Paulo Castro
24 de jan de 2022
Atualizado: 8 de fev de 2022
Terminou a aula na Faculdade às 22:00. Despediu-se dos alunos e dirigiu-se à Praça Tiradentes, 79: Estudantina. A “dica” foi dada por uma colega, que ficou de encontrá-lo lá. Não foi! Lugar de boa música e boa bebida, afirmou. Bom para quem gosta de dançar, o que não era o seu caso, mas, solteiro, relacionamento terminado há pouco, dispôs-se a ir para conhecer.
Verdade é que não sabia dançar. Nas festas de formatura na AABB, ficava de longe sem se aproximar do salão. Os amigos (nem todos) não paravam um minuto: encaravam qualquer estilo, samba, rock e até mesmo tango e bolero quando a Cuba Libre subia à cabeça. Queriam se divertir e tentar arrumar uma namorada. Ele não se animava, preferindo ficar no bar bebendo e conversando.
Ouça Quem me Acordou, de Paulinho do Cavaco e Luis Pimentel.
Agora, já na segunda cerveja, acompanhando o repertório do Maestro Severino Araújo, ouviu uma voz suave: Vem comigo! Olhou e, na sua frente, estava uma mulher elegante, mais ou menos da sua idade, que, com a mão estendida, o convidava para o salão. Ia responder que não sabia dançar, mas não chegou a dizer nada, foi levado e viu-se abraçado, delicadamente, por ela, que, no seu ouvido, murmurou: são dois pra lá, dois pra cá. Deixou-se levar e foram umas quatro músicas seguidas, sempre no mesmo passo, com os corpos colados. sem rodopios e saltos. Uma voltinha simples e mais nada. Fizeram um intervalo e convidou-a para a sua mesa. Ela não bebia, mas aceitou uma água mineral. Ele continuou na cerveja.
Como na dança não se falaram, então se apresentaram, ela, Maria Lúcia, e ele, Sílvio. Conversa vai, conversa vem, perceberam que tinham os mesmos gostos em música, em literatura e até em política. Ele disse que era professor. Ela deu um sorriso e disse: eu também. Ele: de Língua Portuguesa. Ela: de Dança. Por um momento, não entendeu. De dança? Está brincando! Ela confirmou e ainda disse que, no salão, estavam alguns alunos seus. Era Psicóloga, mas a sua paixão era a dança. Depois de estudar em uma academia, a convite do mestre tornou-se professora. Mais por amor do que por necessidade.
Ele, na sua surpresa, disse que não entendia por que o chamou para o salão. Não havia maior explicação, ela disse. Viu que ele estava sozinho, curtindo a música, por impulso se aproximou. Quando ele disse que não sabia dançar, não foi a professora que o convidou, mas, sim, uma pessoa que sentiu empatia por outra. Fim do papo e da cerveja, ele propôs: Vamos dançar? Ela sorriu: sim! No mesmo passo, certo? Sim. E a noite ficou pequena.
Dia seguinte, acordou, levantou-se da cama, colocou o cd do Severino Araújo e ensaiou durante um tempo o ˜dois pra lá, dois pra cá˜. Isso se repetiu até sexta-feira. Depois da aula, como combinado com a parceira, dirigiu-se à gafieira. Ela o esperava do lado de fora, junto com outros dançarinos. Estranhou, até que viu, colado na porta, um pequeno cartaz: Fechada por tempo indeterminado. Muita tristeza de todos. Ninguém entendia o motivo. Alguns falavam em dívidas de aluguel.
Procurou se recompor e não se deu por vencido: havia gravado no celular a Orquestra Tabajara. Colocou o som e tirou Maria Lúcia pra dançar. Foram seguidos pelos outros dançarinos e a calçada recebeu um dos melhores bailes da gafieira. Ele ainda ouviu dela, baixinho: Amo você!
Estão juntos até hoje.
CD Roda de Samba do Bip Bip
Mariozinho Lago, na Spotfy.
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