Conto / EDGAR
Era um anjo o Edgar. Faltavam-lhe, se tanto, as asinhas com as quais a arte convencionou adorná-los. Mas era mesmo um anjo.
Morador solitário do 614 de um daqueles prédios com trocentos apartamentos por andar numa transversal de Copacabana, tinha história surpreendente e desconhecida dos vizinhos. Travestis, velhinhas, meninas de vida difícil (e tida como fácil pela conservadora maioria), estudantes de fora da cidade, um ou outro solteirão como ele, enfim, a vizinhança não fazia ideia do que se passava com o Edgar, mas todos sabiam quão prestativo e solícito era o morador.
Quarenta anos, nem feio nem bonito, nem gordo nem magro, nem alto nem baixo, de poucas palavras e sorriso farto com quem encontrasse nos corredores ou elevadores. Disponibilidade constante, mesmo em horas impróprias, pra resolver pequenos problemas da gente do prédio. Nunca falta aquela xícara de açúcar, a ferramenta certa. Mas os encontros eram poucos. Saía cedo e voltava com a noite já bem estabelecida, por volta das nove. Nenhuma grande particularidade, nenhum sinal de torcida apaixonada por clube, nenhum sinal da origem familiar. Admirava, mas não falava a respeito, as grandes escolas de samba e o espetáculo que elas protagonizavam no Rio. Achava aquilo um milagre, desde os tempos de menino no interior.
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seus amores e seus personagens. / Spotify
A história surpreendente é que viera do Espírito Santo aos 18 anos, após herdar o pequeno apartamento de uma tia. Órfão desde os 15, tentaria a vida no Rio. Uma vez aqui, num lance de absoluta imprevisibilidade, acertara os 13 pontos na loteria esportiva, da qual nem era apostador frequente. Não foi um prêmio daqueles inacreditáveis, mas sozinho no mundo, acreditava que tinha resolvido a vida em definitivo. E tinha mesmo. Sem luxo vivia e sem luxo continuou vivendo. Um dinheiro na poupança para as retiradas mensais. Nem grandes investimentos fez. Tinha medo de bancos, não sem razão.
Fez uma única extravagância, que acabou se revelando lucrativa. Comprara, logo após receber o prêmio, e imediatamente após ser dispensado do serviço militar (temia ser chamado, mas disse – numa mentirinha única na vida toda - que era arrimo de família e ufa! Foi liberado.), um botequim na Mangueira!
Todos os dias, invariavelmente, sob sol ou chuva, dia útil, feriado ou dia santo, abria a birosquinha, mínima, perto da quadra, ali na Visconde de Niterói. Um freezer pequeno, uma geladeirinha de nada, um balcãozinho onde nem cabiam muitos cotovelos, cervejas tradicionais, duas ou três garrafas de pinga, uma pia, uma cadeira só. Ganhou fama como a cerveja mais gelada da favela, virou point, mas não reinvestia no negócio. Nada mudava muito. De tempos em tempos trocava a geladeira ou o freezer que davam defeito. Saía com a féria do dia nos bolsos, combinava a reposição das mercadorias com um depósito próximo. Se acabasse a cerveja, fechava o boteco antes, mas nunca passara das oito. Às nove tava em casa. O botequim era pra ser uma ocupação e vinha sendo. Sem exageros nem extravagâncias. Amizades poucas, nenhum relacionamento. Solidão cultivada.
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A maior parte do lucro do boteco era depositado numa outra conta de poupança, a partir da qual de vez em quando fazia importantes transferências para entidades religiosas que atendiam pobres. Uma vida de santidade, praticamente. A seu modo.
Uma única exceção na vida dupla entre Copacabana e Mangueira era o amor ao Salgueiro.
Ao seu modo, sem estardalhaço, camiseta ou purpurina, idolatrava a vermelho e branca da Tijuca desde que se entendia por gente. O botequim em Mangueira era pelo respeito à verde e rosa desde o momento em que ouvira, ainda no Espírito Santo, na vitrola da tia, o samba do Salgueiro de 1972, que diz “Foi Mangueira, Estação Primeira que me batizou”. Se foi a Mangueira quem batizou o Salgueiro, ele também tinha que reverenciar.
Até que, em 2018, corriam os preparativos pro carnaval de 2019.
Após anos de franciscana dedicação ao trabalho, que apesar do sucesso, pouco ou nada acrescia ao orçamento doméstico, garantido pela renda do prêmio guardado, resolveu desfilar. Não disse nada em Mangueira, mesmo com o boteco frequentado por moradores e componentes das alas, compositores, mangueirenses de todas as estirpes que tomavam uma gelada por ali. Como fechava antes dos ensaios, nunca acompanhara. Fazia uma ideia de como eram e nutria uma comportada curiosidade. Mas não poderia desfilar na Mangueira. Sua paixão era o Salgueiro.
Desviou da rota óbvia num sábado e rumou pra Tijuca. Não conhecia ninguém lá, não tinha ouvido o samba ainda, mas era novembro e dava tempo de aprender. Estranhou um pouco a quadra fechada, com ar condicionado, fora da favela, numa área residencial de classe média. Dormia e acordava em Copacabana, mas vivia mesmo na Mangueira, entre desdentados, cracudos, pretos e pobres que formam grande parte da fauna da Visconde de Niterói durante a maior parte do dia. Achou arrumado demais. Mas não esmoreceu, pagou e entrou.
Uma homenagem ao samba, ao batuque!
Ouça a música Quem Me Acordou, de Paulinho do Cavaco
e Luis Pimentel. Repertório Cedro Rosa, disponível para gravações e trilhas sonoras.
O samba era sensacional, o ambiente não o incomodava, apesar do refinamento. Estava no Salgueiro, na Academia do Samba, na escola diferente, na pátria de Geraldo Babão e Noel Rosa de Oliveira, Bala e Zuzuca, ouvindo a Furiosa, que já fora comandada pelo lendário Mestre Louro, irmão do igualmente mitológico Almir Guineto.
“Olori xangô eieô Olori xangô eieô Kabecilê, meu padroeiro Traz a vitória pro meu Salgueiro”
Cantou até de manhã. Sambou como se tivesse asas nos pés, bebeu como nunca, dormiu na calçada.
Voltou direto pra Mangueira. Cochilou na birosca, trabalhou o dia todo.
No início da noite, quando se preparava pra fechar, sentiu o movimento aumentar no entorno, pediram cervejas, ele atendeu. Soube que haveria ensaio extra. “Interessante...”, pensou.
Esticou o horário, entrou na quadra pela primeira vez. O chão sagrado de Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Nelson Sargento, Hélio Turco, Tantinho, Jurandir, Dona Neuma, Dona Zica, Jamelão... Ali era mais conhecido. Muitos o cumprimentaram, estranhando vê-lo fora da tendinha, a felicidade desenhada no rosto. Ouvindo o samba, a emoção veio forte.
“Brasil, chegou a vez De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Mangueira, tira a poeira dos porões Ô, abre alas pros teus heróis de barracões Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões São verde e rosa, as multidões”
Sentia dividido o coração. Sentia um negócio diferente e percebia que perdera parte de sua vida naquele franciscanismo. Desenvolvera uma vida dupla, mas sem emoção alguma. Era superficialmente querido, superficialmente conhecido, superficialmente admirado. Tivesse entrado numa das quadras antes, tivesse passado um pouco da hora, tivesse exposto mais que sorriso aos vizinhos...
Com esforço, conseguiu desfilar nas duas escolas de samba. Fantasia em escola grande acaba cedo. Foi campeão com a Mangueira, quinto lugar com o Salgueiro (“Mas também merecia ganhar!!!”, repete desde então.). Vendeu o botequim. O dinheiro segue dando pras contas. Passa mais tempo em casa, ajuda mais aos vizinhos e a quem mais precisar, o sorriso hoje é menos protocolar, vai à praia, capricho a que não se dera antes, mesmo morando em Copa.
2020 foi difícil. Pandemia, perda de vizinhos e amigos. Mas houve tempo pra folia um pouco antes de a agonia se instalar.
Não perdeu um bloco e se inscreveu pra vaga aberta na ala de cuícas do Salgueiro.
Tristeza maior só porque neste ano não tem carnaval.
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