XIV Memorias de um Cachorrinho Maduro
- Eleonora Duvivier
- há 2 dias
- 4 min de leitura

Decidi deixar a mamãe escrever mais um pouco dos meus pensamentos porque ontem eu encantei ela e a Tweety. As duas entenderam logo a minha mensagem e ficaram dizendo “Ah que gracinha! que amor! que pureza!!” sem conseguir parar. Eu devia estar mesmo intenso, ali parado olhando pra elas. Mais que isso, eu estava super feliz com a surpresa que vou contar, e ainda mais feliz comigo mesmo!
O Chris voltou de uma viagem `a Europa e entrou pela porta adentro quando a gente nem esperava. Eu e a Maya corremos pra ele, que parecia uma estrela de luz todo feliz, sorrindo e trazendo uns petiscos pra gente pra celebrar ver a gente de novo. Nunca comi uma coisa tão boa! Era bacon! Mas melhor do que o gosto, foi ele me dar um pedaço e mostrar que não só a Maya, mas eu também tenho muito valor pra ele. Quando o Chris me dá bola, eu sinto que eu realmente sou demais!
Tinha que compartilhar o meu sentimento com a mamãe e a Tweety, então fiz o maior esforço pra não devorar logo o bacon e me plantei diante delas, com o meu pedaço na boca. Elas estavam no sofá, todas animadas perguntando um monte de coisas pro Chris, e eu ali a postos, me segurando pra não mastigar o bacon até elas olharem pra mim e verem o tamanho da honraria que ganhei do Chris! Não estava fácil me controlar daquele jeito, com aquele sabor tão bom já saindo pelo meu nariz, enquanto elas demoravam pra me notar! A minha língua estava comichando de amor e do prazer que já começava a sentir, mas eu fui aguentando ali imóvel, que nem esses cachorros de exposição. Nossa, como elas enchiam o Chris de perguntas, como as pessoas falam! Mas o meu esforço valeu porque dali a pouco, a Tweety dizer pra mamãe:
“Olha que fofo! Ele quer que a gente note que ele ganhou bacon!”
A Tweety é um gênio. Fez a mamãe olhar pra mim na hora, e ela se derreteu como eu nunca tinha visto!
“Ah meu Deus, que gracinha, como ele se sente digno!”, ela disse na maior surpresa.
E eu ainda ali me controlando pra dar pra elas bastante tempo pra sacarem o tamanho da importância que o Chris me dá!
“Como esse cachorro é inteligente e sensível!” a mamãe continuava, “Como ele valoriza o valor que se dá a ele! Como ele é humano em querer que a gente perceba isso!”
Tweety já voltava a conversar com o Chris, mas mamãe não parava:
“Luluco, ô meu Luluco, você é demais! Que gracinha! Como você se sente honrado, hein?”
E eu ali, ainda mostrando o que eu queria mostrar, sendo admirado e aplaudido.
Senti até que mamãe estava emocionada. Estava pensando em como eu sou humilde pra me sentir tão engrandecido por uma coisinha tão pequena quanto um pedaço de bacon. Mas tem que entender que a mamãe é uma pessoa. Muitas coisas deliciosas são “pequenas” pras pessoas porque elas não param; não podem se entregar por inteiro ao que sentem. Como aquele gosto que faz a gente se sentir no céu, e mais ainda, pro gesto de quem deu pra gente aquele gosto.
Acho que as pessoas não entendem como os cachorros podem sentir tanto prazer quando devoram rápido os petiscos que gostam mais do que tudo. Mas, como eu já ouvi a mamãe dizer mil vezes, o tempo é “relativo”, num jeito que parece dizer o mesmo que “O tempo não conta”. E não conta mesmo. Enquanto elas usam os tais dos talheres, mastigam, jogam conversa fora no meio dessa mastigação, fazem brindes `as vezes e levam horas pra acabar de comer, eu, numa engolida de um segundo, sinto tantas notas diferentes no gosto do que engulo, como o do bacon, que cada uma dessas notas se reflete numa parte diferente do meu corpo e do meu pensamento. Esse segundo que eu levo fica muito maior do que as horas que as pessoas gastam na refeição delas.
Eu sempre soube que eu não sou totalmente cachorro. O pai da Tweety já dizia isso meio revoltado, quando eu era bem jovem e bagunceiro, como se eu fosse um folgado. Mas ele estava certo. Parei de ser bagunceiro, mas eu sinto o pensamento das pessoas muito bem, mesmo que eu fique na minha. Dessa vez, eu não fiquei pra poder me controlar e esperar a mamãe e a Tweety me notarem. Pra repartir com elas a felicidade da minha honra.
Outro dia, eu falei que as pessoas não fazem nada sem esperar. Tudo pra elas é adiado pela espera.
Será que eu estou virando uma pessoa?
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