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SOS no “Primeiro Mundo”




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Decidi relatar as várias circunstâncias em que meu filho me disse que no Rio, sim, estávamos no primeiro mundo.


Primeiro conto a mais dramática. Num dia já perto de retornar aos Estados Unidos, minha

perna direita começou a doer tanto que eu já não mais podia andar. Comi duas jujubas de

maconha medicinal e caí num sono profundo, crente que acordaria bem. Meu filho Christophe

tinha saído pra jantar, e antes de ele chegar eu comecei a acordar me dando conta de que já nem podia mexer a cabeça, nem o pescoço e nem as pernas. Minha mão direita estava inchada.


Chris tinha que carregar metade do meu corpo pra me fazer sentar e o mesmo pra me levantar.

Consegui não ficar em pânico por ter um troço que nunca tive e de que nem ouvi falar, pois a

dor só dava lugar `a vontade de alívio. Pra ir ao banheiro, Chris me deixava na porta, e eu, entre

urros de dor por ter de me sentar na privada e pelo esforço de alcançar o papel higiênico, me

levantar dali e sair me arrastando, conseguia fazer o que devia. Mas como achar um médico em pleno domingo?


Chris telefonou pra o Dr. Rafael Gracindo, com quem nos consultamos dias antes. Ele é um

geriatra com cara de dezoito anos. Estar com ele e na sua clínica foi outra das ocasiões que levou Chris a dizer: “Isso sim, é primeiro mundo!” Bom gosto na decoração, cafezinho, água, e aimportante comunicação humana com o doutor.


Deve se aproveitar qualquer estadia no Brasil para ver médicos, pois aqui, sai debaixo, o

sistema de saúde, mesmo com seguro, que só paga 80%, sai caro e está abaixo da critica. Afora o fato de tratarem as pessoas como objetos, os médicos são arrogantes, distantes e impessoais.

Enquanto a maquinaria e a tecnologia em geral são boas e levam muitos a virem se tratar aqui, o

elemento humano é deplorável.


Aliás, uma das coisas que Chris me disse foi: “É impressionante a impossibilidade de frieza

nos brasileiros!”

Adoro ouvir comentários dos meus filhos biculturais sobre as duas culturas de que participam.

Mas voltando ao que me ocorreu, Chris explicou a urgência da situação e o doutor disse que estava mandando um médico de sua equipe. Dali a pouco, chega um rapaz carregando sua maleta e vestido de branco impecável. Chris comentou comigo que já se sentiria grato se ele tivesse chegado sem maleta nenhuma e cheio de areia da praia, pois afinal, aqui nesta terra de “milk and honey” é absolutamente fora de questão esperar que alguma “majestade médica” (como majestades eles se portam) se digne a visitar algum cliente, pagos ou não pagos.


Telefona-se para algum, e logo vem a constante gravação: em casos de emergência disque 911. O terrível 911 que manda carro de polícia, caminhão de bombeiros, e uma ambulância gigantesca.


Serviço acostumado `a cenas de crime, catástrofes, suicídios, incêndios, “and the like”. Homens enormes saem armados de revolver do carro de polícia, enquanto os outros estudam a cena. Tétrico!

Se não se tratar de emergência tamanha, a pessoa que se “mexa” e se toque pra alguma clínica com pinta de hospital.


Doutor Lucas, o jovem médico que Doutor Rafael nos mandou, foi bastante calmo, embora se pudesse detectar alguma apreensão no seu rosto. Também, diante da figura a que eu estava

reduzida!


Com muito esforço e ajuda de Chris, consegui me jogar no sofá, imaginando algo mais tétrico

do que o fim total. Quando se tem muita dor, só se quer sair dela, seja pela morte, seja pela cura.

Eu nem bem conseguia virar o pescoço pros lados, e isso `a custa de dores lancinantes. Pra me sentar e ser examinada, tive novamente de ser carregada por Chris.


Afinal, Dr Lucas me receitou um poderoso analgésico anti-inflamatório, e disse que dentro de uma hora e meia eu já deveria estar melhor. A calma que ele tem deve ter sido grande parte da cura. Pediu também que eu fizesse um exame de sangue. Estava desconfiado de qualquer coisa viral transmitida por inseto, embora perguntando se eu estava passando por algum stress, como se adivinhando que vivo pensando pra onde e como ir pra escapar dessa pouca vergonha que virou os Estados Unidos sob a administração daquele fanático cujo nome me enoja escrever.


“O corpo responde logo ao stress” Dr. Lucas falou.


Dois dias depois, tínhamos de retornar aos US, onde agora me encontro. Era assustador

imaginar ter um treco daqueles num voo de 10 horas durante a noite, assim como enfrentar o

aeroporto de Houston e as filas descomunais pra pegar outro voo de 4 horas pra conseguir chegar ao sul da California, onde moramos.


Mas pouco a pouco, mesmo ainda sentindo dor, recuperei a mobilidade. O anti-inflamatório foi

receitado durante dois ou três dias, mas quando eu parei de tomá-lo, o pescoço começou a ficar duro de novo e as terríveis dores na perna voltaram. Meu Deus! O que seria? Como explicar aquilo pra esse bando de médicos autômatos aqui, que dão mais valor `as suas máquinas de diagnóstico do que à palavra de qualquer paciente?


Aqui neste mundo tão regimentado que não deixa lugar pra qualquer intuição e onde a espontaneidade, essa então, coitada, é totalmente inexistente? E qual médico procurar nesta terra onde uma mesma clínica ou hospital se espalha por cidades diferentes, entre San Diego e LA?


Pra viajar, comprei uma passagem de primeira classe pra poder ao menos deitar e não

acrescentar mais dor `as que eu já sentia nas costas, e também solicitei uma cadeira de rodas pra enfrentar os espaços gigantes do galeão e de Houston.


Pareço mais moça do que sou, então fiz a expressão mais martirizada possível no balcão da UA e cheguei até ele mancando dramaticamente. Chegamos ontem. Ando num cansaço terrível, parte por causa do fuso horário e da própria viagem, e parte por causa do estado viral. Já perceberam aí no Brasil que não foi dengue, mas resta outras coisas a descobrir. Enquanto isso, irei ao portal médico que tenho aqui com a maior relutância.


Virei um caso raro. Descobriram que eu tenho um negocinho móvel no coração, que

ninguém sabe o que é. Me mandaram fazer o tal TEE, um ecocardiograma em que enfiam o cabo pela tua goela, depois de te botaram inconsciente (essa parte eu gosto).


Mas nem com esse exame eles sacaram do que se trata e foram logo me mandando pra um cirurgião de coração, dizendo a ele que o interesse era meu, mesmo sem ter eu emitido um pio sobre cirurgia. Chris falou que eles decidiram: “Let’s blow it up!”


Ainda bem que o cirurgião indiretamente mostrou que partir pra uma operação daquelas era um absurdo. Ele era mais bacana, mas só faz operar coração. Concordou comigo que era melhor se poupar daquilo e monitorar a densidade móvel a cada dois meses. “Let nature take its course”, eu disse a ele. Já tive uma vida bem vivida afinal de contas.


Enquanto isso, os outros médicos andam em total rebuliço pra saber o que é a tal densidade. O clínico que eu tenho em Boulder falou que eu sou a sua primeira cliente com um lance desses. Os daqui também disseram que é raríssimo. O de Boulder fica me implorando pra lhe mandar os exames e laudos. Os daqui ficam arrumando consultas de tudo que é tipo, e o meu inconsciente me faz esquecer todas.


Enquanto isso, vou me lembrando das outras vezes em que Chris declarou que no Rio sim,

estávamos no primeiro mundo. Disse isso em relação aos restaurantes do Leblon, ao

comportamento dos médicos, e ao calor das pessoas. Ou ao que eu chamo de espontaneidade.


Não quero ficar só me queixando de um lugar que foi a redenção da minha vida, como os

Estados Unidos. Claro que tem um trilhão de coisas bacanas aqui. No meu caso, a excessiva

objetividade dos americanos muito contrabalançou a minha excessiva introspecção e me fez ser produtiva.


Saí da minha bolha e ao mesmo tempo consigo mantê-la dentro das quatro paredes. E

mesmo que todos aqui estejam desesperados com a ameaça de ditadura da parte daquele

demente, ainda tenho fé que haja uma grande reação contra ele. Vê-se cada vez mais revolta da parte de pessoas mais esclarecidas e menos covardes.


O bonitão que governa a California personifica a própria luta do bem, representado por ele, contra o mal, personificado naquela criatura amorfa e sem escrúpulos. Que isto apele pro inconsciente do povo, que tanto gosta, cria, e vive em torno dessa luta.


Minhas observações sobre os brasileiros depois de viver aqui tantos anos se referem ao seu

desarme emocional, à inocência da esperança, mesmo que conjugada à malicia psicológica (coisa instintiva da qual carecem os americanos) o calor humano, o saber cozinhar, o saber curtir pequenos momentos, e ao fato de que, gostando ou não dos Estados Unidos, dão aos produtos e entidades americanas um sabor bastante único.


Pois é verdade que as criações daqui - uma vez fora deste contexto desumano - ficam mágicas.


Já dizia a mulher de Walt Disney que ele era muito mais apreciado aí do que aqui! Me parece que ainda é.


Mas o que existe aí, nem todo o tesouro americano pode comprar, se chama espontaneidade.


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