CIRCO
O Carlão e a Nininha nasceram no circo. E cresceram, ele bem mais que ela, também no circo. O Carlão era filho do Iron Man, que na verdade se chamava Zezão, ao menos pros companheiros da caravana. Enorme, musculoso e anabolizado, levantava barris e puxava caminhões rampas acima, entre outras bizarrices associadas à força. A mãe era o equivalente feminino. A MulherTitã, como era conhecida. Quase um metro e oitenta de pernambucana arretada. Sustentava a família, na vida de circo, mostrando os músculos e também levantando objetos improváveis, invariavelmente mais pesados do que aqueles às quais as mulheres “normais” estavam habituadas. O Carlão puxou aos pais e, superalimentado e igualmente anabolizado, sucedeu aos dois na função. Ficou célebre como Cyborg. Vestia uma roupa futurista e oferecia ao público demonstrações de força e alguma selvageria. Entortava barra de ferro, salvava mocinhas de monstros imaginários e levantava barris. Nada muito criativo.
A Nininha, contrariamente, era toda graça. Nascida do romance entre a bailarina e o trapezista, começou com a ginástica e o balé tão cedo que seu andar era leve como um Pas de Deux. Deslizava entre os traillers do circo e foi assim que encantou o Carlão desde criança. Criados juntos, nada parecia mais improvável que um romance entre eles. Um tipo de “A Bela e a Fera” nos interiores remotos do Brasil, de cidade em cidade, de rincão em rincão. Vilarejos perdidos no cerrado, na caatinga ou no pampa viram e divertiram-se com a caravana. Mas poucos viram, fora do circo, o romance entre o Carlão e a Nininha.
As aparências, no entanto, enganam muito. A fragilidade externa da Nininha escondia uma mulher forte. Foi ela quem conquistou o Carlão. Ele era grandão, fortão, mas tímido e desajeitado. Ela, decidida e assertiva, contrastava o temperamento forte com o corpinho franzino, frágil e elegante.
O gigante, mesmo apaixonado desde sempre, não tinha a coragem necessária pra se aproximar da pequenina. Idiossincrasias. Os monstros imaginários a quem ele combatia eram infinitamente menos desafiadores que a Nininha, aquele anjo.
Mas essa fase passou. Casaram-se após uns meses de namoro atrapalhado pelas múltiplas funções que Carlão exercia no circo. A maioria delas associada a seus músculos salientes e sua força física fora do comum. Desde alimentar os animais – são do tempo das feras, de antes da proibição – a puxar as carroças, esticar as lonas e fazer as compras para alimentar a tropa toda.
A festa foi grande, os noivos entraram no picadeiro montados no elefante, o domador e seus velhos leões fizeram a guarda de honra. Festa linda, ainda que para poucos convidados.
A família do circo se bastava. Os padrinhos foram os palhaços Pitanga e Graviola, velhos amigos dos pais dos noivos. Os meninos do globo da morte mostraram seu novo número para a plateia selecionada e conhecida. O velho mágico, já cansado mas ainda criativo, tirou da cartola uma infinidade de pássaros coloridos, flores, lenços, coelhos e pombos brancos que encantaram a todos. A festa foi linda, mas talvez marcasse o fim de uma era. Não tardou até que os animais fossem justamente proibidos e que muitos dos velhos artistas terminassem suas carreiras. Alguns conseguiram uma velhice digna no Retiro dos Artistas, outros não.
Carlão e Nininha, apesar da resignação com o avançar da história, as mudanças de paradigmas, a modernidade, juntaram forças pra empreender. Não sabiam fazer nada diferente de circo.
Tinham visto muitas vezes o show de Conga, a Mulher Gorila. Tinham entrado e saído inúmeras vezes da Boneca Eva. Conheciam a vida do circo e o impacto dele nas pessoas, nas crianças, nos mais velhos.
Montaram o seu próprio circo, primeiro com os farrapos da velha lona onde tinham sido criados. Em terrenos cedidos por gente que gostava do circo ou que se compadecia deles, mambembes pobres, saltimbancos da alegria rodando sem paradeiro certo. Nunca antes sonharam administrar um picadeiro, eram artistas, mas o conhecimento do assunto era notório. Conseguiram arregimentar novos talentos, repaginaram o espetáculo da Conga, compraram uma novíssima Boneca Eva. A falta dos animais foi compensada com folga e o custo geral até diminuiu. Viraram uma bela e estruturada companhia circense e chegaram, enfim, a uma grande cidade, onde estreiam novo e maravilhoso espetáculo.
Frota nova, lona brilhando, a Nininha na bilheteria e o Carlão recepcionando as pessoas. A alegria de volta.
Os artistas do globo da morte chegam em motociata! A Mulher Gorila vem de verde oliva, marchando em passo de ganso, como se estivesse em frente a um quartel do interior e sobre ela cai uma grande quantidade de água, vinda da plataforma do trapézio! Um dos acrobatas chega agarrado no para-brisas de um dos caminhões da frota do circo, que entra no picadeiro em grande velocidade! Os palhaços Quiabo e Jiló, vestidos de verde e amarelo, distribuem pendrives e bananinhas para o público a partir de um cercadinho estrategicamente instalado!
De dentro do cercadinho, ao final do espetáculo, com todo o elenco vestido de palhaço, inclusive Carlão e Nininha, são ouvidos gritos saudando um pretenso líder que faz cara de dor de barriga e arminha com a mão. Um grande vaso sanitário surge e o engole.
Os alto falantes do circo, em tom grave, repetem lentamente:
- Pa-lha-ça-da! Pa-lha-ça-da!
Velhos e crianças riem muito, alguns de nervoso, mas o espetáculo foi um sucesso.
O circo chegou!
Rio de Janeiro, dezembro de 2022.
Cultura
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