SEM CURA
No tratado De Amore, escrito no século XII, Andreas Capellanus, provavelmente francês e provavelmente nascido em 1150 e falecido em 1220, descreve a paixão como uma doença.
Por volta de 1591-95, William Shakespeare (1564-1616)deu forma a Romeu e Julieta, os amantes adolescentes de Verona que, no fim da história, ao invés de serem felizes para sempre, morrem pela paixão.
Alguns séculos antes, Constantino, o Africano, médico no Império Romano , quando ainda se acreditava que a vida saudável era o resultado do equilíbrio dos quatro humores corporais (sangue, catarro, bílis amarela e bílis negra), vaticinou que a paixão era proveniente do excesso de bílis negra e isso era fatal.
Na escola recente, especialmente nas aulas de literatura, ouvimos muito sobre a tuberculose e sua estranha preferência por escritores – de poesia ou prosa – do romantismo. Levou poetas de outros gêneros, inclusive. Sinhô em 1930, Noel Rosa em 1937 e Beto Sem Braço, em1993 foram vítimas da doença. Vivessem na idade média ou no romantismo e a tuberculose que os matou teria sido associada à paixão.
O Andrezinho, do morro do Macaco Prego, não sabia nada disso. Nem a parte da escola e dos românticos. Não ficou tempo suficiente lá para que chegasse até a literatura. Era um excluído da educação formal. Por razões diversas, ainda que a educação tenha se universalizado sob o ponto de vista institucional, há ainda bolsões de analfabetismo e exclusão que desafiam os números oficiais.
O Andrezinho era um desses números não contados. Assinava o nome. Aprendeu em casa. E era tinhoso. Deu pro mal. Ainda era moleque quando se descobriu mais forte e ágil que os outros. E fez muito uso disso. Subjugava na força os outros moleques da favela pra que lhe fizessem as vontades. No tráfico, já adolescente, teve dificuldades porque não sabia ler. Mas era mais inteligente do que se podia imaginar. Aceitou se submeter à hierarquia de modo surpreendentemente passivo.
A garotada do mesmo tope estranhou. Era brabo, mas de repente passou a aceitar esporro e cascudo. Ledo engano. Era estratégia. Antes dos 18 anos era o “frente” do morro. Inclusive depois da morte suspeita de três figuras do primeiro escalão do negócio. O Andrezinho nunca foi formalmente acusado no morro, mas há quem não tenha dúvidas. Dúvidas, não, mas medo, sim.
Aos vinte, soberano, decidiu passear fora do morro. Até então, tinha sido praticamente um monge enclausurado.
Conhecia cada pequeno canto da favela, casa viela, beco, barraco, laje. Mas nunca tinha saído de lá. Era um personagem dos mais estranhos. Lidava com altas somas de dinheiro da droga, comandava um pequeno império, mas não conhecia outros.
O morro era relativamente pacífico. A polícia não subia e a logística difícil desestimulada tentativas de domínio por outros grupos. Andrezinho até então desconhecia inimigos. Havia o risco de traição, que ele também talvez conhecesse bem – não há dúvidas, há medo... – mas ele mesmo nunca tinha sofrido uma. Não se interessava por mulheres ou prazeres outros. Não tinha vícios. Gostava de suas armas, via jogos de futebol na televisão e reinava. Reinar era o seu passatempo preferido. Mandava, resolvia problemas de maneira salomônica, mesmo sem saber quem tinha sido Salomão.
Eventualmente mandava buscar coisas para a comunidade. Não importava a origem. Queria os produtos e mandava pagar por eles. Não queria a polícia lá. Sempre funcionou. Mas chegara a hora de ver o mundo lá fora de perto.
Sua cara não era conhecida fora do morro. Poderia, teoricamente, andar sem os disfarces que alguém tinha sugerido. Havia sempre o risco de a polícia ter alguma foto, mas não acreditava nisso. Mandou buscar roupa normal. Não ia sair com cordões de ouro ou roupas quechamassem a atenção de quem os visse na rua. Iria acompanhado, claro, mas sem armas ou ostentação. Três no máximo. Quatro já ia parecer quadrilha. Normalidade máxima era o que desejava. Passar despercebido na multidão. Entrar num shopping, eventualmente num cinema, em lojas de rua, tomar café numa padaria. Prazeres mundanos dos quais ouvira falar ou vira na TV sem nunca ter podido experimentar.
A expedição, quase um safári, corria sem sustos. Andrezinho não manifestava surpresa diante das coisas. Não era de sentimentos intensos, mas sim, se surpreendia com a descoberta de detalhes que nem sempre a TV revelava. Os detalhes das construções, as cores vivas – ou meio mortas, acontece – da cidade.
Foi à padaria. Não era das mais chiques. Nem precisava ser. Tomou café com pão na chapa, pediu uma fatia de queijo. Gostou, mas devia continuar. Os outros dois amigos eram mais descolados, conheciam tudo. Levaram o Andrezinho pra conhecer o shopping.
Todo mundo comportado, bermudas novas, camisetas discretas, cabelos penteados sem extravagância. Passariam até por militares, tranquilamente, pra quem olhasse muito.
Mal tinham entrado na segunda loja, depois de terem visto calças que interessavam a eles, quando aconteceu. Dinheiro não era problema. Um deles tinha até cartão de crédito.
Andrezinho sabia como funcionava, mas não queria relação com banco, loja, nada. Ia comprar, mas sem “intimidade”. Por absoluta decisão do destino não era agressivo como se espera de quem tem história como a dele. Deu pro mal, como se diz, mas não era um monstro aparente. Ou talvez nem fosse um monstro. Ao menos não aos olhos de quem o olhava.
Aconteceu que, na loja, viu a Camila. Não sabia quem era Camila, apesar do crachá ostensivo. Não sabia ler. Mas a Camila era a forma de vida mais linda que ele jamais tinha visto. Na favela havia mulheres bonitas. Essa nunca foi uma prioridade na observação dele. A busca por uma posição de destaque na organização do tráfico, conseguida com trabalho duro, submissão às regras e dizem, alguma violência, não se relacionava com intenções de natureza patriarcal. Não tencionava tornar-se um Emir cheio de mulheres, um Sultão rodeado de odaliscas. Queria paz e domínio sobre a comunidade, só isso.
Havia até quem o imaginasse assexuado. Faltava coragem pra dizerem isso a ele, mas houve quem pensasse. O fato e que se manteve à margem desse tipo de prazer carnal até chegar à idade adulta. Não por falta de sugestões para que fosse a estabelecimentos destinados a prestar esse tipo de serviço. Ou que profissionais o atendessem dentro da favela, hipótese sugerida pelos mesmos parceiros da expedição urbana que faziam agora. Os mais chegados dentre todos. Sempre rechaçou as ideias. Talvez temesse, talvez não se interessasse mesmo.
Diante de seus olhos agora, estava a Camila.
Andrezinho era de comunicação objetiva. Jamais teve vergonha de suas limitações e era tratado como um rei na favela. Perspicaz, sabia que não poderia se comportar ali como no morro. Mas não sabia como fazer. Olhar fixamente para ela não seria uma estratégia interessante, porque despertaria suspeitas e criaria constrangimento. Os amigos perceberam. Compraram as calças que interessavam. Mais duas ou três camisetas, pretexto pravisita à loja durar mais um pouco. Andrezinho silenciara, dava sorrisos pálidos e eventuais quando seu olhar cruzava com o de Camila, mas não foi ostensivo.
Da loja, foram ao cinema. Ainda não tinha anoitecido quando reentraram na Favela.
Os dias seguintes foram de estranhas mudanças. Andrezinho andava triste, cabisbaixo e pouco assertivo. Num lapso de descuido, deixou de conferir uma carga com a a precisão habitual. Provocou a ira de ex-parceiros. Entrou numa disputa sangrenta com um grupo rival dafavela vizinha e com elementos da milícia que já rondavam sua área, mas ainda sem coragem pra tentar alguma coisa contra o seu domínio, tão sólido até ali.
Chamou pra uma conversa os amigos chegados. Não conseguia parar de pensar em Camila. Não sabia nada sobre ela, mas sua imagem tinha se fixado em sua cabeça, a ponto de não dar importância a mais nada. Emagrecera mais, estava desatento, não comia direito. Não pediu nada. Talvez um pouco de paciência.
Em poucos meses, uma tosse forte o atacou. Mais poderosa que o armamento dos inimigos.
A última hemoptise pegou Andrezinho num beco, dando ordens sobre a distribuição da carga recém-chegada. Morreu sem socorro e sem Camila.
E nem chegou a conhecer literatura.
Rio de Janeiro, Julho de 2024.
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Exemplos de países líderes em incentivos fiscais culturais
Estados Unidos: Nos EUA, diversos estados competem para atrair produções oferecendo generosos incentivos fiscais. A Califórnia e a Geórgia são exemplos notáveis, com créditos fiscais que podem chegar a 30% dos custos de produção. Isso tem atraído grandes produções de Hollywood, como séries da Netflix e filmes da Marvel.
Reino Unido: O Reino Unido também é um grande player no campo dos incentivos fiscais. Oferece até 25% de reembolso nos custos de produção, o que tem atraído produções icônicas como a série "Game of Thrones" e filmes da franquia "James Bond".
Canadá: O Canadá é conhecido por suas políticas favoráveis, com créditos fiscais federais e provinciais que podem totalizar até 45% dos custos de produção. Toronto e Vancouver são destinos populares para produções americanas.
França: A França oferece um crédito fiscal de 30% para produções estrangeiras, incentivando a filmagem de produções internacionais no país. Este incentivo tem sido um fator crucial na decisão de filmar grandes produções em cenários icônicos franceses.
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Referências:
Tax Credits for Filming in California
UK Film Tax Relief
Canadian Film or Video Production Tax Credit
France’s Tax Rebate for International Production
Essa matéria apresenta uma visão abrangente de como os incentivos fiscais têm sido usados globalmente para promover a cultura, com um foco especial na inovação da Cedro Rosa Digital no Brasil.
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