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Foto do escritorLéo Viana

UNIVERSITÁRIA


O desembarque na rodoviária correu sem transtornos. Pouca bagagem e uma imensa vontade de aproveitar os ares – poluídos, é fato – da cidade grande. Sair do interior, em qualquer parte do mundo, pode revelar muitas surpresas. Verdade que no mundo pós-virtual, quase tudo já se sabe, ou ao menos se imagina com fortes doses de realidade, antes de se conhecer. Mas a experiência real ainda não foi superada pelas virtualidades. E isso se aplica de maneira visceral quando se trata do Rio de Janeiro.


A Cidade Maravilhosa sofrera como poucas o desgaste do tempo. Governos catastróficos, intervenções equivocadas, intempéries, desleixo e agressividade da própria população, esvaziamento econômico, violência urbana e mais uma meia dúzia de pragas deixaram um rastro de destruição que talvez necessitasse de uns dois Planos Marshall.


Aos poucos, mesmo a classe média, que se segurava como podia e mantinha um certo apego à tradição e aos costumes da corte, foi perdendo as esperanças de melhora e se apegando ao Galeão como saída. Levas e levas juntaram as moedas pra tentar a sorte em Portugal ou nos estados ensolarados do Nordeste, quando não na Manchester Paulistana ou em qualquer lugar onde se pudesse viver com um risco menor de ser atingido por um projetil sem endereço do destinatário, aqui familiarmente, quase amigavelmente, conhecido como bala perdida. Sem endereço do destinatário, porque o remetente em geral pertence a um dos três grupos interrelacionados e que enviam esse tipo de correspondência: milícia, bandidos e polícia.


Mas tergiversando assim acabamos perdendo o fio da meada. O desembarque foi tranquilo. “A ignorância é uma benção”, muita gente diz. E Lisete desceu na rodoviária com a aura radiante dos ignorantes felizes.

Nunca havia visto tanta gente junta de uma só vez, salvo pela televisão ou computador. Mocinha tranquila do interior, desde muito cedo se dedicara ao trabalho e aos estudos. Sonhava tornar-se dentista desde a primeira visita à Dra. Vanda, que atendia desde tempos imemoriais na cidadezinha da divisa de Minas Gerais, de onde ela vinha.