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O GENERAL




A fama de durão do Pessoa precedia a sua entrada em qualquer unidade militar. General com passagem por diversos setores do exército, foi da infantaria para a inteligência no regime militar, onde conquistou, ainda tenente, o respeito dos superiores pelo sangue frio com o qual torturava subversivos ou quem ele resolvesse maltratar, a seu exclusivo critério. Impressionou Ustras e Fleuris com suas técnicas de obtenção de informações, não raro as últimas entregues pelos informantes, que não chegavam, em geral, a ter a oportunidade de dizer alguma outra coisa. Não gostava da ideia de que o reconhecessem no futuro. Preferia dar cabo logo dos infelizes. Os poucos que saíram vivos só conseguiram graças à intervenção de outros militares, mais piedosos.



Morava na Zona Sul, em frente ao mar do Leblon, beneficiado, pelo que se dizia a boca pequena, por falcatruas. Das muitas que aconteciam no antigo regime. Ninguém se atrevia a questionar o Pessoa. Se dizia mesmo que de “pessoa” ele não tinha quase nada. Era de pedra e não primava por alguma racionalidade no trato com os outros, esses sim, pessoas, no sentido mais amplo do termo.


O Macedo, ao contrário, era soldado temporário. Meio preguiçoso, sonhava em engajar (na Baixada, onde vivia, falavam enganjar) pra não precisar mais procurar emprego. Jogava bola e tinha um certo status de atleta, o que lhe garantia uma regalia ou outra, mas nada demais. No máximo um plantão a menos na quinzena, um bife a mais no rancho em caso de vitória sobre outro quartel ou, o prêmio mais desejado, uma folga a mais na semana, normalmente também vinculada a bons resultados esportivos.


Pois o time do batalhão logístico, onde servia o Macedo, ganhou a final da Copinha EMA (Exército, Marinha e Aeronáutica), disputada entre os quatro melhores times das diferentes unidades de cada força, num total de doze. A final foi contra outro time do exército, o da escola de sargentos, provisoriamente sob a direção do Pessoa. Não o time, mas a escola. O alto comando tinha decidido entregar a formação dos praças a um oficial da linha dura, da escola antiga. Isso nem vinha ao caso, mas o Pessoa  assistiu à partida próximo ao goleiro de seu próprio time e testemunhou os três gols do Macedo, dentre os cinco que o time levou, numa claríssima e muito merecida demonstração de quebra de hierarquia.


Macedo viu de perto, pela primeira vez, o comandante mais rigoroso da Vila Militar. A grande mecha branca nos cabelos artificialmente pretos era reconhecível de longe. Inconfundível.

O pretinho, magrelo como uma gazela, era endiabrado com a bola nos pés. O Pessoa não o elogiaria. Seria uma  manifestação de fair play incompatível com sua natureza. Naturalmente, passou a odiá-lo.


Viviam em universos quase antagônicos, não fosse a cor da farda. O Pessoa frequentava a alta roda. Não faltariam, no caso, as mesas de jogo e as casas de prostituição de luxo, onde uma parte dos ditos poderosos extravasam seus piores instintos. Conhecido frequentador desses locais, em vários deles mantinha suas próprias garrafas de uísques e a preferência por meninas recém chegadas, preferencialmente mais novas que a média, normalmente aparentando idade inferior aos dezoito. Não se exigia documentação. Era o tipo de negócio cujos frequentadores não permitiriam fiscalização.


Velhos sem escrúpulos , mas com dinheiro, gastavam em um dia o que o Macedo levava um mês pra receber no contracheque magro de recruta.


Quando ouvia falar do Pessoa era geralmente por alguma nova regra restritiva aplicada na escola de sargentos, que não ficava muito distante da unidade em que o Macedo era soldado. Além disso, já tinha ido jogar no campo deles, que era bem melhor que o do batalhão.

O futebol, no entanto, provocou um encontro improvável.


Num feriadão de folga, conquistado com uma de suas atuações brilhantes pela equipe do BLog, Macedo reforçou o time do bairro. E o domingo na várzea, sob o patrocínio de um político conservador e do supermercado que tinha depósitos na vizinhança, também foi de festa. Macedo levou o time à conquista de um torneio intermunicipal e foi com o time celebrar na segunda, véspera de feriado, num desconhecido endereço da Zona Sul, frequentado por executivos do tal supermercado, por políticos como o patrono do time e por outros da mesma estirpe.


Os meninos, desacostumados à brincadeira, antes almoçaram em uma churrascaria, foram à praia e, mais tarde, levados numa van de luxo com motorista uniformizado e outros rapapés que não conheciam, entraram na bela casa que destoava entre os prédios de luxo. O choque foi grande, mas fingiram costume ao ver o time de mulheres bonitas que, enfileiradas, deram as boas vindas aos craques da várzea. Seminuas, lançavam seus melhores olhares aos jovens, bem diferentes do perfil dos frequentadores típicos. Atléticos, a maioria negros, em nada lembravam os ricos decadentes que, dia após dia, usufruíam dos prazeres proibidos que a casa e suas meninas ofereciam.


As meninas se animaram e, sabendo que os meninos teriam direito a uma tarde all inclusive, trataram de agradá-los. Sabiam, eles e elas, que aquilo provavelmente jamais se repetiria. O custo proibitivo e a distância fisica e social que os separava daquele universo eram barreiras quase intransponíveis. Alguns jamais tinham ido à Zona Sul. Não se tornariam jogadores profissionais. A maioria já tinha mais de vinte anos. O Macedo, dos mais novos, já tinha completado dezenove e seu foco era conseguir ficar o máximo de tempo no exército.

Não era hora pra muita reflexão. Em pouco, depois de umas cervejas e de doses de bebidas das quais a maior parte deles sequer ouvira falar, espalharam-se pelos quartos, acompanhados cada um de uma das moças.


O Macedo, novo e tímido, foi conduzido por uma mocinha com cara de interiorana para um quarto mais reservado, distante dos outros. Foi anunciado como o craque do time e fez jus ao tratamento diferenciado.


Ouvia assustado sons de gemidos que não diferenciava se eram de dor ou prazer. Não se sentia confortável no ambiente que desconhecia. Não gostava da ideia de estar ali, mas se deixou conduzir.


Ouviu um grito mais forte e olhou por uma fresta de porta entreaberta o suficiente pra reconhecer o General Pessoa e sua mecha branca, de pé em frente a um espelho enorme, com uma cenoura enfiada no traseiro e orelhas de coelho, sendo chicoteado por uma morena.


A imagem foi forte demais para aqueles olhos inexperientes. O Pessoa não o reconheceu, mas viu pelo espelho que tinha sido visto e tratou de se recompor para sair atrás de quem agora detinha um segredo crucial pra ele. O Macedo, assustado, puxou a menina pela mão e entrou rápido em um quarto, antes que pudessem ser alcançados. A enorme quantidade de quartos e corredores não permitiu a localização. Ficaram em silêncio por muito tempo e o Pessoa não queria escândalo. Na penumbra reinante, não saberia informar qual dos jovens o havia visto em sua fantasia mais secreta.


O que se sabe – e os quartéis não são locais de muita informação – é que nos jogos contra a escola de sargentos, o Macedo comemora os gols fazendo orelhinhas de coelho com os dedos.

O Pessoa, durão e covarde, torturador, frequentador dos piores antros, amigo de contraventores e milicianos, não faz ideia do que sabe o Macedo. Segue exigindo disciplina e, há pouco, foi visto fazendo campanha pela moralidade e bons costumes.


O Macedo já avalia sair do exército antes do que previra.

Fantasia, cada um que tenha a sua, reconhece. Inclusive já superou o trauma de ter visto o general empalado, sodomizado com um vegetal.


Só não aguentou ver o mesmo comandante fazendo discurso contra a falência moral da sociedade e pelos valores conservadores.

Lamentou mesmo foi não ter fotografado.

  

 Rio de Janeiro, abril de 2024.


 

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