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Meu amigo Jabor


Arnaldo Jabor. Fonte: reprodução internet

A primeira vez que vi o Jabor ele devia ter dez anos e eu sete. Estávamos num daqueles dias em que as pessoas levavam sobrinhos e afilhados para o trabalho. Eu estava com minha tia, estatística - uma das primeiras, senão a primeira do Brasil - e ele com o avô, o Seu Hesse, colega de repartição dela. Repartição era o nome genérico de um órgão público, no caso a Contadoria Geral dos Transportes, órgão que mereceria outra crônica. Jabor deveria ser habitué pois circulava com desenvoltura entre as mesas, paparicado pelas secretárias e funcionárias. Um aspecto angelical, cabelo claro, olhos claros, como aqueles santinhos que se distribuía quando se fazia a primeira comunhão. Eu, envergonhado, ao pé da mesa da minha tia e ele a mil.

Fomos colegas no Colégio Santo Inácio, o modelo do colégio que ele apresentou no filme "A Suprema Felicidade". Lá não tivemos quase nenhum contato. Ele era popular e sempre presente na organização de espetáculos de teatro nas festas de fim de ano. Aquelas peças típicas do colégio de padres, de autores como Calderón de la Barca. Ele escrevia na revista do Colégio, a VITÓRIA COLEGIAL, crônicas e poemas..

Como outros colegas que se tornaram fenômenos midiáticos, deu para acompanhar a vida do Jabor depois do colégio, pois desde cedo ele se destacou no meio de cinema, teatro e como autor de crônicas, com grande exposição nos meios de comunicação.

Um outro colega meu de colégio, Clodoaldo Hugueney, um dos grandes embaixadores brasileiros, veio a ter muito contato pessoal comigo. No Brasil, Venezuela, Argentina e América Latina, participamos de missões - eu pelo lado técnico - ele pelo Itamaraty. Clodoaldo, que perdemos tão cedo, era casado com a irmã de Jabor. E falávamos dele, claro. Figuraça da nossa geração.

Um dia quando eu estava na Presidência da Light ele me pediu uma audiência. Fui atendê-lo e quando entro na sala ele se levanta e me cumprimenta com um "Muito prazer". Não tinha a menor ideia de quem eu era. Eu, de sacanagem, respondo com estardalhaço: "Como é que você vem aqui na minha sala e tem a petulância de dizer muito prazer, você , um neto de Seu Hesse , que eu conheci há mais de 60 anos ?"

Para que!? Ele caiu sentado como fulminado por um raio, dramático que era. "Quem é você que me recebe assim? Que lê meus pensamentos! Eu estou vindo aqui pedir um apoio para fazer um filme sobre meu avô e outras lembranças e você me sai com o nome dele que já morreu há décadas". E arregalava os olhos e balbuciava perguntas rodrigueanamente ( como ele gostava). Aliás, para quem não viu, Jabor imitando Nelson Rodrigues era impagável : A pior adúltera é a viúva, pois trai um morto! E se contorcia imitando a voz e as expressões de Nelson Rodrigues.

Voltando ao encontro, com a intimidade de velhos colegas, conversamos sobre o patrocínio, ele me explicou o filme e eu pedi a inclusão de uma cena com a presença da Light, (ele incluiu um mini-apagão com o nosso caminhãozinho resolvendo). Mas na conversa perguntava intrigado: "Como você sabe ?" Eu dizia : "O Sobrenatural de Almeida me disse que você viria". "Que coincidência!", repetia e atacava: "Sua tia foi amante de meu avô?" "Porra deixa disso, Jabor! A amante era a D. Fulana, que te dava bombons!" . " Ah é!" dizia ele (ambos sabíamos o nome de Fulana).

Desde então tivemos vários outros contatos e foi um prazer conviver com ele um pouco. Mostrava-se muito interessado em literatura. Andava adorando ler Flaubert. Eu depois da Light virei editor. Em 2016 montei um pequeno filme com uns colegas de faculdade e curso vestibular, filmado na casa do querido Israel Vainboin. Ele me deu umas dicas, se divertiu com as cenas e comentou os resultados ("Está muito bom mas é uma merda!") . Ele andava meio amargo, tentando patrocínio, sem conseguir, para um filme que queria fazer, cujo tema era o drama pessoal passado num edifício decadente onde um morador não quer deixar o único apartamento ocupado. Isso talvez em 2019, ele já em São Paulo.

A partir daí falamos pelo telefone algumas vezes e agora mais esta bomba da safra COVID- com culpa do vírus ou não. Jabor, todos concordam, é genial, brilhante, único, corajoso, gozador, dionisíco. Ícone da sua geração.


Repouse em paz, querido amigo.



José Luiz Alqueres.


 

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