Empobrecimento planetário: paralelos entre pobreza e perda de áreas naturais.

Na primeira reunião da ONU realizada em Estocolmo em 1972 com foco em questões ambientais no mundo, o Brasil se pronunciou favorável a importar poluição. Isso porque quem havia se desenvolvido estava enfrentando problemas como esse, e o que o país queria era progresso a qualquer custo.
Mesmo com uma das mais ricas biodiversidades do mundo, as perdas que esse tipo de desenvolvimento acarretaria não entravam na equação. Aliás, práticas insustentáveis sempre fizeram parte da história nacional, a começar pela exploração do pau brasil, que deu origem ao nome do país, seguido de ciclo após ciclo, como açúcar, ouro, café, algodão, soja e tantos outros, sempre para nutrir mercados externos e sempre trazendo graves consequências sociais e ambientais com perdas inestimáveis para ambos. Bioma após bioma foi sendo explorado e aniquilado, assim como a dignidade humana de quem trabalhava para os poucos que ganhavam com esse modelo desenvolvimentista.
Vinte anos depois, na Rio 92, a SOS Mata Atlântica entregou o prêmio de maior desmatador nacional ao estado do Rio de Janeiro e Leonel Brizola, o então governador, disse algo como: “o pior tipo de poluição é a pobreza”.
Não deixava de ter razão, mas a ligação entre pobreza e meio ambiente nunca foi bem explicada.
A vergonhosa escravidão que perdurou por séculos, em muitos aspectos não foi extinta com a Lei Áurea de 1888, pois o sistema continuou desigual e com poucas oportunidades dos recém alforriados, pobres (na época mais de 700 mil escravos) melhorassem de vida.
O sistema remanence de muitas maneiras até hoje, pois o brasileiro se acostumou a achar normal ter pessoas trabalhando pesadamente, em condições muitas vezes insalubres, e ganhando pouco. Com isso, hoje temos quase 1/3 da população brasileira pobres, ou abaixo da linha da pobreza, com insegurança alimentar. A concentração de renda e de oportunidades, infelizmente, continuam inviabilizando a ascensão social de grande parte dos brasileiros, com muitos trabalhando apenas para sobreviver. Ou seja, não conseguem sonhar e planejar futuros melhores a não ser ansiar ter o que comer na próxima refeição.
Perdas sociais e ambientais andam juntas. Quem causa uma em geral é responsável pela outra, mesmo que indiretamente. Há uma alienação sobre responsabilidades individuais, coletivas e de nação de como reverter esse quadro, que tinha tudo para ser diferente. A riqueza cultural, de origem indígena e de tantos povos que formaram o Brasil, sempre foi ignorada a não ser quando se trata de brancos nórdicos, modelo idealizado do que se almeja para o país. Com isso, criou-se uma noção de inferioridade, quando o Brasil deveria sentir orgulho do que compõe a nação, tanto de sua gente quanto de sua natureza.
Já não é sem tempo de revertermos esses valores e passarmos a reconhecer o que é nosso!
Tanto as culturas regionais quanto às riquezas ambientais encontradas nos diferentes biomas brasileiros deveriam ser fontes de orgulho nacional. Nossa educação precisa mudar o mais rapidamente possível para que passemos a nos importar a ponto de nos envolvermos em salvar o que ainda resta de natureza e em implementar melhorias sociais com oportunidades que garantam uma vida digna às pessoas que compõem nossa população.
Todavia, a ligação entre o social e o ambiental ainda é tênue. Quantas vezes na minha vida de ambientalista me questionaram sobre por que cuidar de macaco ou onça com tanta gente morrendo de fome? Essa é uma pergunta capciosa porque quem pensa assim, em geral não cuida de nenhum, e quem se envolve com um frequentemente inclui o outro.
Existem similaridades e divergências entre miséria humana, perdas culturais e de biodiversidade. Listei abaixo algumas ideias que me ocorreram como exercício inicial, pois o tema é complexo, cheio de nuances e variações de contexto para contexto:
· Há uma falta de reconhecimento da importância da diversidade, não vista como riqueza, seja ela cultural ou ambiental. O Brasil tem 266 populações indígenas com quase 1 milhão e 700 mil pessoas, o que significa sabedorias e cosmovisões extraordinárias. O país recebeu imigrantes de diversos países, cada grupo com bagagens de conhecimentos e tradições que somam à riqueza nacional. Mas, tende a valorizar apenas quem tem características específicas que são considerados “superiores” pelo imaginário popular.
Quanto a natureza, o Brasil é líder em biodiversidade no mundo, ou seja, inúmeras espécies de aves, mamíferos, anfíbios e insetos. Conta com o maior volume de água doce disponível (aproximadamente 20% do que existe no planeta), mas 70% é alocado a monoculturas, exportadas como commodities. Nesse modelo de agricultura a riqueza natural perde incontáveis espécies e há uma concentração dos lucros, mas muitos trabalhando pesado e sem perspectivas de melhoras.
· A educação tradicional é voltada para “sucesso” e não para empatia e compaixão, o que levaria à preocupação, envolvimento e empenho em mudar desafios, transformando-os em oportunidades para melhorar a vida em geral, tanto de gente quanto de natureza. Os que se envolvem com miséria ou com perda da natureza são minoria e, frequentemente, taxados de excêntricos.
· A devastação das áreas naturais pode ser comparável ao aumento da pobreza. Ambas se alastram sem cerimônia, deixando rastros destrutivos irreparáveis. Muito precisa ser feito para reverter os quadros nefastos que hoje trazem tanta desesperança.
· Falta amor pela vida. Não são estimuladas atitudes de “eu me importo”, que poderiam transformar realidades às vezes cruéis e sem perspectivas claras em melhorias para as pessoas, suas culturas e seu ambiente, o que inclui a natureza em geral. Amor precisa ser exercitado no dia a dia com práticas que beneficiem a vida em geral.
· O pensamento predominante é imediatista, sendo que os processos na natureza e na mudança do “midset” humano para aquilo que possa trazer resultados consistentes exigem longo prazo. Atualmente, com as evidências das mudanças climáticas, há uma urgência cada vez mais clara por ações responsáveis. Mas, há também a constatação de que são os pobres, “invisíveis” e menosprezados, que mais sofrem as consequências das escolhas irresponsáveis, como enchentes, deslizamentos de terra, estiagens ou contaminações diversas de água, solo ou ar. O pensamento de curto prazo precisa deixar de preponderar, dando lugar a planejamentos de longo prazo com posturas flexíveis que respondam às necessidades que emergirem nos contextos trabalhados.
· Conhecimentos científicos precisam ser levados em conta quando qualquer plano é elaborado. Ciência deve ser vista como base para ação - caminho para se errar menos. Errar faz parte do aprendizado, mas quando a base da ação é pautada em pesquisas sólidas, as chances de sucesso aumentam.
· Precisamos despertar para um fato simples, mas essencial: nós somos natureza. Sem um ambiente sadio e sustentável, não é possível haver vida com qualidade. Recebemos tudo de graça nesse planeta Terra, mas estamos destruindo as fontes de riquezas que deveriam estar sendo defendidas a todo custo. Essa não parece ser a atitude de quem se diz a espécie mais inteligente.
Estamos chegando ao ponto de não retorno, como é conhecido o momento atual. Essa expressão tem sido utilizada pelos cientistas da área ambiental, sumamente preocupados com a continuidade da vida na Terra. As lideranças não têm seguido as recomendações acordadas em reuniões internacionais, que protegeriam o planeta de muitas agruras. É de conhecimento popular que ou aprendemos pelo amor ou pela dor. Infelizmente, o caminho escolhido parece carecer de amor, o que é lastimável! A dor tem vindo para muitos e a tendência não é melhorar se nada for feito. A esperança é despertar a capacidade que o ser humano tem de amar, direcionando esse amor à ação que proteja a vida, seja de gente ou de natureza.
Obs.: Esse artigo resume o que apresentei em um encontro que traz esperança nesse cenário sóbrio. O IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, instituição da qual sou cofundadora e atuo como presidente, foi convidado para fazer parte de um grupo de oito organizações envolvidas com melhorias de famílias em condições de miséria: o HubEP – Hub de Erradicação da Pobreza.
Em encontro na PUC – Rio no dia 16 de outubro, a iniciativa foi abraçada pelo reitor dessa instituição, que prometeu amplo apoio institucional.
O HubEP nasce capitaneado pela Dra. Vera Cordeiro, fundadora de uma das mais renomadas organizações da sociedade civil, o Instituto Dara, que por mais de três décadas vem tirando milhares de famílias da miséria. Outras instituições foram convidadas a se juntarem ao Dara para contribuírem com a missão do HubEP: CIEDS, Gastromotiva, Rede Asta, Sistema B Brasil, Uniperiferias, IPÊ e PUC-Rio.
No evento, cada representante teve a chance de expor o que faz para facilitar ações conjuntas. Minha contribuição foi trazer a ligação, nem sempre óbvia, da importância de se proteger as riquezas naturais que quando não tratadas com o cuidado que merecem, causam ainda maiores dores e perdas a quem já tem tão pouco.
O HubEP é uma iniciativa multissetorial e 100% colaborativa para a erradicação da pobreza, com o objetivo de fomentar e articular redes diversas de aprendizado e inteligência para influenciar o ecossistema de combate à pobreza - instituições públicas, empresas, legisladores, sociedade civil e tomadores de decisões - contribuindo, desta forma, para um mundo sem pobreza, onde todos sejam agentes de transformação social e socioambiental positiva.
A iniciativa vem sendo incubado/gestado pela área de conhecimento do Instituto Dara, liderada por Flávia Peixoto de Azevedo. Desde abril de 2024 passou a contar com a PUC-Rio como a 9a organização da rede. A entrada da universidade consolida o movimento, que ganha tração e maior capacidade de articulação, produção de conhecimento e abrangência. No médio prazo, o objetivo é transformar o HubEP em um think (and do) tank para a erradicação da pobreza.
A erradicação da pobreza e a defesa da natureza são essenciais na luta contra a emergência climática, pois ambas as questões estão interligadas.
A pobreza empurra milhões de pessoas para práticas de sobrevivência que degradam o meio ambiente, como o desmatamento e o uso insustentável de recursos naturais. Por outro lado, proteger a natureza é vital para garantir que as gerações futuras tenham acesso a um meio ambiente saudável, o que inclui a manutenção de empregos sustentáveis.
A Arte, Cultura e Tecnologia, pilares da Economia Criativa, têm um papel vital nesse processo. Ao impulsionar a criação de empregos e renda em setores como música, cinema, design e literatura, essas áreas promovem inclusão social e fortalecem a conscientização sobre a importância de proteger o meio ambiente. Essas indústrias também geram impacto econômico em comunidades que muitas vezes são excluídas de mercados tradicionais.
Nesse cenário, a Cedro Rosa Digital se destaca como uma plataforma que certifica e distribui músicas independentes em todo o mundo. Ao garantir que essas obras gerem direitos autorais para seus criadores, a Cedro Rosa não apenas fomenta a cultura, mas também cria oportunidades de renda para milhares de artistas.
A plataforma permite que empresas, instituições e profissionais utilizem essas músicas de maneira justa, remunerando seus criadores de forma adequada, contribuindo para a redução da pobreza.
Dentro da Cedro Rosa Digital, o projeto CERTIFICA SOM é uma iniciativa inovadora que utiliza inteligência artificial e blockchain para assegurar que os dados das músicas, compositores e intérpretes sejam corretamente registrados. Isso garante que todos os envolvidos nas obras sejam creditados e recebam seus direitos autorais de maneira justa e eficiente.
O desenvolvimento do CERTIFICA SOM conta com a colaboração de importantes instituições, como a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), conhecida por seu pioneirismo em tecnologia, o Parque Tecnológico da Paraíba, a EMBRAPII e o SEBRAE-RJ. Além disso, a APEX Brasil apoia a Cedro Rosa na divulgação em feiras internacionais, ampliando o alcance do projeto e promovendo a exportação de conteúdo cultural brasileiro.
A Cedro Rosa também é responsável pelo portal CRIATIVOS! (www.criativos.blog.br), que há mais de quatro anos publica diariamente artigos escritos por intelectuais, cientistas, artistas, jornalistas e escritores. O portal se tornou uma importante plataforma para discussões sobre cultura, inovação, economia criativa e sustentabilidade, contribuindo para a conscientização e a difusão de ideias que promovem mudanças sociais e ambientais.
Ao unir cultura, tecnologia e inovação, a Cedro Rosa Digital, com o projeto CERTIFICA SOM, demonstra como a economia criativa pode ser uma poderosa ferramenta para combater a pobreza, gerar emprego e renda, e ao mesmo tempo proteger a natureza, fortalecendo a economia sustentável e a justiça social.
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