Roda da vida
Tivemos que vender nossa linda casa de campo depois de quinze anos de intensas alegrias lá vividas. Em tempos difíceis, é preciso olhar para a frente, apesar daquela segunda-feira sombria. Uma atriz desempregada que acaba de vender o único carro da família.
No trajeto de volta para casa, enquanto as lágrimas corriam, eu perguntava ao motorista do táxi em que rádio ele estava sintonizado. Eu sabia que era a rádio MEC, mas quis puxar assunto. O Allegro moderato dos concertos de Brandenburgo, de Bach, tocava direto nas cordas do meu coração, queria fugir dos pensamentos tristes, vivia mais uma perda: objetos vendidos no último leilão, joias (as poucas que restam) no prego. Meu lado atriz elogiava o bom gosto da estação de rádio escolhida. Minha voz era firme e mostrava interesse em suas respostas, mas minha mente insistia em lembrar que nunca havia entrado antes numa Caixa Econômica para penhorar joias.
Hoje o carro foi vendido, e ontem, munida de uma pequena sacola com meus badulaques queridos, peguei uma senha e fiquei aguardando - sofrida - a minha vez de receber uns trocados da Caixa para pagar contas enquanto penso em como fazer dinheiro para sair dessa enrascada. Ao meu lado, uma senhora me reconhece e comenta, olhando para os meus pés: "Bem se vê que é artista, só artista usa sapatos de cores diferentes." Percebo que, no meu nervosismo, havia distraidamente calçado duas sandálias não só de cores, mas de feitio diferentes.
Acabo de sair de cartaz depois de uma curta temporada de dois meses no Teatro Villa-Lobos. Cenário grandioso; figurinos, idem; eu, bela, entrando de vestido longo vermelho, cantando um trecho de La vie em rose - embora, nesses últimos tempos, minha vida tenha sido tudo, menos cor-de-rosa. Fico feliz quando estou no palco, apesar de todas as dificuldades. A peça, ironicamente intitulada O karma cor-de-rosa, chegou ao fim. Texto do criativo Vicente Pereira com um elenco ótimo: Eriberto Leão, Duse Nacaratti, Talita Castro, Rubens Araújo e Marcus AlvIsi, também diretor do espetáculo.
O patrocínio foi mínimo, o público está sem grana, as associações pagam baratinho. E assim se perpetua a ilusão de que está tudo bem enquanto eu continuo sendo, aos olhos de todos, aquela "mulher rica, fina, poliglota”! Sem um tostão furado, sem ter onde cair morta. Fugir da tristeza ou fingir? Meu mecanismo de sobrevivência sempre foi desviar o olhar para outro ponto e, “no melhor dos mundos”, como o Cândido, de Voltaire, jamais passar recibo. Focar em outras direções, extrair algum humor de tudo isso e, por alguns instantes, enterrar as dores em outras gavetas.
A maturidade nem sempre torna as pessoas mais inteligentes, principalmente se elas se mantêm presas ao passado. O que se tem é o instante presente. Sou muito mais inteligente hoje do que ontem. Não sinto saudades do que já foi. tenho lembranças e me alimento delas como dados pitorescos que compõem a pessoa que hoje sou.
O ano de 2003 foi ruim em todos os sentidos. No final do Karma, Carlos Eduardo torceu o tornozelo, estávamos os dois desempregados: ele, engenheiro sem obra; eu, atriz sem contrato na televisão. A relação do casal, desgastada diante da penúria. Ele, realista, com a carga dupla de se sentir "provedor" sem enxergar uma saída; eu, sonhadora, certa de que dias melhores viriam. E no eterno girar da roda da vida acontece o inesperado. Tudo muda.
Sou convidada para a festa de trinta anos da revista Playboy no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Um Citroën C3 seria sorteado durante o evento. Todas as mulheres que haviam sido capa estariam concorrendo ao carro. Abro um parêntese: nunca posei nua. Na capa estou vestida, e a matéria foi produzida com as sequências do filme Bar esperança. As fotos do encarte eram os fotogramas das cenas do strip-tease que a personagem realiza no filme que me valeu o prêmio Kikito de melhor atriz coadjuvante.
Para concorrer ao carro, era preciso responder à pergunta feita no convite numerado: "Como você se sente sendo uma das homenageadas da Playboy?" Certa de que a premiada seria escolhida por sorteio, respondi sem pensar: "Tão gostosa quanto a revista." Fui com Melina, a filha caçula, depois de avisar a todos que iria ganhar o carro. Essa era a minha única motivação para ir à festa. Fui ao cabeleireiro, caprichei na maquiagem, usei uma saia vintage do YSL, coloquei um salto alto e fomos para o evento.
Coloquei o número, os dados e a minha frase na urna. Era uma festança, com mil mulheres, muita Veuve Clicquot... e nada de o sorteio acontecer. Em dado momento, minha filha quis ir embora, cheguei a pensar em voltar com ela. No fundo aquela certeza anunciada não passava de meu enorme desejo. Liguei para o meu marido, dizendo que era tarde, que estava cansada e que iria para casa também. Nem ele nem ela deixaram; conheciam bem meu lado bruxa.
Acompanho Melina até o táxi e volto para a festa no exato momento em que ouço meu nome ser anunciado pelo microfone. Ainda sem atinar direito o motivo de ser chamada, caminho em direção a uma jovem muito bonita, que me entrega a chave do Citroën! O desejo me fizera ganhar o carro sonhado! Eu era um allegro nada moderato. Comento com a moça da chave o quanto ela é linda, vejo mil flashes e fotógrafos pipocando ao nosso redor. Fico impressionada com o meu cartaz, afinal estava fora do ar havia algum tempo. Demoro um pouco até entender que não era eu o motivo de todo aquele rebuliço, e sim a capa daquele mês, Grazi Massafera, imenso sucesso do Big Brother Brasil, a que eu jamais assistira.
Soube depois que vencera pela frase, e não pelo sorteio. A partir dessa noite, minha vida, nesse fluxo permanente de vai e vem, começou a mudar.
Fui convidada por Herval Rossano para fazer um remake de Escrava Isaura na TV Record, representando um personagem que não existia na primeira versão: a mãe do noivo da Isaura. A novela foi toda gravada em São Paulo, fez sucesso, era a retomada do núcleo dramatúrgico da Record, a Recnov ainda sendo construída no Rio. Quando terminei de gravar a novela, fiz duas peças. As coisas estavam engrenando para mim e, para o marido, obras voltando a acontecer.
No final de 2005, tudo muda de novo, e sou convidada para uma participação especial no musical escrito por Fátima Valença, Rádio Nacional, as ondas que encantaram o Brasil. Na peça, vivo uma desquitada da década de 1950, tempo em que uma mulher separada era sinônimo de mulher perdida. A história é singela, cativante. Conta a trajetória de uma simples dona de casa que sonha cantar num programa de calouros da Rádio Nacional. Casada com um típico boêmio carioca, passa os dias a ouvir os programas da rádio. Então surjo eu, a linda desquitada, que irá influenciar a vida da Cinderela e, finalmente, realizar seu sonho. Embalado pelas mais belas canções brasileiras e algumas estrangeiras dos anos 1940-50, é um espetáculo primoroso que tem nos dado um imenso prazer. Ver a alegria estampada nos rostos todos, inclusive de pessoas bem idosas nos acompanham cantando, vibrando e voltando momentaneamente para aqueles tempos, é um bálsamo para a alma de um artista.
No final de 2006, depois de quase vinte e quatro anos de vida em comum, eu me separei mais uma vez. Talvez aquela "desquitada" tenha tido uma parcela de culpa. Chi lo sa...
Depois de toda uma vida, aprendo o que é viver comigo, "myself and I" Carlos Eduardo foi para a montanha e eu continuei no Rio. Nós nos separamos fisicamente, mas continuamos juntos.
Percebi que o "colinho" que espero não está no outro. O outro atende as nossas necessidades só até certo ponto, o resto está em nós. Mas levamos tanto tempo para entender isso, para perceber que o outro não pode, nem deve suprir todas as nossas carências!
Acredito no amor como um sentimento de carinho, amizade, companheirismo, que pode unir duas pessoas com algumas afinidades ao passar do tempo. Acredito no amor incondicional que se sente pelos próprios filhos, amor à vida, à beleza, à arte, mas o coup de foudre é quimera. Efêmero e finito.
Sob o efeito da paixão, enxergo tudo desfocado, e o outro existe apenas numa projeção utópica do desejo. Mas não existe droga mais potente - e é a única que tira meu apetite, minha voracidade.
As raízes estavam finalmente fincadas, e eu virava mais um capítulo. *
* Capítulo do livro Mamãe Costura e Esta Noite Vou Te Ver de Sylvia Bandeira)
Playlists de músicas brasileiras no Youtube e Spotify
Obras disponíveis para trilhas sonoras em filmes, séries, publicidade, games, etc.
Single "Jardim do Menescal", de Tuninho Galante, ao vivo,
com participação de Roberto Menescal / Spotify
Para dançar / Youtube
SoftSamba / Spotify
Setores de música e audiovisual geram milhões de empregos e bilhões de dólares no mundo e são segmento estratégico de desenvolvimento
"O setor de conteúdo, é o petróleo da era digital", afirma Tuninho Galante, CEO da Cedro Rosa.
"O que move o conteúdo são a música e o audiovisual. Gigantes que migraram da área de tecnologia para o segmento de conteúdos, como Amazon, Apple e Google estão aí para comprovar", conclui Galante, acrescentando que a Globo acaba de anunciar o investimento de 250 milhões de dólares na GloboPlay.
Música para sincronização em conteúdos. Plataforma digital em 10 idiomas administra músicas para trilhas sonoras.
A Cedro Rosa que criou uma plataforma digital em 10 idiomas que administra direitos musicais de mais de 3000 mil obras e 200 autores.
"Hoje em dia muita gente se autoproduz, mas as obras musicais e as gravações precisam ter os certificados internacionais, chamados ISWC e ISRC, caso contrário não recebem royalties", afirma Tuninho Galante.
E pior, "as produtoras de video, cinema, publicidade e games não licenciam obras sem certificados", conclui Galante.
É muito fácil usar a plataforma. Totalmente gratis, basta apenas e-mail e nome para abrir um perfil. Músicos, cantores, bandas, jornalistas, empresas de midia, produtores de cinema, publicidade, Teatro, TV, etc podem
A indústria da midia e entretenimento como TVs, radios, produtoras de cinema, games, publicidade, streaming e conteudo em geral podem licenciar essas obras devidamente certificadas diretamente no site da Cedro Rosa.
Música para sincronização em conteúdos: Cedro Rosa.
Criativos! é uma revista digital de Arte, Cultura e Economia Criativa e conta com a colaboração de centenas de artistas, criadores, jornalistas e pensadores da realidade brasileira.
Editado pela Cedro Rosa.
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