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Animais estigmatizados, humanos preconceituosos

Suzana e Cláudio Padua

Suzana M. Padua


Tudo começou com o bode que saiu da sala. Escrevi um artigo sobre bichos estigmatizados pelos humanos (para o site Fauna News https://faunanews.com.br/2022/11/03/o-bode-saiu-da-sala-deixando-de-estigmatizar-os-animais/ ), e me foi pedido que enviasse nova versão para o Criativos. Como recebi diversas contribuições de amigos sobre a simbologia de outros animais, resolvi adicioná-las aqui. Mas, vou deixar “o bode” para o final para provocar suspense nessa leitura...


São muitos animais que viraram símbolos negativos nas falas populares dos brasileiros, e bem poucos adquiriram conotações positivas. Esse fator é de grande importância por vivermos no Brasil, país tão rico em biodiversidade que merece ser valorizada. Na verdade, muitos animais aqui relatados são comuns em várias partes do mundo, mas o ponto do estereótipo vale para qualquer lugar.


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No IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, instituição da qual sou cofundadora e presidente, tem alguns pesquisadores que dedicam suas vidas a animais silvestres, por vezes popularmente difamados. A onça, por exemplo, é sempre lembrada quando alguém está perigosamente bravo. Os felinos em geral têm personalidades fortes e se impõem diante de outras espécies, inclusive da humana. Mas, esquecemos que na natureza esses animais estão no topo da cadeia alimentar, o que quer dizer que predam outros bichos para se alimentarem e, assim, sobreviverem.


Outro animal pesquisado há mais de 25 anos pela Patrícia Medici é a anta, maior mamífero das américas. A anta adquiriu reputação de não ser inteligente. Quando alguém chama uma pessoa de anta, quer dizer que não é esperta ou que fez alguma estupidez, alguma “burrice”, outro preconceito contra os burros.


Patrícia hoje estuda as antas nos biomas Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e Amazônia. Apaixonou-se por esses animais por diversas razões, como o fato de serem doceis e terem comportamentos interessantes. São vegetarianas, e ao comerem frutos e plantas espalham sementes pelos grandes territórios que percorrem, ajudando a restaurar ou enriquecer as matas com sementes que germinam e viram árvores frondosas. Daí a razão de serem chamadas de jardineiras florestais.


Patricia ganhou muitos prêmios no Brasil e no mundo com seu trabalho e é palestrante em um Ted Talk que ultrapassou um milhão de views (https://www.ted.com/talks/patricia_medici_the_coolest_animal_you_know_nothing_about_and_how_we_can_save_it ), além de ter sido entrevistada por Jo Soares, que achou hilário alguém ser encantado pelas antas. https://www.facebook.com/watch/?v=770909597374446


Com seu amigo designer, Luccas Longo, criaram uma campanha #antaÉelogio, para desestigmatizar esses animais. Emogis com antas em posições de yoga fazem parte desse repertório, ou camisetas com o slogan da campanha.

Foto minha vestida com a camiseta da campanha: antaÉelogio.


Suzana Padua: Anta é Elogio

Outro artista e ilustrador apaixonado pelas antas é Ronald Rosa, que criou uma série de desenhos com animais sendo xingados pelas antas e vice versa. As ilustrações indicam preconceitos que fazem parte da nossa cultura, muitas vezes sem nos darmos conta.


O pobre burro sempre foi explorado pelos seres humanos, quando colocado para desempenhar trabalhos pesados. Devíamos sentir gratidão e não vontade de o transformar em xingamentos. Aliás, o burro de burro não tem nada – sabe chegar de volta a sua casa como ninguém.


Ser magro em nossa sociedade é ser elegante. Por isso, ao chamarmos alguém de baleia estamos depreciando sua boa forma. Mas as baleias têm qualidades muito mais importantes, como sua inteligência e amorosidade, que deveriam ser valorizadas e copiadas por nós.


Xingar alguém de cavalo significa que a pessoa é bruta e grosseira. Mas, e a beleza dos movimentos dos cavalos galopando ou “dançando” quando praticam adestramento? Não há brutalidade alguma e sim beleza nesses animais. Bruto é quem os monta, usando esporas e chicotes para demonstrar sua autoridade.


Vidas em Transformação, conheca estórias transformadoras, nesta Live.


As serpentes são as mais estigmatizadas. Cobra é sinônimo de alguém traiçoeiro. Esse xingamento é ignorância, porque especialistas sabem que as serpentes só atacam quando se sentem ameaçadas e jamais por gostarem de confrontos, o que difere de muitos humanos?


“Piranha” é um preconceito machista que precisa ser abolido. Uma mulher xingada de piranha é o que minha avó diria “nada recatada”. Mas se um homem fosse assim chamado seria elogio. Essa conotação diferenciada acontece também com a galinha.


Chamar uma mulher de galinha é pejorativo e parecido com o xingamento de “piranha”. Mas um “homem galinha” é aquele que consegue atrair muitas mulheres. Nesse caso, o homem ganha ponto enquanto a mulher perde.


Ser porco entre os humanos é ser sujo. Mas os porcos só não são limpos porque os recintos onde são criados são deploráveis, o que deveria envergonhar quem os colocou lá.


Xingar uma pessoa de tartaruga significa que a pessoa é devagar quase parando... A tartaruga é mesmo lenta, mas porque carrega sua casa nas costas. Talvez por ser tão bem protegida ela vem sobrevivendo há milênios. Assim, confirma o ditado popular: “devagar se vai ao longe”...


Como pode o “melhor amigo do homem” receber um xingamento que insinua alguém que aprontou, que fez algo ruim. Não faz sentido algum! Ser chamado de cachorro deveria lembrar fidelidade e inspirar os seres humanos a copiarem os cães.


A vaca é generosa ao nos dar leite que permite o preparo de alimentos deliciosos. Mas isso não é levado em conta quando alguém chama outro alguém de “vaca”, xingamento baixo, grosseiro e inadequado. ‘Vaca” deveria também ser elogio.


Existem alguns estereótipos positivos entre poucos animais. Por exemplo, a coruja é vista como sábia, observadora, e uma “mãe coruja” é aquela que tem orgulho de seu filho. Coruja é também usado para alguém indiferente, como em uma música antiga: “Coruja, a indiferença de um brotinho encantador. Coruja, um nome feio que nos causa terror...”. Na minha família ainda tinha um medo instituído de que quando a coruja piava, alguém estava para morrer. Mas, de todos esses estigmas, fico com a Mãe Coruja, que lembra sabedoria, reflexão, cuidado e amor.


Leonardo Boff, em seu livro A Águia e a Galinha, reforça o poder de escolha, ao comparar quem se comporta como as águias e alça voo seguindo sonhos, ou quem cisca o chão, como as galinhas, que pode passar pela vida sem perceber a que veio. Mas vou aqui defender as galinhas que nos fornecem ovos continuamente complementando nossa alimentação e ainda são utilizadas na produção de vacinas.


Minha ideia foi ilustrar como os animais são injustamente estigmatizados, inclusive o “bode que saiu da sala”. Sei que essa metáfora também é descabida, e por isso peço desculpas ao bode e ao leitor.


Mas a melhor notícia recente foi que que o bode saiu da sala. Essa ideia tem relação com o incômodo da presença de um bode colocado numa sala, e as pessoas só se darem conta do quanto incomodava quando o retiram. O alívio é imenso mesmo que se tenha muito a arrumar, a limpar. A saída do bode traz esperança em dias melhores, com a paz e a reconstrução sendo possíveis de serem realizadas.


Peço desculpas a quem estava gostando de manter o bode na sala, e ressalto que respeito a liberdade de pensamento e de expressão. Deixo claro ainda que essa é minha opinião pessoal e que não representa qualquer instituição da qual faço parte.


 

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