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O HERÓI



O herói fora convocado para uma missão inédita. Em algum lugar do Sul, num país conhecido por suas paisagens naturais, tinha acontecido uma tragédia. Ele, o herói, jamais tinha ido ao local e o confundia com outros de paisagens semelhantes. O aviso enviado pelo serviço secreto à sala de justiça era impreciso. Não tipificava perfeitamente o ocorrido. Não parecia se tratar de ataque alienígena, vulcão subterrâneo, tsunami ou de algum gênio do mal que subitamente tenha decidido destruir o mundo a partir de lá. As fotos e vídeos exibiam paisagens ensolaradas, florestas, grandes lavouras de soja e cana de açúcar. Uma calma aparente que não correspondia ao alarme.


Na viagem, que decidira fazer voando ao invés de usar o teletransporte, que seria obviamente mais rápido, instantâneo, mas não permitia tempo de reflexão, pensara muito sobre a vida de herói. Em seus primeiros tempos na Marvel, salvou o mundo inúmeras vezes, ora sozinho, ora acompanhado de outros heróis mais ou menos experientes que ele. Agora já bastante veterano, apesar da aparente imortalidade e da juventude permanente, assumira o departamento de assuntos externos e, pela primeira vez, deixara de defender New York, San Francisco, Chicago ou Los Angeles para partir em missão ao Brasil. Outra língua, outra percepção até dos próprios poderes. Em geral se valia do fato de voar e de resistir a projéteis de praticamente todo tipo e calibre, incluindo artilharia antiaérea, canhões e bombas comuns. A experiência com radioatividade também era positiva, apesar de sempre perigosa. Uma vez lamentou muito perder a vida de algumas pessoas por não ter tido tempo suficiente para salvar todas do efeito devastador de um vazamento de plutônio. O Brasil tinha a fama de ter muitas armas em poder da população, mas isso não parecia um problema sério para ele.


Pela primeira vez também, nessa longa carreira, viajava com tempo para refletir. Além da proximidade, as missões anteriores eram marcadas pela imprevisibilidade. Quando o anúncio chegava, o visitante extraterrestre já tinha destruído meia dúzia de arranha céus e pontes. Neste caso agora, havia uma aparente tranquilidqde, a mídia enviada com a convocação não fazia alarde de grande destruição ocorrida. A tragédia parecia menos impactante Não fosse ele um herói e desconfiaria de trote ou propaganda turística.


Chegou. Ainda no ar teve a certeza de haver entrado no espaço aéreo do Brasil ao ser alertado por uma torre de controle aparentemente bem aparelhada, visto que captaram mesmo o seu voo secreto, nunca antes detectado por equipamentos tidos como os mais avançados do mundo. A conversa informal do controlador deixava claro que ele era esperado e poderia escolher onde desceria. Lembrava que o país, pelo que tivera tempo de estudar, era enorme, quase do tamanho dos Estados Unidos. Ou até maior, se considerada apenas a área contínua sem o Alasca. Como escolher um local? Como um lugar desse tamanho mantém alguma unidade? Estranhou muito, mas tinha entrado pelo Norte e não se arriscaria naquela imensidão verde. Era herói, mas não correria riscos desnecessários.


Ouvira falar em coisas terríveis, cobras enormes, indígenas sanguinários, peixes assassinos. O cinema americano era uma fonte inesgotável de informação sobre tudo. A grande área de florestas foi aos poucos dando espaço a grandes áreas agrícolas e pecuárias. Visto de cima era tudo bem bonito. Estranhava a baixíssima densidade demográfica. O cinema americano também dizia que países pobres sempre tinham muita gente. Foi um pouco pra leste. Queria voltar a ver o mar. Não conhecia o Atlântico Sul. A velocidade supersônica não o impedia de curtir as paisagens. E ficou muito impressionado com o litoral. Cidades muito grandes apareceram em seu campo de visão, normalmente mais bem urbanizadas nas proximidades do mar e com periferias menos esteticamente ajeitadas à medida que se distanciavam para o interior. Algum fenômeno que não conhecia. Ah, os trópicos e suas estranhas formas de organização social.


Quando desceu no Rio de Janeiro, não se surpreendeu com a paisagem bonita. Conhecia de cartões postais. Assustou-se um pouco com a desigualdade, agora vista de perto. No caminho entre o aeroporto militar e o Centro da Cidade, por onde foi conduzido por um comboio festivo, que o saudava como a um herói, que verdadeiramente era, via muita gente desdentada e maltrapilha, que habitava casebres mal construídos e situados às margens de estradas barulhentas e poluídas ou de rios malcheirosos. A certa altura viu que os casebres também se espalhavam por locais elevados, para onde o transporte parecia bem difícil para quem não soubesse voar como ele. Mas havia, ainda assim, qualquer coisa de estranha e inexplicável naquela gente. Nunca tinha visto nada assim. Estava, é verdade, há muito tempo circunscrito às grandes e ricas cidades do Norte, mas enfim, as mazelas de lá não chegavam a tanto.


Era um herói. Não era cientista social. Não se ocuparia de analisar o contexto sócio-econômico da missão. Não teria tempo pra isso. Nem sequer tinha uma identidade secreta, como diversos outros. Era herói em tempo integral. Passava longo períodos sem salvar a humanidade, não se ocupava de pequenos feitos heroicos porque não tinha condição de dosar a força. Salvar gatinhos em postes ou ajudar velhinhas a atravessar a rua podiam resultar em grandes demolições, impactos muito maiores do que o previsto. O alarme que justificou a vinda ao Brasil, mesmo em sua falta de detalhes mais precisos, indicava alguma coisa grande. A triagem na sala de justiça sempre foi muito rigorosa e depois de tantos anos, se ainda não podia escolher exatamente onde iria trabalhar, ao menos já ocupava um cargo importante e só seria designado para missões verdadeiramente relevantes.


A certa altura da viagem, o comboio formado por caminhões e jipes militares estacionou e todos desceram. Entre rapapés pro herói e conversas entre os militares, que o herói se esforçava pra entender, ficou claro que ele deveria trocar de viatura.


Nunca tinha visto um carro alegórico! Ouvira falar de carnaval, mas não fazia ideia do que se tratava. Era um herói sério e pouco dado ao desfrute.

Foi içado contra a vontade ao posto de destaque mais alto na alegoria. Um assistente colocou em sua cabeça um estandarte de penas de pavão e miçangas. Sua roupa de herói, que incluía uma capa, braceletes dourados, calça legging e uma sunga de praia por sobre a calça, além das botas esportivas, não foi alterada. Alguém chegou a lhe dizer que estava lindo assim.

Entendia cada vez menos, quando um grande grupo de percussionistas começou uma violenta execução musical e todo o povo de um grande conjunto de arquibancadas lotadas começou a entoar uma canção rápida e quase hipnótica.

Pensou em fugir, poderia sair voando, mas aquilo era estranhamente bom. As pessoas acenavam, a música embalava corpos de todas as formas e aquela gente sorria e cantava como se não houvesse amanhã.


No final do desfile, tomou a primeira cerveja da vida. Sempre se preocupara em manter a distância para os humanos comuns, não se misturava. Ficou até o fim do carnaval, trocou a roupa e esticou as férias. Tá de namorada e morando num apartamento super simpático no Catete, com vista pro Jardim do Palácio.

Descobriu aos poucos que heróis não tem vida fácil aqui. E que os metidos a herói costumam terminar mal. Os superpoderes deles geralmente se baseiam em conversa fiada.

Ouviu falar de um do Sul, do Paraná, que fez coisas muito estranhas e já caiu em desgraça. Soube também de um outro, que conseguiu ir mais longe, disse que salvaria o Brasil, mas acabou responsável por mortes e desgraças enormes. Muita gente aguarda inclusive a captura dele em breve.


Decidiu ficar. Era um herói à moda antiga, voava e tinha força descomunal, velocidade astronômica, sentidos ultra apurados.

Não precisa de ajudante de ordens, não viaja à Arábia Saudita, não tem amigos militares e nem ambição política. De repente usa os poderes pra ajudar a construir escolas e livrar esse povo gente boa de novos heróis de ocasião.


Por enquanto, vai tomando uma cervejinha pra amenizar o calor que faz aqui.

A tragédia, parece, era muito maior do que ele jamais poderia imaginar, mas já tinha acontecido. E os locais lidam bem com as consequências.

Agora é mitigar os danos.

Rio de Janeiro, agosto de 2023.


 

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