top of page

Um Brasil inaceitável!



Suzana Padua (Este artigo reflete minha opinião pessoal e não a de qualquer instituição da qual eu faça parte). Acho que vivo mesmo num mundo ilusório e com esperanças infundadas, mesmo que me recuse a abrir mão delas. Meu último artigo para o portal Criativos foi sobre amor (como forma de trazer ao planeta um senso de valorização à vida) e desamor (caracterizado por tudo o que é desarmônico e contra o que é ético, belo e baseado na paz). Minha conclusão foi de que falta amor, e essa talvez seja a maior razão das colheitas amargas de nossos plantios irresponsáveis e egoístas. Os atos de vandalismo desmedido do dia 08/01/2023 foram a prova cabal desse desamor a que me refiro. O Brasil, talvez como tudo nessa vida, tem vários lados: o do acolhimento e alegria, do belo, do gingado do samba, da MPB, do Carnaval e de tantos outros estilos musicais nacionais, das festas folclóricas, dos regionalismos tão ricos e com tantas qualidades que encantam. Mas, tem também crueldades revoltantes como o racismo estruturado, as desigualdades sociais, o maltrato às minorias, o trabalho infantil ou aquele análogo à escravidão, com a presença de “coronéis” que se colocam acima dos que só obedecem, a miséria, ou mesmo páginas vergonhosas da nossa história como a própria escravatura e torturas em regimes ditatoriais opressivos. São muitas as páginas que mereceriam ser rasgadas se pudéssemos voltar atrás e reescrevê-las diferentemente. Mas a imagem estereotipada do Brasil sempre foi a de um país de gente hospitaleira, atmosfera aconchegante e natureza exuberante. Na verdade, essas diferenças entre aspectos bons e ruins são como um pêndulo, com infinitas gradações entre os extremos.

Ouça o melhor da música brasileira, nesta playlist do Youtube, grátis.

Quando nos deparamos com o que há de mais sombrio, como foi o dia das terríveis manifestações, levamos um susto, como se estivéssemos mergulhados em um pesadelo. O ódio dos agressores depredando bens públicos que pertencem à União (isso quer dizer a você e a mim), o desrespeito à arte, à cultura e a desconexão com qualquer senso de civilidade, me doeu profundamente. Levo susto em situações como essas que deflagram o quão involuído é o ser humano, capaz de despejar suas raivas e frustrações, agredindo tudo o que encontra à sua frente em nome de causas que provavelmente nem conseguem definir com precisão. Mas é o ódio que me chama mais atenção. E não importa de que lado estejam ou de quais ideias defendam, atitudes como essas, desvairadas e destrutivas são inaceitáveis! Como alguém pode achar que vai construir algo de bom num clima de vingança, raiva e terror? Ou será que quem agride é tão tosco que nem sabe o que seja bom e a que veio a esse mundo? Quem trabalha em prol de alguma causa socioambiental parece nadar contra a corrente, com ondas e fluxos distintos dependendo dos contextos e desafios encontrados. Estão, em geral, em um lado do pêndulo de dificuldades, desarmonias e tristezas querendo impulsionar a força para o lado oposto, com esperança em resolver os problemas com os quais trabalhem. Se nutrem de pequenas conquistas que fazem diferença para o atingimento das metas desejadas. Estou me referindo, por exemplo, a empreendedores socioambientais que muitas vezes fundam ou se juntam a organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, movidas por alguma causa que lhes estimula a sair da inércia. Mas, mesmo com todo empenho, paixão e profissionalismo que muitos adquirem, os resultados são relativamente limitados frente aos enormes desafios que querem sanar, pois o ideal seria que muitas dessas questões fossem levadas adiante por políticas públicas bem implementadas, cujas ações ficam comumente aquém das necessidades. Exemplos podem ser encontrados em instituições que apoiam os empreendedores como Ashoka, com mais de 3800 “fellows”, como são chamados, espalhados pelo mundo, dos quais quase 400 estão no Brasil, AVINA, ou os Empreendedores Sociais da Folha de São Paulo e Fundação Schwab, além de muitas outras organizações que apoiam iniciativas transformadoras no Brasil e no mundo.

Escute esta playlist "samba-choro", no Spotify.

Há também uma revolução no setor privado, com mais e mais empresas assumindo responsabilidades sociais e ambientais, ou por acreditarem na importância de contribuírem para melhorias locais ou planetárias, ou para responderem às crescentes exigências de consumidores conscientes que agora optam por produções sustentáveis e justas. O pêndulo aqui também se impulsiona a mudanças que podem representar ganhos além dos financeiros. Mesmo que iniciativas individuais sejam dignas de aplausos e reconhecimento público, os desafios nacionais e mundiais têm crescido num ritmo avassalador. A realidade do Brasil e do mundo mostra perdas irrecuperáveis como desigualdades, injustiças sociais e acentuada acumulação de riquezas, além de desmatamento e degradação ambiental e perdas irremediáveis da biodiversidade com inúmeros casos de extinção de espécies e riscos decorrentes das mudanças climáticas. Precisaríamos ter instituições e empresas com pessoas apaixonadas por causas diversas que melhorassem o mundo em proporções inimagináveis. Mas se refletirmos com mais cuidado, observamos que se essas instituições foram criadas é porque houve e há a necessidade de elas existirem. Há desamor em todos esses temas destrutivos mencionados e em muitos outros. No campo político, os últimos anos têm se caracterizado por acirramentos de opiniões e fanatismos nas escolhas de que lado cada um se posiciona. O fatídico domingo (08/01/2023) ficará para a história como uma das páginas que mereceriam desaparecer. Mostrou uma faceta apavorante do ser humano, capaz de vandalizar, se posicionando como heróis ou heroínas. Como alguém entra em prédios públicos para depredar tudo, desde obras de arte, mobiliário, equipamentos, documentos? Como pode sentir orgulho em urinar e defecar para deixar sua marca no local agredido? O que sente o agressor ao pegar um pedaço de pau para quebrar e destruir o que encontra à sua frente, antes inteiro e que não lhe pertence? Quanta maldade tem em alguém que ataca um cavalo a ponto de machuca-lo seriamente? Quais as frustrações internas que levam alguém a cometer crimes como esses? Quem permitiu que isso acontecesse e quem foi submisso aos mandantes de tamanha barbárie e por quê? O ódio do agressor deve ser parecido com o que sente quem permite que algo assim aconteça, mas que se abstém de pegar nas armas do crime. “Perdeu, Mané”, como vi em muitos memes que recebi, não deixa de ter um forte significado. Não aceitar os resultados das urnas é querer um atalho nada democrático para a vitória. Se quer voltar ao poder, que trabalhe durante os próximos quatro anos para se eleger com base na justiça constitucional. Mas, provocar uma demolição não só dos bens materiais, mas da moral democrática do país é, no mínimo, insano e revoltante. A impressão que deu foi de um surto coletivo contagioso – como uma Covid mental. O que estamos fazendo errado? Creio que tudo! Vale a reflexão do que precisa ser feito para mudarmos a humanidade! Parece uma brincadeira para lá de pretenciosa, mas para mim fica cada vez mais claro que a essência de todas essas questões está em nossa capacidade, ou melhor, incapacidade de amar a vida, que vai muito além do “meu”, do que é bom para mim. Que a violência recente que presenciamos sirva para refletirmos sobre o que precisamos mudar para que algo tão terrível como foi este e outros parecidos de menor teor, não mais aconteçam. O desamor se escancarou sem qualquer pudor.


Muita música boa nesta playlist do Youtube!


Esse ímpeto destrutivo que está no interior das pessoas precisa ser extirpado. É imperativo que haja uma revolução em nossa forma de ser, de educar, de nos relacionarmos com a vida, para cultivarmos respeito, empatia e cuidado com outras pessoas e com tudo o que nos cerca. Talvez precisemos nos ater ao que leva o ser humano a se tornar melhor e mais consciente de seu papel, e o que o faz se comportar como fora de qualquer parâmetro de sanidade. Quais os aspectos psicológicos que geram agressões como essas, e que cuidados precisamos ter para evitar que frustrações acirradas individuais levem ao ódio coletivo, como o explicitado no vandalismo recente. Temos muito a fazer, mas questionar o que ocorreu e refletir sobre quem somos nós nesse mundo desajustado, pode ser decisivo para iniciarmos uma transformação que traga benefícios para todos e amor pela vida em geral. O pêndulo precisa mudar de lado urgentemente em direção ao respeito e ao amor! Precisamos construir um Brasil que nos orgulhe, um Brasil do qual queremos fazer parte! Como uma das mais significativas peças destruídas foi um quadro de Di Cavalcanti que levou muitas facadas que estão sendo sentidas por todos os brasileiros que compreendem seu valor e a insanidade dessa agressão, reproduzo a seguir um poema de Vinícius de Moraes endereçado a esse mestre da arte, por ocasião do regime militar no país. As semelhanças de sentimentos chagam a assustar.

AMIGO DI CAVALCANTI... Vinícius de Moraes A hora é grave e inconstante. Tudo aquilo que prezamos O povo, a arte, a cultura Vemos sendo desfigurado Pelos homens do passado Que por terror ao futuro Optaram pela tortura. Poeta Di Cavalcanti Nossas coisas bem-amadas Neste mesmo exato instante Estão sendo desfiguradas. Hay que luchar, Cavalcanti Como diria Neruda. Por isso, pinta, pintor Pinta, pinta, pinta, pinta Pinta o ódio e pinta o amor Com o sangue de tua tinta Pinta as mulheres de cor Na sua desgraça distinta Pinta o fruto e pinta a flor Pinta tudo que não minta Pinta o riso e pinta a dor Pinta sem abstracionismo Pinta a Vida, pintador No teu mágico realismo!

 

Música e Cultura



 


Plataforma musical reune artistas, compositores e usuários comerciais de música, como TV, publicidade, rádios e internet para pesquisar, escutar e licenciar obras certificadas para trilhas sonoras diversas. Qualquer um pode abrir um perfil apenas com nome e e-mail.


Veja como funciona.


Trilhas sonoras que podem ser licenciadas a partir de $ 9 reais, para videos em redes sociais!

Abra agora um perfil na Cedro Rosa Digital.



 

Música.


Escuta a playlist de música brasileira no Youtube.



+ Confira também

destaques

Essa Semana

bottom of page