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Foto do escritorLais Amaral Jr.

Que música você quer ouvir?Folhetim quinzenal em 7 capítulos




Capítulo 5


Naquela manhã, apesar de levemente nostálgico, Benjamim

resistiu à tentação de colocar para rodar na vitrola algo dolorido. Logo

o radialista chegaria e não deveria ser contaminado pela alma

cinzenta dos outros e repassar a tristeza para a população via

noticiários. Não. Um Ernesto Nazareth sacudido fizera bem à cidade,

pensou ele, e colocou a agulha sobre um oportuno Waldir Azevedo.

‘Carioquinha’ invadiu o ambiente justo quando o radialista no seu

passo lento chegara em frente ao sobradinho amarelo. Benjamim teve

a certeza do dever cumprido ao ver o radialista, frisado pela

veneziana, ensaiar uns passos marotos na calçada e seguir feliz,

assobiando.


Pouco depois nosso herói saiu para tomar seu café na rua. No

Chico Francisco pediu um pão canoa com ovo e uma média, meio a

meio. Enquanto saboreava seu desjejum ouvia a conversa

circunvizinha, no minúsculo estabelecimento. Um cidadão de voz

áspera comentava de forma agressiva, uma manifestação que

ocorrera na tarde passada no Calçadão. “Esses comunistas acham

que podem ir pra rua pedir liberdade para um ladrão!”. Alguém

rebateu: “Democracia é isso. Direito de manifestação”. E o cidadão,

agora já com uma intolerância truculenta vociferou: “democracia é o

escambau. Eles que se mudem pra Cuba. Ou para a China. Aqui,

não!”.


Benjamim não ouviu mais nada. Involuntariamente, seu

equipamento auditivo natural, desligou-se do ambiente. Passou a ouvir

os sons da memória. Nessa autodefesa involuntária lembrava e


praticamente ouvia nitidamente as palavras da amiga Maria Severa,

ditas de forma pausada e tão cheias de uma certeza incômoda.

“Amigo, os tempos são outros. Piores do que todos os outros tempos

ruins que você conheceu. Aquele fantasma que rondou por Espanha,

Portugal, Itália e Alemanha, logicamente, está aí, a andar lépido pelas

ruas. Essa gente não aceita os diferentes, não toleram imperfeições

como pobres, negros, indígenas, nem pessoas com deficiência. E nem

quem gosta de Chorinhos”.


Benjamim caminhou a esmo pelo bairro pensativo e remoendo

as palavras da amiga. Preocupado com a afirmação de que fascistas

não toleram quem gosta de Chorinhos, pensou no radialista. Os

aposentados estavam em suas cadeiras habituais, os pedintes a

esmolar e um jovem tocava clarineta, tentando dar cores mais vivas

ao dia e, estimular sorrisos nos passantes. Voltou a pensar no locutor.

Por certo ele já dera boas notícias. E caminhou de volta ao sobradinho

amarelo. Hora de ouvir notícias otimistas. Ao entrar, o chatíssimo mal

estar: a casa estava sem energia elétrica. Obras da concessionária

privatizada. Sem rádio, sem esperança. Sem boas notícias. E como

será o dia de amanhã?


“Amanhã vai ser outro dia

Amanhã vai ser outro dia

Hoje você é quem manda, falou, tá falado

Não tem discussão, não

A minha gente hoje anda

Falando de lado e olhando pro chão, viu?

Você que inventou esse estado

Que inventou de inventar toda a escuridão

Você que inventou o pecado

Esqueceu-se de inventar o perdão” (Apesar de você-Chico Buarque)


 

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