Jorge Pontual
4 de out de 2020
Atualizado: 12 de out de 2020
Tradução de Jorge Pontual, para CR Zine.
Soneto 18
Posso igualar-te a um dia de verão?
És mais adorável e mais ameno:
O vento leva as flores em botão,
E o reino do verão é bem pequeno:
O olho do céu esquenta demais,
Ou seu ouro entre as nuvens esmorece;
E todo belo do belo se vai,
Pois tudo muda, nada permanece;
Mas teu verão eterno não se assombra
Nem jamais perderás tua beleza;
Nem a Morte terá a tua sombra,
Quando em versos eternos tens grandeza;
Enquanto houver voz e olhos pra ler,
Isto viverá, te fará viver.
Soneto 20
Um rosto de mulher tão bem pintado
Tens, dono-dona da minha paixão;
E de mulher, coração delicado,
Mas sem a feminina traição;
Olhar mais vivo que o delas, mais franco,
Dourando o objeto que observas;
Homem na aparência, no comando,
Fascinas homens, mulheres enlevas.
Pra ser mulher tu foste concebido,
A natureza errou no acabamento
Ao dar a ti, pra me deixar vencido,
Algo que pra mim não tem cabimento.
Dotado para o prazer da mulher,
Seja meu o teu amor, dela, o que quiser.
Soneto 26
Meu amor, senhor de quem sou vassalo
Por mérito vosso e por dever meu,
A vós envio este escrito regalo,
Prova do dever, não do engenho meu.
Dever tamanho, que meu pobre engenho
Faz parecer despido, mal rimado,
Mas que espero tenha um bom desempenho
E agrade à vossa alma, despojado:
Até que a estrela que me tem guiado
Conceda-me a graça de tomar jeito
E vista o meu amor esfarrapado
Pra merecer vosso doce respeito:
Então, dizer que vos amo ousarei.
Até lá, a cara não mostrarei.
Soneto 40
Toma meus amores todos, amor;
Agora tens mais do que tinhas antes?
Nada, amor, que possas chamar de amor;
Tudo meu já era teu como dantes.
Se por amor tomaste meu amor
Não te culpo por todo o amor que usaste;
Mas te culpo se te enganas, amor,
Se teimas em ter o que recusaste.
Perdôo roubares, doce ladrão,
Roubas de ti toda a minha pobreza;
Mas o amor sabe que a dor da paixão
Dói mais que o ódio e que a indelicadeza.
Graça lasciva, em quem fulgura o mal,
Mata-me de dor; não me queiras mal.
Soneto 66
Farto disso tudo, quero morrer,
Por ver o mérito nascer mendigo,
E o nenhum, nada, lindo de se ver,
E a pura fé em infeliz castigo,
E as honras em vergonhosa trapaça,
E a virtude virgem, prostituída,
E a perfeição em errada desgraça,
E a força no desmando decaída,
E a arte calada pelo poder,
E a loucura (doutora) no timão,
E a verdade, bobagem parecer,
E o bem, cativo, o mal, capitão:
Farto de tudo, a morte é meu caminho,
Mas, morto, deixo meu amor sozinho.
Soneto 116
Pra mim a união de quem se ama
Nunca tem fim. Amor não é amor
Se ele muda quando a mudança chama,
Ou vai, traído, com o traidor:
Ah não; ele é o farol constante,
Que enfrenta a tempestade sem tremer;
É a estrela-guia da nave errante,
Insondável, mas que se pode ver.
O Amor ri do Tempo, embora o que é leve
Não resista ao corte da ceifadeira;
O amor não muda ainda que seja breve,
E segue eterno até, do fim, a beira.
Se estou em erro, e assim for provado,
Nunca escrevi, e nunca fui amado.
Jorge Pontual é jornalista e tradutor.
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