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A Cultura é nossa última trincheira contra o autoritarismo e a barbárie


Jason Prado. Economia criativa. Não sou exatamente um fã desse termo. Ele reflete exatamente o ambiente onde foi criado: uma reunião de burocratas da Unctad - a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, no início do século. E põe no mesmo saco todas as atividades que produzem valor, mas não conseguiram ser agrupadas com os setores tradicionais da atividade econômica. Das bordadeiras aos jogos eletrônicos; da arte popular ao artesanato industrializado. Olhar para a Cultura como fator de produção de riquezas é essencial no mundo capitalista e fortalece a atividade, desde o indivíduo fazedor da arte até o Estado. Mas isso é papel dos economistas, dos formuladores das políticas públicas, não dos gestores da Cultura. Quando o Estado, respaldado por sua comunidade artística e todos os demais segmentos da sociedade, começam a tratar a Cultura como Economia Criativa, a lente que foca e o filtro que peneira a arte são outros. O potencial de agregar valor passa a ser preponderante. Nesse contexto, toda a obra do Gentileza só poderia ser aquilatada quando transformada em livros, vídeos, documentários, camisetas, enfeites, imagens... Artistas, da mesma forma, serão todos aqueles que conseguirem movimentar a máquina coletora de lucros e impostos. Deles serão as vozes, os louros e os retornos financeiros e, pior, o pensamento dominante. Digo pior porque já terão sido cooptados pelo sistema. Os outros... Bem, os outros serão apenas parte de uma massa indefinida e intangível de membros da Economia Criativa. Anônimos e sem voz, numa definição muito mais palatável do que “periféricos”. No campo da música, por exemplo, os mecanismos são muito complexos. O músico que toca no fundo do palco, contribuindo com suas notas para a gravação de um álbum, está totalmente à margem dessa “economia”. Para esse artista, sua arte termina quando ele guarda o instrumento. Seria muita pretensão fazer aqui - uma Zine sobre Cultura e Economia Criativa - uma defesa da Cultura à luz de pensadores como Foucault e Althusser. Mas cabe uma digressão sobre os rumos que a coisa está tomando, principalmente aqui no Brasil, onde a Cultura passa por sucessivos ataques do governo e de segmentos importantes da sociedade, que, com base em enormes equívocos, passam a encará-la como um estorvo de párias. Desde a década de 1980, quando foi apartada do Ministério da Educação para dar pouso a um político mineiro, até os dias de hoje, quando foi anexada como secretaria do Ministério do Turismo, a Cultura se tornou um acessório incômodo - e custoso - dos governos nas três esferas administrativas. Por grande ironia, o único que mereceria reparos foi Fernando Collor de Mello - em quem não votei e não votaria nem para síndico - mas que se cercou de grandes artistas e intelectuais, fortalecendo a estrutura da pasta e criando verdadeiras políticas setoriais. Os demais fizeram mais do mesmo, empurrando ou simplesmente deixando o setor rolar escada abaixo. Sei que as críticas virão, mas estou pronto para rebater e debater uma por uma. Que venham! Enquanto isso, falemos desse contexto: economia criativa, cultura como bem de consumo, e demonização do setor. Faz bem à Cultura que a Unctad e os governos a vejam como fator de geração de riqueza. A Propriedade Intelectual é a maior fonte de divisas no mundo atual. Mas ela não se prende apenas à Cultura. Envolve igualmente direitos sobre softwares (como o sistema do seu computador e a internet do seu celular), sobre aplicativos da internet, como as FinTechs e as plataformas de streaming, as vacinas - tão em voga nos dias de Covid - e por aí vai. Uma coisa é planejar políticas econômicas, pensando no Cinema e na Literatura, por exemplo, como segmento produtivo. Outra bem diferente é pensar no escritor, no técnico cinematográfico, nas livrarias e cinemas, que sofrem altíssima carga tributária acessória para sobreviver nos shoppings, nas cidades que reclamam o estrangulamento do espaço urbano. Eu arriscaria dizer que a literatura nacional míngua a cada dia, refém quase que exclusiva das compras do Ministério da Educação. Um Ministério que veja a Cultura como a horta onde se colhe o jantar, jamais vai conseguir fomentar atividades voltadas para o surgimento de novos talentos; os recursos acabarão sempre chegando aos mesmos cofres - aqueles onde geram mais riqueza. É como o agricultor que cozinha suas sementes... E, por fim, temos diversos agentes dos governos, como se fosse uma Política de Estado, disseminando informações equivocadas pela sociedade, pintando artistas e agentes da cultura como párias improdutivos, encastelados em suas sinecuras, vivendo nababescamente à custa da sociedade indefesa. A receita é inequívoca. Reúne todos os ingredientes e alquimistas necessários para calar o único segmento que, antes mesmo de produzir moedas, deveria produzir pensamento crítico, dar um balizamento ético e servir de parâmetro para o comportamento da sociedade. A Cultura - e não a riqueza que ela gera - é nossa última trincheira contra o autoritarismo e a barbárie. Transformá-la em Economia Criativa é pôr preço no seu destino.


 

Jason Prado (67)

Jornalista, Educador e Produtor Cultural

Publisher dos Cadernos de Leituras Compartilhadas e do Diário da Província.

Criador do Leia Brasil e da Caravana da Cultura, atualmente dirige a Sonora Rádio e TV na web e a OSCIP Leia Brasil.


 

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