GOSTOS...
- Léo Viana
- há 2 dias
- 3 min de leitura

Um dos prêmios por uma campanha publicitária bem-sucedida foi uma pequena temporada, de uns dez dias, no Rio. Veronique e Giulia tinham concebido as peças juntas.
O sucesso na TV regional foi incrível, como foi incrível também, para elas, a possibilidade de um tempo sem trabalhar, hospedadas em Ipanema.
Sabiam, claro, que o sucesso da viagem dependia de concessões e paciência, mas era algo a não perder. Amigas desde a faculdade, tiveram a ousadia de abrir uma pequena agência de publicidade numa cidade pacata, onde a maior parte da divulgação se dá pelo boca a boca, mas finalmente o reconhecimento chegou.
A viagem foi tranquila: o voo estava vazio, uma ficou no corredor e a outra na janela, por opção. A vista do pouso no Santos Dumont cria sempre a melhor das expectativas. Já na primeira noite, num bar badalado, Veronique tomou uns cinco chopes e Giulia sorveu três caipirinhas, o que facilitou o sono, considerando que se tratava de uma daquelas ondas de calor em que o sol parecia ter tido uma insônia incontrolável.
A temperatura, mesmo à noite, beirava os 30 graus.
No apartamento, com dois bons quartos, separaram-se. Veronique detestava ar-condicionado e se contentava com o rangente ventilador de teto disponível. Já Giulia não conseguia imaginar a vida ali sem o abençoado aparelho capaz de fazer frente àquela temperatura infernal.
Vencida a primeira batalha, acordaram relativamente cedo para pegar uma praia, fazer alguns exercícios e estabelecer uma programação. Giulia não gostava da sensação da areia no corpo. Trouxe várias cangas enormes. Veronique adorava: rolava feito criança e entrava na água à milanesa sempre, enquanto Giulia, que tinha pavor de água fria, molhava apenas os pés. Na hora dos exercícios, a diferença também era notável: Veronique preferia o ar livre e combinou caminhar do Leme ao Posto Seis e fazer o caminho de volta nadando. Giulia tinha o passaporte de uma academia de rede e passaria ali, nos aparelhos, o tempo de esperar a aventura da amiga.
Não tinham divergências muito notáveis no café da manhã, visto que havia sempre uma dessas lojas de suco por perto, onde era possível comer tanto a tapioca com suco da Giulia quanto o misto com café com leite da Veronique. O mamão de uma e o melão da outra também estavam sempre disponíveis.
O dia cansativo precisava terminar em festa.
O calor era uma experiência existencial, mas se todas aquelas pessoas – e elas nunca tinham visto tantas – sobreviviam, elas também resistiriam! Cada uma decidiu uma parte do programa. Era sexta-feira e, se conciliar gostos nunca foi fácil para ninguém, para elas era quase impossível. Giulia queria dançar forró e Veronique preferia samba.
Como eram uma dupla, decidiram que a primeira parte da noite seria na Feira de São Cristóvão e a segunda parte na Lapa. Assim foi feito. Giulia aproveitou a musculatura e o alongamento em dia para se esbaldar e suar loucamente, o que quase inviabilizaria acompanhar a amiga no samba depois, não fossem os lenços umedecidos e o vestidinho reserva na bolsa. Veronique esperou pacientemente o baile aeróbico da outra enquanto bebericava qualquer coisa para não derreter.
Na Lapa, com a situação invertida, Veronique cantava a plenos pulmões os sambas que nunca tinha ouvido ao vivo, enquanto Giulia repunha os fluidos que tinha perdido no forró.
Os dias se passaram muito mais rápido do que imaginavam, apesar das diferenças nos gostos. Teve de tudo: Niterói de barca na ida e Uber na volta; Cristo Redentor de trem e de trilha; churrascaria com restaurante japonês anexo; museus históricos e de arte digital, na mesma medida, a contento das duas, sempre.
Gostavam-se demais e tinham aprendido a conviver uma com as manias da outra. Num dos raros programas consensuais, um show de bossa nova, deram até beijos na boca. Para marcar bem as diferenças, o bofe da Giulia era economista de banco e o da Veronique era artista plástico e rapper. Definitivamente, tinham pouco em comum.
Última noite de quartos separados, última manhã de cafés diferentes, rápida passada em duas galerias de arte, uma contemporânea e outra modernista, para satisfazer ambas as vontades artísticas.
Pegaram as malas e decidiram passar por Copacabana para um último lanche ou almoço antes da ida para o aeroporto.
Um mar de gente vestida de verde e amarelo cercou o carro com palavras de ordem estranhas e agressivas. Um panfleto que entrou pela janela entreaberta tinha a foto sorridente do presidente Trump.
Fecharam a janela e desistiram de comer ali. Concordavam integralmente em uma coisa:
— Bolsonarismo, não!
Rio de Janeiro, setembro de 2025.
Música & Tecnologia: A democratização da produção musical é um dos pilares da economia criativa. Plataformas como a Cedro Rosa Digital estão na vanguarda, permitindo que artistas independentes distribuam suas obras e alcancem novos públicos globalmente. Cedro Rosa Digital
Comentários