LEÃO DE CHÁCARA
A toda hora, olhava o relógio e dava uma espiada no interior da boate. Dez pras cinco da manhã e ainda havia um casal bebendo a décima saideira. Fez um sinal pro garçom, que aproveitou a deixa, e colocou a conta em cima da mesa, pedindo desculpas e explicando que a casa ia fechar. O casal entendeu, frequentadores antigos, liquidaram a bebida num gole só, pagaram e se despediram prometendo, se Deus quiser e o fígado permitir, voltar no dia seguinte.
Estudava para fazer o vestibular de Direito. Aluno regular no Ensino Médio, agora se dedicava com afinco aos estudos. Não faltava às aulas, frequentava os aulões extras nos sábados e domingos, fazia todos os exercícios das apostilas, enchia o saco dos professores com suas dúvidas. Muito bom na área de Humanas, era fraco nas exatas. Dificuldade em Química e Física. Estudante de escola pública, quase não teve aulas dessas disciplinas. Da segunda, somente no primeiro ano. Não havia professores. Caso crônico nas escolas do estado. Terminou o namoro de quatro anos: não tinha tempo para isso. Largou a esquina, a turma, o chope e o futebol de praia. O foco era a aprovação no exame e, mais tarde, a carreira de delegado da polícia federal.
Escute Quem me Acordou, de Paulinho do Cavaco e Luis Pimentel. Repertório Cedro Rosa.
Sempre quis ser policial. Dois primos já eram do quadro da Civil: um, delegado; o outro inspetor. Quando os encontrava e ouvia as suas bravatas, sentia que ali estava a sua vocação: apreender quilos de maconha e cocaína no Jacarezinho, de madrugada, depois de intensa troca de tiros com os marginais; prender chefes de milícias perigosíssimos na zona oeste, enfrentando guarda-costas fortemente armados; botar pra correr assaltantes de carros-fortes, que atiravam com metralhadoras ponto 50 contra a sua pistola ponto 40. Na verdade, o que os dois contavam era pura ficção, pois não eram operacionais: um estava locado na Divisão de Crimes da Internet, lutando bravamente contra hackers, e o outro dava aulas de Português na Escola de Polícia, enfrentando valentemente, de peito aberto, erros de ortografia e concordância. Não andavam armados e nem portavam a carteira policial. Morro, só subiam o da Urca para fazer caminhadas na pista Cláudio Coutinho. Eram, porém, os seus ídolos. Ia ser igual a eles na coragem e na bravura.
Trabalhava das dez da noite até a saída do último freguês, lá pras quatro ou cinco horas da manhã. Como veio parar ali? Um dos primos, sabendo da sua dificuldade financeira, o indicou para ser leão de chácara numa das boates de que um colega tomava conta. Não era forte, não era de briga, mas era bom de papo. Isso é que importava, dizia o primo. Leão que se preza não ruge, não morde: acaba com o conflito no papo.
Boate de frequentadores idosos, geralmente, os caras que arrumam confusão estão bêbados, não se aguentam em pé, gesticulam, gritam, tudo pra impressionar a acompanhante, mas, no fundo, rezam pro leão chegar e apaziguar a situação. Isso ele fazia bem: ouvia as queixas recíprocas, mostrava que eles estavam sem razão, ou com razão, tanto fazia, levava-os pra fora e dizia que a casa teria prazer em recebê-los no dia seguinte. Não era bom para a boate ter briga em seu recinto ou proximidades. Nem pra ele, que não sabia nem queria dar um soco em ninguém. Ia levando a vida assim esperando os dias do exame.
Escute Reunião de Condomínio, de Paulinho do Cavaco,
gravado no CD Roda de Samba no Bip Bip.
Cedro Rosa / Spotify / Youtube
Que chegaram. Fez as provas e, “alea jacta est”, voltou à vida normal: praia, futebol, turma até às nove. Tentou, até, reatar o namoro. Não deu: a moça tinha feito vestibular pra um novo amor e agora namorava o primo policial. Afinal de contas, o primo já era policial. Tudo bem! O importante era o foco. E o grande dia chegou. Resultado na internet. Publicação às vinte e três horas. Celular na mão, largou a porta da boate, foi, ansioso e angustiado, suando frio, para o calçadão da Atlântica. Digitou seu nome e número de inscrição. Sistema muito lento e caindo várias vezes. Quase uma hora e meia depois, veio o resultado e seu nome não constava na lista dos aprovados. Leu e releu, nome e sobrenome. Nada. Ficou mais de meia hora sentado no banco da calçada, olhando o nada, desolado. Desesperar jamais! Ainda havia a possibilidade das inúmeras reclassificações.
Caminhou em direção à boate e recebeu a notícia: aquele casal, aquele que havia prometido voltar, voltou e arrumou uma briga danada. Outros casais se envolveram e estavam quebrando toda a boate. O gerente berrava: “Segurança! Segurança!” Ele, porém, de celular na mão, conferia pela milésima vez, a relação de aprovados. Que segurança que nada! Conclusão: além de reprovado, foi despedido.
Petiscos
Roda de Samba no Bip Bip
CD + Filme + Show
40 Anos do Clube do Samba
Por Dentro da Cedro Rosa / Reunião de Pauta
Participantes de Vancouver/Canadá, Viana do Castelo/Portugal, Rio de Janeiro, São Paulo/Brasil.
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