REFLEXÃO DE COR
O governo que terminou há pouco escancarou muita coisa que sempre subsistiu, no Brasil, sob diversas camadas de tapetes. Persas ou de retalhos, como aqueles que quase todo brasileiro teve em casa um dia. Capachos de borracha ou de sisal, toalhas de chão de banheiro ou mantas de couro, o fato é que nossa história recente foi construída em grande parte encoberta por variadas espessuras de revestimentos capazes de esconder ou maquiar fatos ao ponto de redirecionar narrativas (palavrinha gasta…) de um modo cujo ineditismo só descobrimos depois. Se houve algum mérito nos anos de máfia/milícia que acabamos de atravessar, deve ser esse.
A tal frase atribuída ao Tim Maia, que dá conta de que há coisas muito particulares que só ocorrem no Brasil (o cafetão que se apaixona, a prostituta que goza, o pobre de direita, etc), pode até não fazer tanto sentido quanto tem de efeito e sonoridade, pode ser que essas coisas ocorram em outros lugares, mas aqui é tudo com os requintes de esquisitice e cara de pau típicos da nossa elite, que por ação ou inação é sempre a indutora dos comportamentos mais estranhos.
O governo findo daria uma série grotesca de absurdos nossos, com o diplomata isolacionista, os ministros da educação variando de analfabeto funcional a ladrão, o destruidor do ambiente, a beata da goiabeira corresponsável pelo genocídio yanomami, o teatrólogo nazista, etc, etc, mas vou destacar aqui o capitão do mato que assumiu a Fundação Palmares, o preto mais asquerosamente elitista e descolado de seu próprio passado que jamais houve. Além do ostracismo a que foi relegado com a derrota na eleição (hahahahahahahahaha!), teve de assistir à reconstrução da Fundação, em bases efetivamente comprometidas com o seu objetivo, o retorno dos heróis negros de nosso tempo às paredes e arquivos e o protagonismo daqueles que, ao contrário dele, construíram juntos a história brasileira dos povos sequestrados na África para servir aos senhores a quem ele deve tanta fidelidade.
Num dia de fúria, tempos atrás, respondi a uma postagem dele (não vou citar o nome de ninguém ligado àquela turba de salteadores, muito menos o dele!). Me arrependo um pouco, o que não é o suficiente para mudar de ideia. Mas ele veio com a conversa de vitimização, etc. Disse que gostava de música erudita, Paris, essas coisas e que não se colocaria no lugar que a “esquerda” queria delegar ao negro. Pois bem, eu com raiva perco um pouco os freios. Escrevi assim:
“Tenho muita vontade de dizer, na lata, pra esse babaca, que eu estudei em universidade federal, vou a Paris quase todo ano há uns 15 anos, escuto jazz, Beethoven, Chico Buarque, Luiz Carlos da Vila, Dona Ivone Lara, Mozart, Aldir Blanc, Pixinguinha, Gilberto Gil, Cole Porter, Scott Joplin, Hamilton de Holanda. Fui à África só de passagem, mas quero muito ir e ficar um pouco, fui a Cuba mais de uma vez, fui à China até. Sou de esquerda e fico mais radical cada vez que leio ou ouço imbecilidades como as que ele vomita. Não sou do funk, mas respeito quem é. Também não sou da capoeira, mas eles têm o meu respeito. Ambos estão pelo mundo, muito mais que ele. Ouvi funk no réveillon em Portugal e conheci grupos de capoeira em praticamente toda a Europa Ocidental, incluindo os países nórdicos.
Ser de esquerda é defender o melhor pra todos e não para uma minoria. Me orgulho de ser negro e de, tendo ascendido à classe média, poder ajudar a mais gente de origem pobre a conquistar o mundo e a cidadania. Frequento os grandes museus, leio os grandes pensadores, não vejo nenhuma surpresa nisso. Li Kafka quando era mais novo. Foi apresentado agora? Por quem? Carluxo? Sai pra lá. Leio muito os periféricos, que tem grandes histórias pra contar. Toco cavaquinho em botequim e confraternizo com gente de esquerda que quer o melhor pra todos também. Não me envergonho de nada que tenha feito e quero, sim, a cada dia, a valorização do negro na sociedade que ele ajudou a construir contra a vontade, tendo sido arrastado da África pra cá sem qualquer compensação histórica. Sei o quanto ralei e dei sorte. Quero que as futuras gerações ralem menos pra chegar nas posições intermediárias, como as que conquistei.
Tenho vergonha é de gente como você, que faz o papel de cão de guarda de uma elite que nunca vai te convidar pra festa! Na hora, você dormirá no quintal!! Babaca!!”
Não gosto de escrever palavrões. Eles atingem o auge do seu vigor na língua falada, na expressão oral carregada de significados visíveis, na expressão do rosto, mas não consegui me controlar.
Sou negro, como a foto aí em cima evidencia. Ter nascido na periferia, na velha São João de Meriti dos anos 60, me colocou na cara do gol da vida, da diversidade, da luta por dias melhores para todos. Uma luta eivada de desigualdades de todo tipo, que se construiu em situações como o transporte para a escola e depois para o trabalho longe de casa, num tempo em que a ditadura agonizava, mas não tínhamos ainda os avanços civilizatórios da Constituição de 1988. E no qual a necessidade exigia esforços que, normais na época, não me pareceriam razoáveis hoje.
Subi por muitas portas de serviço e fui muitas vezes parado pela polícia, sem maiores consequências. Criança ainda, achava normal. Minha percepção só mudou com a entrada na universidade, o que trouxe outras responsabilidades junto. Hoje, com a maturidade e os óculos, diminuiu muito aquela sensação de que a pessoa que cruza sozinha por mim na rua tem certeza de eu vou assaltá-la. Senti isso muitas vezes e deu pra notar até a leve decepção dele ou dela diante da minha indiferença. De uns tempos pra cá, ajudado pelo conhecimento e por um alto nível de sarcasmo e raiva diante da infâmia, já fui capaz mesmo de falar em outra língua no avião pra dificultar a comunicação com gente esnobe e sem consciência de classe.
Meus piores adversários hipotéticos, no entanto, seguem sendo os negros que minimizam a condição a que fomos submetidos por quase 400 anos na história do Brasil, especialmente se portadores do instrumental de conhecimento fornecido pela educação formal. Não tenho, a priori, nada contra os brancos meus contemporâneos, obviamente, salvo as exceções de praxe. Mas me agonia – e vai me agoniar sempre – que negros não entendam o seu lugar na história, como o abjeto personagem a quem respondi num dia ruim. Um dia em que provavelmente houve morte negra em favela, racismo explícito nas ruas e a exclusão cotidiana.
As almas que chegaram pelo Valongo não merecem herdeiros como ele.
Salve Zumbi! Salve João Candido! Salve Machado de Assis! Salve Carolina Maria de Jesus! Salve Marielle Franco! Salve Dona Ivone Lara, Clementina, Candeia, Cartola, Nelson Cavaquinho, Wilson Moreira, Padeirinho, Geraldo Pereira, Wilson Batista, Mãe Menininha, André e Antônio Rebouças e toda a numerosa lista de negros e negras de ontem e de hoje que ajudam a tornar o Brasil grande.
E mamãe me ensinou a não abaixar a cabeça pra ninguém!!!
Foi um desabafo!
Rio de Janeiro, abril de 2023.
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Parabéns Léo, os palavrões até q saíram barato, e apesar de estar na outra raça concordo em gênero, número e grau.
Lazlo Macedo