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Neorrural ou Neo-rural?




Na verdade, pouco importa (basta consultar o Google), o que importa mesmo, é que ambos os termos simbolizam aquele urbanóide convicto que resolveu mudar de ares e dar novo rumo à sua vida. Saiu da urbe poluída e cinza e transferiu-se de mala e cuia, ou melhor, de mochila e computador, para o interior buscando aquela tão almejada vida pacata e serena, vendo a vaquinha pastando ao longe, deitado na rede, com um matinho na boca.


Apresento-lhes a minha pessoa. Prazer, Luiz.


Saí do Rio de Janeiro já maduro, para enfrentar nova vida.

Ansiada vida de paz e tranquilidade.


Comprei uma terra linda em plena Mata-Atlântica, na Serra da Bocaina, num pequeno vale com rio de águas cristalinas e pequenas cascatas. A casa de colono, com mais de cem anos, se sustentava com paredes de adobe e telhas “feitas nas coxas” que gotejavam por todos os poros nos aguaceiros dos temporais. Água potável corrente, só do lado de fora, que chegava no quintal através de vários bambus cortados em meia-cana, que traziam a água lá da fonte pelo meio do mato. Banheiro tinha: um vaso adaptado numa parede levantada décadas depois da construção original da casa.


Em tempo: esqueci de explicar o que é adobe. Pra não esquecer de novo, volto logo de uma vez ao assunto. Adobe é como se faziam as paredes das casas antigamente no interior. Uma modernidade que veio, tempos depois, substituir a casa de taipa. O que eram as casas de taipa? Eram casas construídas com barro prensado, ou na mão ou no pilão, inseridos numa malha previamente levantada, normalmente numa trama de bambu. Este barro tapava os espaços entre os bambus e, quando finalizado, via-se apenas a parede emboçada na mão mesmo.


Mas como o progresso não para, posteriormente surgiu o tijolo de adobe, palavra de origem árabe, que significava tijolo cozido ao sol. Era feito do mesmo barro mas com acréscimo de esterco de boi (ou vaca, naturalmente) e palha para torná-lo mais resistente. Ouvi dizer que nas fazendas onde se plantava cana-de-açúcar, algum açúcar era adicionado à massa para dar liga.

Os colonos faziam umas formas de madeira, do tamanho de uma caixa de sapato, e socavam esta mistura dentro. Depois, emborcavam de cabeça para baixo ou, de ponta-cabeça, já que estou em SP. E lá ficavam secando no chão um ao lado do outro.


Pois voltando à minha história, como eu disse, a casa era sustentada por paredes centenárias de adobe, sem encanamento, sem luz, com telhas feitas nas coxas. As janelas que tinham tamanho diminuto, eram naturalmente de madeira e fechavam através de tramelas. O tamanho reduzido impedia a luz do sol de penetrar em seu interior, tornando a casa escura.

Além de mim, a casa era frequentada por morcegos, aranhas e lagartixas pois a propriedade estava abandonada há tempos.


Hora de ouvir música que sobre paz e natureza, e nesta playlist da Spotify.


Mas eu estava apaixonado. Passava os dias sonhando e imaginando o que ía fazer com todo aquele futuro. Nesta época eu alugava um sobrado na pequena cidade do município. Dez mil habitantes! Hoje já se passaram várias décadas e continuam dez mil habitantes. Ía e voltava todos os dias para meu paraíso e levava uns 40 minutos, apesar dos meros 10 kms de distância. É que não havia asfalto, só de jipe.


Levei um ano para conseguir ter condições de lá passar uma noite lá.

Com minha experiência nula nas coisas da roça, eu fincava pensamentos fixos num resort que tinha em mente. Resolvi então pôr abaixo tudo aquilo e fazer renascer naquele local, minha piscina, com sauna, banheiro, área de lazer e repouso, com churrasqueira e bar. Afinal, ali era totalmente plano, o sol batia o dia todo, a água (mesmo que, através de bambu) já mostrava a possibilidade de ser encanada e a energia elétrica eu puxaria da estrada principal distante 2 kms.


Simples...


Quanto mais eu delirava maior era minha vontade. Já via os amigos e amigas curtindo meu clube particular. Som alto, birita rolando. Um arraso!

Mas eis que, por razões políticas alheias à minha vontade (recessão econômica no governo de Collor de Mello), não pude pôr em ação meu tão aspirado, aguardado e planejado projeto. E, durante este período, nada me restou do que começar a conhecer melhor a vida no campo. Ía todos os dias para o sítio e uma silenciosa operação começou a se operar dentro de mim.


Conheci as pessoas da região e a entender como as dinâmicas interioranas se processavam. Passei a perceber as nuances dos sons que acordavam e cores que se animavam com a chegada das madrugadas. Aromas que passavam nas brisas sussurantes e logo sumiam. A chuva que, apesar de ser a mesma, agora molhava diferente.


Tem a “matadeira” que desbarranca e inunda, e a “criadeira” que molha a terra na dose certa trazendo vida ao solo. Cada fase da lua é intensamente percebida, admirada e vivida. Passei a reconhecer pássaros pelos seus trinados e animais silvestres pelas suas pegadas. Árvores frutíferas perto da casa, ornamentais ao redor e de madeira boa para um bom cabo de enxada ou foice, mais afastadas na floresta, Tudo tem um sentido, tudo tem uma razão. Sêneca já disse que a Natureza não se revela de uma só vez. E eu continuo a viver esta experiência maravilhosa. Cada dia um aprendizado. Os antigos conhecem mais o planeta que toda a ciência atual. Em séculos passados eles preservaram, em décadas atuais nós destruímos.


Não sei dizer nem como nem porque, mas depois de alguns meses, uma vozinha começou a ecoar lá no fundo da minha cabeça. Dizia para que eu não pusesse abaixo aquela casinha de adobe que os que me antecederam haviam construido. Se estava ali, é porque tinha uma razão.

E foi o que fiz. A casa onde moro hoje, é esta mesma casinha de mais de cem anos. Fiz uma reforma colocando novo teto, banheiros e luz elétrica. Fiz um puxadinho (assim é que se diz diz no interior) e surgiu uma bela varanda. Atrás outro puxadinho e surgiu a copa e a cozinha. As janelas? Tive que aumentar para o sol iluminar os cômodos. Mas a casinha continua lá. As paredes que não são novas, são as mesmas paredes de adobe. As portas também são as mesmas.


A calçada ao redor é a mesma feita com as mesmas lajotas originais. Tomei a decisão certíssima. Me sinto pertencente a este lugar e me emociono muito. Estou muito feliz.


A piscina com churrasqueira e sauna? Ah... continuo buscando lugar ideal para construir.



 

Música.


Thiago Kobe, um grande compositor brasileiro, craque do vibrafone. Artista Cedro Rosa.


 

Cedro Rosa Digital

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Música Brasileira



Vidas que modificam vidas.



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