top of page
Foto do escritorLeo Viana

DECISÃO



Ela tinha desistido de tudo. Ou quase. Decisão radical. Sabia que o momento chegaria. Tinha medo de parecer dramática demais, ainda que fosse. Mas deixou o emprego, que não era a oitava maravilha, mas garantia o básico e até um ou outro mimo, tipo férias com viagem. Nos ímpares ia pro exterior ou para o Brasil distante. Nos anos pares viajava por perto, viagem de ônibus mesmo.


Deixou o namorado, aquele inseguro que tinha nela mais uma terapia que um amor. Era bem resolvido profissionalmente e vivia contando vantagem sobre os investimentos, mas era uma criança emocionalmente mal formada. A cama não compensava o horror que era a mesa. Menos outro problema.


Largou a academia. Nos últimos anos tinha vivido um eterno “projeto verão”, decidida que estava a deixar o corpo no padrão das beldades de capa de revista. A genética ajudava e nunca tinha estado muito fora do tal padrão, mas obsessiva que era, e ainda sob a influência das amigas, investira tempo e dinheiro em horas e mais horas de exercícios repetidos a exaustão. Não faria mais! Caminhadas, pedaladas pela cidade e um pouco de exercício em casa a ajudariam a manter o corpo que a natureza tinha lhe dado de presente.


Falando em casa, largou também. O sala e quarto bonitinho de Botafogo, comprado numa pechincha improvável, posto no prego por uma família pra pagar o inventário, decidiu vender. Muita lembrança boa ali dentro, muita reflexão, muito texto escrito, muito choro solitário, muito amor, alguma dor. Tava fechando um ciclo. Não precisava mais de nada daquilo. Olhava pros livros na estante e pensava no que fazer com eles. Tinham sido companheiros fiéis desde a graduação. Muitos a acompanharam em viagens, tanto nas bem curtas de duas ou três estações de metrô, quanto na ida ao Japão, a trabalho. Mas não pretendia levar nenhum deles nessa escapada radical. Eles estavam dentro dela. Lidos, anotados, rabiscados. Agora era desapegar.


Enquanto juntava as roupas pra começar a jornada nova, teve o insight de levar apenas o mínimo. Seria sofrido abandonar vestidos lindos e camisetas sensacionais, roupas com as quais se identificava muito, eram parte de sua identidade. Mas era imperativo mudar de atitude.  Fez duas malas, uma com o que efetivamente usaria, ao menos até trocar toda a vestimenta, queria mesmo ser outra e a roupa é fundamental. Na outra, guardou roupas que amava, mas que admitia doar, vender, enfim. No velho guarda roupa modular ficou muita coisa, tudo aquilo, incluindo ainda mais roupas que não se identificavam com a vida que começaria a partir dali.

Tomou um derradeiro banho na ducha que instalara um ano antes, na última reforma. Pela talvez última vez, olhava os azulejos do banheiro, a louça. Tudo escolhido no detalhe por ela.

Não tinha animais. Sabia que a qualquer tempo poderia tomar a decisão que só veio agora. Um gato ou um cachorro seriam âncoras difíceis de içar. Pensava assim.


Os eletrodomésticos e eletrônicos ficariam. Vendeu de porteira fechada o apto. Do secador de cabelo à lava louças, do radinho de cabeceira ao air fryer, passando pelas duas TVs, não levaria nada.


Desceu pra se despedir do porteiro. Seu Manoel era gente boa demais. Foi ele quem deu a dica do apartamento, ajudou na mudança, recebia as compras, um pai adquirido. Avisou que ele poderia pegar alguns aparelhos lá, se quisesse. O novo proprietário disse que não se interessava.

No banco, ao lado do prédio , conversou com o gerente. Ia transferir a conta pra um banco digital. Agradeceu os serviços prestados, não cedeu ao discurso tentador do gerente a favor de seu próprio banco, despediu-se e saiu.


Subiu novamente ao apartamento, deu uma última conferida, pegou as malas, desceu, abraçou o porteiro, entregou-lhe as chaves. Chamou um táxi pra casa da mãe, no subúrbio.

Mais calor, mais gente, calçadas com menos manutenção. Um choque. Mas um pouco mais de proximidade, interação. A Covid levara a mãe em 2020. Ela e a mãe cresceram naquela casa, naquele terreno, naquela rua, com aqueles vizinhos. Era hora de voltar.


Só existia uma pessoa capaz de ocupar aquele espaço.

Em bem pouco já se tornou uma tia querida na vizinhança.

Ah, o subúrbio ...


Rio de Janeiro, março de 2024.


 

A interseção entre Cultura, Educação e Economia Criativa desempenha um papel vital no fortalecimento da democracia, desenvolvimento e bem-estar social.



Através da promoção da diversidade de ideias, valores e expressões artísticas, a cultura cria um terreno fértil para o diálogo e a compreensão mútua, essenciais para uma sociedade democrática saudável.



A Educação, por sua vez, desempenha um papel fundamental na formação de cidadãos críticos e informados, capacitando-os a participar ativamente no processo democrático e a contribuir para o desenvolvimento econômico e social.


A Economia Criativa, ao integrar a cultura e a criatividade em processos econômicos, não apenas impulsiona a inovação e o crescimento, mas também cria oportunidades para indivíduos e comunidades, promovendo inclusão e redução de desigualdades.




Nesse contexto, a Cedro Rosa Digital emerge como um catalisador no segmento musical. Através da promoção de artistas independentes e da criação de plataformas de distribuição acessíveis, ela democratiza o acesso à música, fortalece a economia criativa e amplia a diversidade cultural.


0 comentário

Comments


+ Confira também

Destaques

Essa Semana

bottom of page