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NÃO EXISTE FUTURO SE UM PASSADO NÃO O AMPARAR




“Não se deve ter nostalgia do passado. O que existe é o eterno futuro, construído a partir de elementos ampliados do passado. A nostalgia genuína deve ser criativa e resultar em algo maior e melhor”. Este é um pensamento de Wolfgang Goethe, um dos maiores filósofos e educadores da Humanidade, muito apreciado por Aloysio Magalhães, criador da Fundação Pró-Memória.


A frase de Goethe realça a importância de se manter testemunhos artísticos literários ou materiais do passado como uma permanente fonte de inspiração e de incentivo para que as gerações futuras evoluam em suas criações em todos os campos, artísticos ou mesmo produtivos. Esta herança de saberes é o fundamento do progresso das ideias e cada época, sabendo efetuar a releitura de testemunhos do passado, se sentirá encorajada, à luz das suas capacitações ampliadas, a desenvolver coisas mais grandiosas.


Infelizmente, temos assistido no Brasil um enorme desprezo a temas relacionados ao seu patrimônio histórico material e imaterial, como se de nada valessem. Na realidade, ao fazermos isso, estamos destruindo qualquer possibilidade de avançar em temas modernos e contemporâneos. Um exemplo me vem à memória: a semana de arte moderna de 1922, cujo centenário passou quase desapercebido. Ali foram trazidas à luz criações artísticas de outras épocas e, ao mesmo tempo, uma produção cultural autenticamente nacional, representando como um ‘continuum’ cultural de um povo que aspira se constituir na grande civilização mundial do hemisfério sul do planeta.


No entanto, hoje o que vemos é o apagar do passado. São casarões ruindo por falta de cuidados, indiferença pública na criação de estímulos para preservação das poucas instituições culturais existentes e, por que não dizer, um verdadeiro canibalismo cultural, como aquele que vimos patrocinar a destruição de edifícios públicos como o antigo Senado Federal (Palácio Monroe), a igreja de São Pedro dos Clérigos (no percurso da Av. Presidente Vargas) e tantas outras edificações de menor significado individual, mas cujo conjunto urbanístico compunha magníficos exemplos da nossa vida quotidiana no passado.


Se voltarmos a nossa memória para a parte documental já destruída em incêndios, inundações e outros evitáveis sinistros e aquela que vive sob o risco de iguais descasos e da corrupção material por traças e parasitas diversos, humanos ou não, o panorama é desalentador.


Hoje alguns milhares de brasileiros estão estabelecidos em Lisboa, Porto e outras cidades portuguesas, cujos centros urbanos há décadas vêm sendo restaurados com o incentivo de leis que têm proporcionado uma enorme valorização imobiliária, uma significativa procura turística e uma melhoria na qualidade de vida de todo país. No Brasil abundam exemplos de áreas onde medidas análogas às tomadas em Portugal poderiam produzir efeitos semelhantes. Cito duas delas:


A cidade de Petrópolis teve seu planejamento urbanístico projetado por um engenheiro militar alemão, seguindo diretrizes peculiares àquela cultura, adequando-o à topografia e ao novo ambiente natural, constituindo, com isso, um singular exemplo de boa implantação urbana. As residências burguesas e palacetes de embaixadas a que se seguiram fábricas e vilas operárias nos avançados moldes europeus (há que se considerar que na mesma época ainda se construíam senzalas) eram um exemplo de beleza e de modos mais dignos de viver. O desrespeito às diretrizes deste plano pioneiro e as predatórias ocupações das encostas, por falta de uma política pública de habitação popular, fez de Petrópolis palco das mais tenebrosas tragédias urbanas que o país assistiu.


Cumpre assim, ao mesmo tempo em que se preserva as construções ainda existentes erguidas segundo o plano original, atacar com instrumentos eficazes as habitações em áreas de risco por deslizamento de encostas ou inundação dos rios. Ainda em 2011, a cidade sofreu com mais de novecentas vítimas fatais de inundações que as mudanças climáticas ameaçam acontecer com maior frequência.


Outro caso paradigmático é o centro da cidade do Rio de Janeiro, onde três acontecimentos recentes nos fazem alimentar uma esperança de melhores dias. A prefeitura municipal tem proferido um recorrente discurso e criado uns ainda pequenos incentivos para sua revitalização. Empreendedores privados - e há que se destacar o caso de Claudio André Castro na recuperação da igreja Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores e na criação do movimento Aliança Centro, mostra um segundo caminho do mecenato, tão esquecido nos dias atuais, mas que, em séculos passados, foi muito praticado em nossa terra por Irmandades que mantinham hospitais, orfanatos, escolas e outros serviços voltados à sociedade.


A terceira iniciativa recém lançada pela Associação Comercial do Rio de Janeiro volta-se a uma ação progressiva de recuperação, quadrilátero por quadrilátero, do centro da cidade através de uma proposição de parcerias público (via redução de impostos municipais e estaduais) e privados (por meio da atração de novos atores para o comércio de rua e capacitação para repressão da informalidade e sonegação), de forma a voltarmos a ter um centro dinâmico que orgulhe os cariocas e atraia visitantes.


A vontade política é determinante para reversão do lamentável quadro atual. É uma questão de bom senso que até prescinde de saber quem foi Goethe, mas se impõe para o benefício do futuro das cidades.


 

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