Matrioska*

Hercília caminha dentro do seu sonho. Vê pessoas conhecidas. Mesmo o homem vestido de forma soturna, com uma grande capa preta e um capuz que escondia boa parte do rosto, parecia conhecido. Pelo andar, ou por pura intuição ela o reconhecera. Agora, involuntariamente, o estava seguindo. A cidade também parecia familiar. Cidade em que morara por uns tempos, não a que reside atualmente. No sonho sabia que conhecia a cidade, embora, nada fisicamente se assemelhasse a ela. São essas coisas de sonho. A gente tem certeza que é uma pessoa ou que é um lugar conhecido, mesmo não vendo a pessoa ou não identificando algo familiar no lugar. A certeza brota dentro da gente.
O sujeito da capa preta continuava caminhando pela calçada de madeira. Parecia agora uma cidade do velho oeste, daquelas que aparecem nos filmes antigos de bandido e mocinho. De repente ele entra num beco à direita. Ela adianta os passos. Chega à entrada do beco. Um breu. Percebe movimentação, silhuetas talvez, na densa escuridão à frente. Hesita. Apura os ouvidos. Ouve um cochicho. Vozes abafadas. E logo, parece ouvir claramente um pedido de ajuda. Entra no beco. Não é mais hora para dúvidas. Alguém pede socorro. Caminha em meio à penumbra. Passos, cautelosos. Receio de pisar em algo perigoso. Cacos de vidro, pregos, coco de cachorro. Mais um passo e eis que...
Hercília acorda assustada ainda retendo nas retinas a imagem de uma imensa espada, uma adaga de aço brilhante, descendo com rapidez para um amontoado de imagens meio escuras. Certamente aquela confusão de imagens na penumbra era o alvo daquele golpe, de aparência tão mortal e definitivo. Não! Não poder ajudar e ao mesmo tempo, testemunhar algo tão assustador como um assassinato são sensações muito fortes. A impotência diante daquele quadro foi incômoda e forte o suficiente para sacudi-la. E a imensa vontade de não estar ali a despertou num salto. Num solavanco.
Que alívio! Encontrou-se deitada envolta num grande edredom claro que contrastava com a escuridão do quarto. Fora apenas um sonho. Um pesadelo. Aos poucos a vista foi acostumando com a pouca luz. Ou alguma luz começou a penetrar furtivamente no aposento, feito um tipo de fumaça luminosa que vai preenchendo o quarto. Logo percebeu uma cadeira de balanço. Um armário. Mais ao fundo do quarto a claridade perdia força e havia uma parte mais escura, uma ausência de luz maior. Talvez uma porta aberta para um corredor às escuras. Hercília intrigou-se. Estava mais lúcida do que ao despertar do sonho ruim. Mas sentia-se incomodada com aquela provável passagem do seu quarto para outro cômodo, para um corredor. A porta era para estar fechada. E a cadeira de balanço que de início parecia ser algo totalmente normal, agora chegava a preocupar. ‘Eu não tenho cadeira de balanço’, pensou.
Hercília acordara dentro do sonho. 'Sonhei que estava sonhando', pensou, já puxando o edredom para mais perto do rosto, como a se proteger de algo. De alguma coisa que poderia surgir. Resquícios do pesadelo, por certo, ainda mantinham alguma influência sobre seus nervos. Ouve o que pareciam ser passos cautelosos, lentos. Fecha os olhos. Pensa em cobrir todo o rosto. Deixando uma diminuta aresta, uma breve fenda para que o olho assustado vislumbrasse algo. Agora percebia que a porta estava fechada, realmente, mas a intuição dizia que ocorrera um leve movimento, para dentro. Alguém a empurrava de vagar, isso era certo. Um suave ranger, um chiado quase imperceptível comprovou que a porta estava sendo aberta. 'Alguém está entrando', pensou.
Sentiu o ar se mover no quarto escuro. E um perturbador roçar de panos. Possivelmente roupa esbarrando nas bordas da cama. Silêncio. A respiração travada. Não queria emitir qualquer ruído. Imaginou que a pessoa, ou lá o que fosse que entrara no quarto, acenderia a luz. Mesmo sob as camadas da grossa coberta percebeu que o quarto se iluminara. E agora? Em algum momento alguém irá erguer o edredom, irá descobri-la. Não é sua mãe. Ela tem essa certeza. O quarto não é o seu, não é um quarto da sua casa. Ela conhece bem todos os três quartos da casa. Percebe o movimento, tenta se segurar. Vem um calafrio. A luz invade sua escuridão particular de esconderijo e... MEU DEUS!!! O grito que ela nem tem certeza que liberou veio em resposta ao que viu e a petrificou: à face horrenda que se postou diante dela. A pessoa que a descobrira não parecia viva. Um morto vivo talvez. Alguém assustador com os olhos a ponto de se despregarem das cavidades oculares. Sem lábios. Hercília faz força para ser erguer da cama, fugir pelo lado oposto ao da aterrorizante visita. Mas sente-se presa. Não consegue se mover. O rosto horripilante se aproximava vagarosamente. Ela sente o rosto queimar e um suor frio empapa a camisola e então... Uma estancada.
Foi como se caísse daquela realidade esquisita. Como se estivesse presa a um quadro e... Se despregasse. Como uma tela que se soltasse da moldura. Sentiu o baque de cair em sua cama. De bruços. Ainda de olhos fechados. O silêncio outra vez. A certeza de estar intacta e em sua cama trouxe uma sensação de segurança revigorante. 'Que bom, era apenas um pesadelo. Acordei'. Ainda de olhos fechados e com o rosto enfiado no travesseiro, deixa os demais sentidos irem despertando totalmente e fazendo o reconhecimento do espaço físico do seu quarto. 'O cheiro é do meu quarto, o som que vem de fora me é familiar. A TV está ligada. Ouço a voz daquela mulher que conversa com uma ave de mentira. Respira fundo, e aliviada.
Hercília toma coragem e se levanta, se espreguiça e senta na beira da cama. Finalmente está no seu quarto. Faz um balanço mental do que fizera antes de ir para a cama na noite passada. O que poderia ter provocando aquela avalanche esquisita de pesadelos? ‘Comera algo pesado? Acho que não’. Tomara apenas, como de costume, uma xícara de chá de camomila. ‘Dormira de barriga pra cima? Só se foi isso’. O corpo se habituara por anos a dormir de bruços. Dormir de barriga pra cima passava uma sensação de vulnerabilidade. Sentia-se desprotegida. Exposta. E tinha a plena certeza de que todas as vezes que deitara assim, por excesso de cansaço ou muito sono, tivera pesadelos. ‘Era batata!’
‘Acho que quando estamos na cama, desprotegidos, forças do mal se aproximam e podem interferir nos nossos sonhos. Credo!'.
Hercília se ergueu de vez e caminhou em direção à porta. Parece ter ouvido a voz da mãe do outro lado. Nessa hora ela já teria colocado o mingau no prato e coava o café. Hercília gosta de tomar café fresco. Sua mãe sabe. A menina sorri. Está feliz por sentir-se protegida. Vai ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes. Abre a torneira e se olha no espelho da farmacinha acima da pia. QUE!? O Pânico a atordoa. O rosto que vê refletido no espelho não é o seu. É de Ângela, sua colega da escola. Mããããee!! Gritou enquanto saía desesperada do banheiro, correndo em direção à porta do quarto. Abriu e... Uma parede de tijolos no lugar da saída. Desesperada vai até a janela e ao se aproximar constatou perplexa que a janela nada mais era que uma pintura na parede. Não existia janela.
Hercília ainda sonhava que estava sonhando e se via como uma cebola cujas camadas se desprendiam, dando vida e corpo a outros invólucros que eram um novo corpo. Era como se nascesse, ou renascesse em partes, em camadas. ‘Quando eu serei eu?’. Ela se perguntava no sonho. Até que um som metálico e sutilmente musical a despertou. Talvez fosse o despertador. Muito provável que fosse. A cebola desaparecera.
* Matrioska – conto do meu livro ‘CHICO BUARQUE NO OLHO MÁGICO’ – Chiado Books - 2021
Rio de Janeiro, janeiro de 2025
Certifica Som: Tecnologia para Transformar a Música Global
"A tecnologia deve estar a serviço do desenvolvimento e da geração de emprego, renda e inclusão, não o contrário", declara Antonio Galante
A Cedro Rosa Digital, plataforma pioneira na certificação e distribuição musical, está desenvolvendo um ambicioso projeto chamado Certifica Som. A iniciativa, em parceria com a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), conta com apoio de instituições como EMBRAPII e SEBRAE, e reúne um time de doutores, pesquisadores e desenvolvedores de alto nível. O objetivo é claro: utilizar tecnologias como inteligência artificial e blockchain para certificar milhões de obras e gravações, beneficiando milhares de artistas em todo o mundo.
"A tecnologia deve estar a serviço do desenvolvimento e da geração de emprego, renda e inclusão, não o contrário", afirma Antonio Galante, produtor cultural e compositor conhecido no meio musical como Tuninho Galante.
Playlist de Música Popular, escute grandes nomes na Cedro Rosa.
Com décadas de experiência na defesa dos direitos autorais, Galante destaca um dado alarmante: entre 10% e 15% dos direitos autorais globais deixam de ser pagos devido à falta de certificação adequada das obras e gravações.
Esse problema, chamado por especialistas de "gap de certificação", gera prejuízos bilionários para a indústria musical e seus criadores. Estima-se que, apenas em 2023, mais de US$ 2 bilhões tenham ficado retidos em sociedades de arrecadação ou distribuídos incorretamente, afetando principalmente artistas independentes e pequenos produtores.
O Certifica Som busca preencher essa lacuna ao criar um sistema que documenta de forma precisa a autoria, os intérpretes e a ficha técnica das músicas. Através da tecnologia blockchain, o projeto garante um registro imutável e rastreável, essencial para a distribuição justa de royalties. Além disso, a inteligência artificial facilita a análise de grandes volumes de dados, acelerando o processo de certificação.
Crescimento Global e Inclusão
A Cedro Rosa Digital já representa artistas de cinco continentes, com um repertório que reflete a diversidade cultural do mundo. "Nosso objetivo é criar um ambiente onde todos, desde grandes produtores até músicos independentes, tenham oportunidades iguais de monetizar seus trabalhos", explica Galante.
Com sua expansão acelerada, a plataforma também fortalece o soft power brasileiro, destacando a riqueza cultural do país no cenário global. “Estamos transformando a maneira como a música é certificada e consumida, garantindo que mais pessoas possam viver de sua arte e que os direitos autorais sejam respeitados em escala internacional”, conclui o fundador.
O projeto Certifica Som é mais do que uma solução tecnológica; é um passo decisivo para democratizar o acesso a direitos autorais e tornar o mercado musical mais inclusivo e sustentável. Com iniciativas como essa, a Cedro Rosa Digital se consolida como líder em inovação no setor e defensora incansável dos criadores de música em todo o mundo.
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