LÍVIA
- Esse papo seu tá qualquer coisa...
Não conseguia parar de pensar no caetâneo verso, enquanto o menino discorria fluente e incessantemente sobre a obra do baiano.
Aproximara-se do Lelê, apelido que constava da plaquinha na carteira que ele ocupava, garoto simpático e o mais novo no ciclo de discussão sobre MPB promovido por um centro cultural da Zona Sul, porque fora a última a entrar na sala, vindo direto do trabalho num dia de chuva torrencial. A volta ao trabalho presencial fora um completo desastre. Máscara, chuva, bolsa cheia de coisas, celular, guarda-chuvas, maquiagem borrada. Não conhecia ninguém do grupo, mas uma amiga, que não poderia participar, tinha repassado o link da inscrição para o ciclo de conversas com diversos especialistas em música brasileira.
Sempre gostou e chegou mesmo a iniciar uma incipiente carreira de cantora. A carreira solo não decolou, mas gostava de dar canjas nos shows de amigos e participava de vários corais. A vida de médica complicava a vida cultural, os plantões eram diversos e em locais de acesso complicado. Os relacionamentos não vingavam um pouco por isso, os médicos a consideravam música demais e os músicos, claro, excessivamente médica.
Quando entrou na sala, afobada, com o guarda-chuvas pingando e o telefone tocando, chamando a atenção de todos os que ouviam silenciosamente uma longa preleção sobre João Gilberto e sua influência na formação dos baianos posteriores, com reflexos na tropicália, sentou-se ao lado do Lelê por sentir nele algum tipo de receptividade. Era o único a não olhar pra ela com cara de espanto. Falando baixinho, perguntou quanto tinha perdido da conversa e se o preletor era bom mesmo.
Lelê fez que sim com a cabeça, de modo a não provocar a ira dos demais, sinalizou que ela não tinha perdido muito e que se concentrasse. Não gostou da reprimenda do garoto, mas entendeu e passou a acompanhar, não sem antes desligar o celular, que emitiu mais um ruído antes de apagar.
De fato a roda de conversa, em que pese a pouca participação dos ouvintes, hipnotizados pela fluência do palestrante, foi muito boa. Como a chuva passou, o grupo e o convidado saíram direto pra um chope – ou mais – num boteco do Leblon.
A Lívia – era esse o nome dela – aceitou e gostou da ideia. Ainda na sala, apresentou-se e pediu desculpas pela chegada tão histriônica, no que foi saudada por alguns e ignorada por outros e outras. Caminharam algumas quadras e logo estavam no cercadinho externo de um bar da moda, ainda sem intimidade, mas já entre chopes, petiscos e risos mais ou menos contidos.
Novamente sentou-se ao lado do Lelê, o mais novo e aparentemente mais simpático do grupo. Chegou a oferecer um chope ao menino, sem saber se ele seria mesmo capaz de se sustentar, tão novo. Pena que não demorou a descobrir que ele era chato. O boy desandou a falar sobre o baiano Caetano com a típica arrogância dos neófitos, soltando um infindável corolário de lugares comuns e criticando um por um os discos como se fosse um Nelson Motta juvenil ou um Tárik de Souza recém saído das calças curtas. Verdade que principalmente elogiava a trajetória, falava sobre o exílio em Londres como se lá tivesse estado com Gil e Caê, listava detalhes e curiosidades do dia a dia do festival de 67 como se não tivesse nascido no finalzinho da década de 90.
Partido Alto, chega junto dessa playlist!
Ela se sentia relativamente preparada para surpresas, uma mulher do seu tempo, independente, bonita, qualquer coisa entre os 30 e os 40 anos, boa forma física e intelectual. Tudo o que não precisava era um moleque chato, pretensioso, metido a entendido de música, para estragar sua primeira noite depois de muito tempo sem ir a um bar tomar umas cervejinhas.
Não identificou, no grupo, alguém que pudesse salvá-la do martírio. Todo mundo já havia embalado nas conversas, quase sempre sobre o tema da discussão anterior, mas em geral, ao menos aparentemente, sem as certezas do Lelê. Todos pareciam contentes com seus parceiros de papo, bem como com a temperatura da cerveja e a qualidade dos tira-gostos. Só ela sofria com a infinita preleção de Lelê, que não se dava conta do quanto era inconveniente. Decidiu se refugiar na bebida. Emendou duas cervejas especiais com alto teor alcoólico, imaginando que pudesse obter a necessária coragem para contestar o palavrório do garoto ou ao menos para fugir dele - e de seus clichês - em definitivo. O efeito veio, mas em forma de sono, de modo que já estava misturando “Cores, Nomes”, o disco de 1982, com “Circuladô”, de 1991. Entre uma cochilada e outra, percebeu que Lelê falava do livro “Verdade Tropical”, criticando o formato da narrativa e minimizando a importância do livro, se comparado à imponente obra musical do poeta de Santo Amaro.
Nada Além, com Luis Melodia, parceria de Mário Lago e Custódio Mesquita. Ouca/Veja!
Não sabe se foi consequência da caipirinha que bebeu por cima das cervejas, do sono acumulado ou apenas autossugestão, decorrente daquela overdose de informação de qualidade discutível, claramente demonstrativa de uma profundidade forçada, de quem queria demonstrar saber mais do que efetivamente conhecia sobre um tema, mas jura de pés juntos que viu o Caetano passar na calçada do bar. Aproveitou a deixa e fugiu, fingindo que ia ao banheiro.
O irmão da Maria Bethânia – se era ele mesmo - não deve ter entendido nada quando aquela louca passou gritando Você já tá pra lá de Marrakesh.
Em casa, de ressaca, mas achando tudo engraçado, tomou ao menos duas decisões.
Acompanharia o simpósio até o final. O encontro da semana seguinte seria sobre a obra do Chico Buarque. Ama de paixão, conhece bem. E ainda haveria Gil, Milton e os mineiros do Clube da Esquina, Gonzaguinha, João Bosco e Aldir Blanc... Mas acompanharia virtualmente. Ao vivo nunca mais.
E tomaria mais cuidado com gente muito mais nova!
Rio de Janeiro, janeiro de 2022.
Chora , Cavaco!
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