sentimento é pensarmos no que é melhor para “mim e para os meus”, que em geral visa colheitas fartas em curto prazo. Isso era aceitável em nossa fase primitiva enquanto habitávamos cavernas, uma vez que nossa sobrevivência dependia primordialmente de nossos instintos.
Em nosso processo evolutivo, depois desenvolvemos a racionalidade que nos permitiu avanços tecnológicos e confortos inusitados, que hoje fazem parte do dia a dia de grande parte das pessoas, sendo que quanto mais avançados e abastados são os locais, mais disponíveis estão. E ninguém quer voltar a acender lamparinas ou a deixar de se comunicar com pessoas do outro lado do mundo em segundos. Mas, o ideal é que tudo fosse para todos. O pensamento egoísta continuou a predominar nessa fase de industrialização e tecnologia, e ainda se intensificou como tendência dominante, sendo a natureza transformada apenas em fonte de recursos e perdendo seu valor intrínseco. Acentuou-se a separação, pois antes o convívio com o mundo natural era constante e trazia respeito e um senso de pertencimento, mesmo que também um certo temor.
Minha esperança agora é que possamos somar aos nossos instintos e racionalidade um senso de amor pela vida, uma valorização de sua complexidade, beleza e plenitude. Precisamos atingir um patamar mais elevado de sentimentos que visem o bem de todos. Deixar de pensarmos no “meu” e “nos meus” para projetarmos ideais que favoreçam a “todos” de forma ampla. E, a meu ver, esse sentimento tem o nome de amor. Precisamos evoluir para uma esfera profunda de amor pela vida, onde cada um de nós, elos da mesma teia, ajude a ligar os demais elos. Só assim nos fortaleceremos juntos, adicionando forças para barrar o que destrói, minimizando os riscos que hoje percebemos estarem por toda parte.
Chegamos a um momento decisivo em que nossas escolhas precisam refletir visões amplas, tendo como meta proteger amorosamente o planeta em equilíbrio, com harmonia e beleza.
Como passamos de um patamar para outro? Será que o ser egoísta que habita em nós de maneira tão intensa sempre dominará nossas escolhas? Os céticos não acreditam que seja possível grandes mudanças porque creem que o ser humano é mau. Seguem a linha de Kant, quando afirma que basta olhar à volta para atestar a maldade humana que se mostra de tão variadas maneiras.
De fato, os dados atuais não indicam cenários alentadores. A humanidade é responsável pela extinção de espécies 1000 vezes mais rapidamente do que aconteceria se o processo fosse natural. A devastação dos ecossistemas naturais vem se tornando comum em todos os cantos do mundo, sendo o Brasil, infelizmente, prova disso. Com uma das mais ricas biodiversidades da Terra, os biomas brasileiros encontram-se ameaçados: da Caatinga, restam apenas 3%; dos pampas sobraram 47%, mas somente 3% em áreas protegidas; da Mata Atlântica temos entre 12% e 18% (dependendo da fonte consultada); o Cerrado, berço dos maiores rios do continente, vem sendo destruído para plantações de monocultura com uma voracidade ímpar; e, a Amazônia está chegando ao que vem sendo chamado de ponto de não retorno, ou seja, em breve não haverá como garantir sua integridade, o que significa um risco nacional e planetário, devido aos serviços ecossistêmicos que presta apenas por existir.
Os indícios de descuido (e desamor) ocorrem também nos oceanos, hoje depositário de lixos de toda sorte que causam danos à vida aquática. A água doce, que é 75% usada para agricultura, volta aos lençóis freáticos contaminada de agroquímicos prejudiciais à saúde e à vida. Entre seres humanos também não se observa empatia. A concentração de renda se acelera cada vez mais e a pobreza se torna miséria em larga escala, sem que isso seja percebido – invisível para a maioria que tem o que precisa.
Portanto, os atos humanos resultam em danos, muitas vezes irreversíveis. Sendo assim, poluição é desamor, desmatamento é desamor, desigualdades sociais são desamor, discriminação racial e de gênero são desamor. Tudo que fere a dignidade e o respeito à vida é desamor. Mas não quero crer que o ser humano, dito o mais inteligente dentre as espécies que habitam o planeta, tenha que ser assim ad aeternum. Mesmo que apenas para alimentar uma semente de esperança, quero crer que nossa inteligência possa ser direcionada a salvar a vida e não a destruí-la. Quero acreditar que tudo pode ser diferente se trabalharmos nessa direção.
Ora, se nossos atos partem da nossa vontade, precisamos mudar o escopo do que queremos. É necessário perceber e sentir a vida em sua magnitude para valorizá-la e protegê-la. Não há receita de bolo porque são muitos os ingredientes que precisam entrar na equação da mudança. Mas, o denominador comum é o amor.
Segundo Humberto Maturana, cientista com coragem de analisar a força do amor: “O ser humano não vive só. A história da humanidade nos mostra que o amor está sempre associado à sobrevivência”. Ele também afirma que: “Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma incondicional e não se exige ou se espera nada como recompensa. Amar implica ocupar-se do bem-estar do outro e do meio ambiente”. ... “é respeitar o espaço do outro para que ele exista em plenitude”.
É nas relações que crescemos e são nelas que aprendemos o que é o amor. Quem tem o privilégio de ter uma família amorosa, exercita o amor incondicional como aprendizado, o que pode ser levado a outras dimensões e relações. Família pode ser semente e escola de amor que se capilariza para outras esferas de convivência, seja com pessoas, seja com seres ou elementos da natureza.
E existem famílias escolhidas, não necessariamente por nascimento. Muita gente exercita o amor com amigos, ou com animais de estimação, ou por meio da arte, ou ainda com contato com a natureza. Não importa como. O importante é descobrir fontes que elevam os sentimentos e levem ao amor, e a partir daí reverbere a outras realidades, as transformando nessa sintonia.
Amor tem que ser exercitado porque é sinônimo de responsabilidade. Amor exige cuidado, pertencimento, carinho. Amor é se importar, é ser inclusivo, generoso, consciente do bem-estar alheio. Esse exercício precisa ser incentivado no processo de formação do ser humano. E para se educar para o amor, é preciso transformar a educação que vem sendo ofertada tradicionalmente, que em geral prioriza a competição e não a cooperação.
Precisamos ampliar nossos olhares para a forma com que nos relacionamos com a vida. Cada ser ou elemento natural é resultado de bilhões de anos de evolução para ser o que é. E nós fazemos parte de toda essa teia de vida. Dependemos dela, mesmo que não tenhamos consciência e comumente mantenhamos postura de superioridade. Quanta soberba! Quanto desperdício de vida que deveríamos estar celebrando e protegendo. Se acordarmos para esses valores, nossos cuidados com cada ser certamente será diferente e a vida terá um sabor muito mais doce.
Carlos Brandão propõe algo parecido quando define o que entende por educação ambiental: “...recriar um sentido plenamente humano e humanizante, solidário com todas as coisas do mundo e da vida, regido pelo sentimento do amor. Por afetos maduros e muito conscientes de solidariedade, de generosa partilha, de uma responsabilidade para com o presente e para com o futuro: não somente o das outras gerações humanas, mas igualmente o de outras gerações de tudo o que é vivo”.
Sem dúvida, é de amor que o mundo precisa mais do que nunca. E cabe a nós inclui-lo como escolha primordial em nossas andanças por onde quer que estejamos.
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