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Foto do escritorLéo Viana

MORTE

Léo Viana, para CRIATIVOS!



Que 2020 foi um ano estranho, não resta dúvida nenhuma. A normalidade, por mais que já tivesse caído em desuso mais ou menos desde a eleição do Reagan, vinha tentando se impor novamente, mas a estranheza do ano em que não saímos de casa superou qualquer ciclone bomba (teve!) ou incêndio no Pantanal (também teve!!).


Uma das bizarrices do ano dos mascarados (e não só o time do Flamengo, se é que vocês me entendem...) foi a volta de práticas abandonadas desde há muito, como a negação da importância das vacinas e de práticas de profilaxia, como o isolamento social, consagradas desde a peste. Aquela mesma da idade média e que reapareceu no século XVII. Claro que nem todo mundo compactuou com as loucuras de uma parte da população, inflamada por lideranças que parecem saídas de livros de história.


Por falar no assunto...


Philippe Ariès (1914-1984) foi um grande jornalista e historiador francês, medievalista, que se notabilizou por estudar o comportamento humano em diferentes períodos. Ficou muito conhecido no Brasil por sua obra “A História Social da Criança e da Família” e também por haver organizado a coleção “A História da Vida Privada”, mas seu livro que mais fez sucesso aqui em casa no ano das lives foi “A História da Morte no Ocidente”.


No livro, resultado de um mergulho dele num tema em que não havia jamais pensado em se aprofundar (palavras dele...), Ariès perfila, de um jeito tão didático que chega a dar tristeza quando o livro vai acabando, as diversas maneiras como a humanidade se relacionou com a morte ao longo do tempo. Como não sou ele, não vou me atrever a fazer o mesmo, menos ainda nestas poucas linhas, mas não deve ser um exercício mental difícil imaginar que, com a vida durando bem menos durante a idade média, morrer era “normal”. Bem como ter cadáveres por perto. Afinal, na peste, por volta de 1300 e pouco, grande parte da humanidade (especialmente numa perspectiva eurocêntrica) morreu.


Curiosamente, um concílio da Igreja Católica proibiu a dança e a música em cemitérios em 1231. E em 1405 outro concílio foi além, vetando além de dança e música, os jogos, charlatães em geral e prestidigitadores. Os cemitérios deviam ser até interessantes, com toda a festa que essa gente fazia e que a igreja (sempre ela...) se apressou em reprimir. Me remete às festas do México para a Santa Morte, a santa proibida.


Mas com o tempo vieram o isolamento dos cemitérios em relação à cidade, como medidas de saúde pública (quem lembra da caveira do Hamlet? Os enterros eram superficiais e os ossos brotavam do chão muitas vezes...).

Sem aprofundar muito (eu continuo recomendando o livro...), chegamos na situação que conhecemos, com um sofrimento claro decorrente da morte, amenizado ou agravado aqui e ali pela presença ou ausência de religião e sempre medido um pouco em função da idade de quem nos deixou, do grau de proximidade, da situação em que ocorreu o desenlace.

Mas tudo isso era regra geral antes da pandemia da hora.


Provavelmente a maioria de nós ainda é convencional e vê importância na vida humana, nas possiblidades que advém dela, no potencial de cada pessoa.

Mas uma parte da nossa humanidade se despiu de pudores, vestiu a casaca da idade média, banalizou a morte, canta, dança e contamina aglomerada e acha que cada perda dessas por COVID é só um número. E o pior, eles têm coaches poderosos, na liderança de dois grandes países do ocidente. Um carrega nas costas 19% do total de óbitos e o outro detém 11%. E olha que, juntos, eles governam apenas 7,5% da população do mundo.


Nesse imprevisto revival do pré-iluminismo, é preciso lembrar o tempo todo que foi a ciência, através das vacinas, da penicilina, de medicamentos variados, de mecanismos diversos de sustentação da vida, da adoção de práticas de higiene e vigilância sanitária, da potabilização de enormes quantidades de água, enfim, de pesquisa científica profunda e contínua, que garantiu que hoje chegássemos a expectativas de vida que passam dos 80 anos em muitas partes do mundo.


O mundo ainda é desigual. A negação da ciência pode torná-lo ainda pior.

Não sei quanto a vocês, mas eu vou ficar aqui no meu canto aguardando a vacina. Inclusive contra a desumanização.


Morrer, sim. Mas não voluntariamente ou arrastando meus queridos e queridas comigo!


 





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