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Memórias de um Cachorrinho Maduro 3



    Mas eu também fiquei zangado com a mamãe em SF. Eu tinha achado um pedaço de frango na calçada, misturado com poeira e com um creme que eu não conhecia, dentro de um papel amassado e bem no caminho daquelas pessoas passando sem parar. Já estava meio pisado, mas mesmo assim era grande e dei um bote nele. Mamãe me viu mastigando bem rápido pra engolir logo, “O que é isso seu maluco?” ela perguntou e abaixou na calçada pra enfiar o dedo na minha boca. Ela fez isso mil vezes quando eu era filhote. Conseguia tirar lá do meio da minha garganta o que eu caçava e nem gosto tinha.


   A nossa rua era cheia de pinheiros, e uma vez eu engoli uma pinha maior do que a minha boca e ela nem viu. Fiquei babando o dia inteiro antes de vomitar aquilo. O troço vinha subindo na minha garganta e as pontas que tinha faziam ele descer de novo.  Mamãe não entendia o que estava errado comigo e ficava olhando e perguntando “O que que há, pequenininho?”


  Teve uma hora que eu babei mais e ela pensou que eu já tinha vomitado tudo e ia melhorar. Mas depois de um tempão, eu fui atras dela pro banheiro e enquanto ela lavava as mãos a minha barriga deu um apertão e todo o meu corpo deu um nó em volta da minha barriga e expulsou a pinha enquanto eu fiquei sem enxergar e sem saber onde eu ia parar.  Quando mamãe viu a pinha toda pontuda ali no chão nem pôde acreditar que aquilo tinha saído de mim. Ficou me olhando com uma cara de susto, de “não é possível”, e ao mesmo tempo de alívio. Aí saiu chamando a família inteira, “Olha só o que ele engoliu e se salvou! Esse cachorro é do outro planeta!”, e me dizia misturando palavras de outros lugares como ela faz com o Chris e a Tweety, e que eu entendo pela emoção e não pela forma da palavra, “Oh my little guy, você é muito louco!”


    Até hoje ela conta essa estória.


    Mas eu bem podia engolir o pedaço de frango com creme e poeira e meio embrulhado ali no chão da calçada, bem no meu caminho. “Seu bobo,” a mamãe dizia abaixada do meu lado e quase fazendo as pessoas tropeçarem nela. “Não vê que pode estar estragado? Quer ter dor de barriga logo no hotel?” E eu nem aí, trancando os dentes e parando de mastigar pra proteger o meu pedaço. Mas a mamãe conseguiu abrir a minha boca mais e mais, mesmo eu mordendo ela, e puxou o frango da minha garganta. “Coitadinho”, falou jogando o frango fora, “Você é muito esganado e não tá nem aí pro que come!”


   Ficou com pena de mim e comprou um sanduiche de frango pra ela e me deu quase a metade.

   La em SF, ela tinha medo de me deixar sozinho no quarto e eu latir tanto que ia fazer o hotel reclamar. Mas eu já disse que não sou bobo e saco tudo, então ficava quietinho quando ela saia correndo e dizendo que ia voltar logo. Ela sabia que eu não latia porque não ouvia quando esperava o elevador perto da nossa porta. Eu nem latia e nem arranhava aquela porta. Mamãe ficou toda admirada com a minha inteligência, “Ah que engraçadinho,” ela dizia quando chegava, “Você é um ótimo viajante!”


   Em SF, eu conheci até um department store. Mamãe tinha que ir lá naquele lojão no Union Square mas quando chegamos na beira daquela escada maluca que fica se mexendo e um degrau vai aparecendo de dentro do chão e crescendo pra ir diminuindo e ser devorado pelo chão lá de cima, eu comecei a espernear nos braços dela e a uivar “tá louco, me tirem dessa merda!”


   Um homem veio mostrar pra mamãe um elevador de vidro que ia direto pro primeiro andar enquanto ela me dizia “Calma pequenininho, calma!” e entrou comigo nos braços, mas até daquilo eu tive medo. Nossa, como corremos por aquele andar, mamãe olhando tudo em volta e eu ao mesmo tempo porque eu ainda não tinha feito pipi. Ela tinha que comprar umas meias e ficava apressando a vendedora e olhando pra mim. Mas nem sombra de eu fazer pipi no meio de tanta coisa nova. Quando a Ta e o Marcelo marido dela chegaram no hotel, mamãe explicou que estava com medo de eu ter algum problema porque não fazia pipi desde ontem. Eles resolveram ir pra um museu e me levaram pra eu ficar esperando no carro, dentro de uma garagem escura. Eu fiquei quietinho porque prefiro esperar no carro do que ser deixado em casa ou no hotel. Quando me levam no carro, eu vejo que também não gostam de se separar de mim e fico todo importante. Não lato, nem reclamo de nada.


   Só consegui fazer pipi quase de noite, em volta de uma àrvore de calçada, e quase afoguei a árvore. “Afinal! Eu já estava com medo de ter que levar ele pro veterinário!” mamãe falou toda contente.


 

 Música boa!

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