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Foto do escritorLuiz Inglês

“Podemos viver sem carne, mas se o bambu nos faltar, será o fim”


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“Podemos viver sem carne, mas se o bambu nos faltar, será o fim”


Confúcio sabia o que estava se referindo. Na Ásia o bambu é considerado uma dádiva dos deuses e o “ouro verde da floresta”.


Uma série de fatores fazem do bambu uma planta especialmente diferenciada. Por exemplo: o seu potencial de crescimento. Cresce mais rápido do que qualquer outra planta do planeta. Eu mesmo já anotei crescimento de 30cm num único dia, da espécie Phyllostachys aurea, conhecida como cana-da-Índia. A literatura menciona crescimentos ainda maiores de outras espécies: 80cm num único dia!


Forrós, xotes e baiões - ouça na Spotify.


Como só tem fibras longitudinais isto facilita este seu empuxo vertical para cima. E novamente, esta falta de fibras transversais, faz com que o bambu não cresça lateralmente. O diâmetro do broto já indica sua largura quando maduro.

Por ser ôco e leve, ele verga mas não quebra. Sua trama de rizomas subterrâneos pode ocupar mais de 100kms em apenas um hectare! Por isso é excelente para segurar barrancos e terremotos. São mais de 1.300 espécies divididas em apenas duas formas: monopodial e simpodial, ou bambus entouceirantes e alastrantes.


Todos estes conhecimentos me pegaram desprevenido, quando mudei do Rio de Janeiro para a Serra da Bocaina/SP. Comprei uma terra linda com rio de águas cristalinas que formam pequenas quedas d’água com seu ruído característico. Animais silvestres aos montes tais como tatús, teiús, quatis, gambás, onças suçuaranas, veados campeiros, porcos-espinho, caititus, tapitis, iraras, etc...


Ar puríssimo com noites extremamente calmas e auroras repletas com o canto dos passarinhos. Sabiás, tiês-sangue, coleirinhos, japuguaçús, beija-flores, sanhaços, tucanos, jacús, saracuras, canarinhos-da-terra e tantos outros.


Como não me maravilhar com tanta paz neste cenário idílico, depois de viver 3 décadas entre Rio e São Paulo dirigindo comerciais para a TV num frenezi louco para não romper a grade das emissoras? Atendendo diretores-de-arte geniais e redatores geniosos das maiores agências de publicidade, satisfazendo clientes de multinacionais, operando em diversas produtoras, já que, como free-lancer, era bastante requisitado o que me obrigava a viajar Brasil afora. Premiações como Clio Award e tantos outros premios Colunistas ou o 1º prêmio do SCFI de Los Angeles/CA embelezam minha parede mas não se comparam ao deslumbre que tive ao conhecer os bambus.


Uma paixão instantânea que perdura até hoje (e lá se vão mais de 20 anos!).


Acabei montando uma bambuzeria. Traduzindo: uma marcenaria de bambus. Bambuparque é o nome de minha pequena empresa. Li muito sobre o tema. Quando comecei não havia Internet e tinha que importar livros. Hoje tudo ficou mais fácil.


“O quê? Bambu? Você trabalha com bambu? É louco!”


Era só o que eu ouvia lá no início. E fui aprendendo e cada vez mais dominado por esta gramínea gigante. Nosso folclore diz que saci nasce dentro do bambu. Nossos índios afirmam que o primeiro homem veio dentro de um gomo de bambu, no caso, da taquara. Dele se fazem tanto instrumentos musicais como armas de guerra. Casas inteiras, como seus móveis. Sua polpa faz um papel difícil de rasgar por conta de suas longas fibras. Seu broto é alimentação e sua vara madura serve como ponte ou como andaime. São catalogados mais de 1.000 usos diferenciados para o bambu.


O I. A. C. (Instituto Agronômico de Campinas) fez várias pesquisas comprovando a alta produtividade do álcool combustível oriundo do bambu. E como não há necessidade de replantio - como na cana de açúcar - já que o bambu rebrota espontaneamente, anulando custos com a renovação do plantio da cana (quase sempre com a utilização do fogo) e com adubagem para o replantio.

Todavia, para a implantação deste novo conceito haverá, no início, grandes investimentos para adaptar as usinas atuais.


Outra característica de cair o queixo é sua floração. Os bambus dificilmente florescem. Tem espécies que o fazem de 30 em 30 anos. Outras só florescem de 60 em 60 anos. Algumas levam 120 anos para florescer. Por isso sua propagação é vegetativa. Mas quando floresce, todas as moitas que vieram daquela mesma matriz, mundo afora, morrem. Por exemplo, se em ilhas diferentes uma espécie de bambu começa a florescer, todos os bambus da mesma matriz, em todas as ilhas, também morrem.


Mas como é uma planta mágica, ela renasce!


Com toda esta sedução, este encantamento e este fascínio, me dedico de corpo e alma, aos bambus. Estudo cada vez mais e minha bambuzeria produz artefatos e objetos. Colhemos o bambu com 4 anos, quando está maduro. Depois ele vai para o depósito onde fica um ano secando à sombra e com ventilação. Com 5 anos então, está pronto para ser utilizado.


Cantoras maravilhosas. Ouça!



Desenho minhas produções. Às vezes adaptando o que já é feito em madeira, ou criando novidades partindo do zero.

A grande dificuldade é enfrentar a China e seus 5.000 anos de conhecimento do bambu. Os produtos chineses de bambu invadiram o mercado.


Mas, lembrei de uma coisa, que Homero Icaza Sánchez, conhecido como “El Brujo”, certa vez me disse. Na época - e isso faz muito tempo - ele trabalhava na maior rede de televisão brasileira. E num papo, onde discutíamos como enfrentar este conglomerado poderosíssimo, me disse: ”Você deve ser leve e ágil. A Poderosa é muito grande e lerda”.


E da mesma forma, a China precisa fabricar milhões de produtos para inundar o mercado mundial. E se utilizam dos laminados para fazer isso. Produzir produtos um a um é prejuízo. Por isso meu trabalho utiliza o bambu em sua forma natural: a vara redonda. Todos meus artefatos lidam com o bambu em sua forma inata. Desta forma evito a concorrência oriental.

Tenho dois funcionários que passaram a entender muito de bambu. Fizemos redes que exportamos para a Holanda. Hoje não mais, estava ficando caro a burocracia brasileira.

Fazemos bandejas, cadeiras, pinças e o que mais a imaginação criar.


O bambu é generoso, é maleável, é orgânico. Sou um homem feliz com este encontro.




Bananal, dezembro de 2021

Luiz Inglês



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