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Botafoguense: doente ou apaixonado?


 

          ​ Estava de férias na Itália. Um país abençoado por Deus, como o meu Rio de Janeiro. Belezas naturais incomuns. O que dizer da Toscana e Capri! Sítios arqueológicos únicos. O Coliseu é realmente fascinante! E o povo muito simpático e alegre.


O mais próximo que conheço do carioca. Sinto-me quase em casa quando estou na Itália. Há muita informalidade, um pouco de caos, como estamos acostumados a ver pelas bandas de cá. Sempre que puder, voltarei lá.


              Diferentemente de outras viagens que já fiz, esta tinha algo de especial. Era a celebração do meu sexagésimo aniversário – prefiro gastar meu dinheiro assim, do que com uma festa. Marquei-a com muita antecedência. Um ano. Queria escolher os museus, os restaurantes, os castelos que iríamos visitar e não ser escolhidos por eles. Uma organização sem improvisos. 


               Porém, algo de inesperado aconteceu, quando tudo já estava arranjado.Há um ano quem poderia imaginar que o Botafogo iria ganhar a Taça Libertadores da América de 2024, classificando-se para disputar o mundial de clubes, em junho de 2025. Exatamente no período em que eu estaria na Itália, em minha viagem irretocável, planejada em cada detalhe com esmero.


                Não estava nos meus planos, muito menos da minha família, exceto meu filho, assistir a jogos de futebol nesta viagem, o que, poderia atrapalhar a agenda. E havia um agravante. O horário. O primeiro jogo, contra o Seattle Sounders, seria quatro horas da madrugada. Dureza!


                     No dia da estreia, estávamos em Roma, um lugar que me encanta. Tínhamos um jantar às nove da noite, em que celebraríamos meu natalício, com direito a bolo etc etc e, após, havíamos combinado ir em um lugar que adoro e vou sempre que visito a cidade eterna: a Fontana de Trevi.


                          Antes de sair do quarto para o jantar, ainda não tinha decidido se iria ver o jogo. Fiz as contas. Na melhor das hipóteses, 2 horas no restaurante. E mais, no mínimo, meia hora na fonte, incluindo tomar um irresistível sorvetinho em qualquer sorveteria local, um programa que adoro. Voltando a pé – não seria justo com minha família cortar a caminhada pelas inebriantes vias do centro histórico desta cidade magnética e pegar um táxi, só para chegar mais rápido – mais uns 20 minutos. Tudo considerado, com os atrasos naturais a ocasião, finalizei a conta, não dormiria antes de meia noite e meia.


                  Chegando ao hotel, por volta de uma hora, como havia calculado, disse a minha mulher:

                       - Vou assistir ao jogo do Botafogo!

                          Ela, com muita espontaneidade e uma boa dose de razão respondeu:

- Você é doente!

                  

Sim! Pode ser! Tenho que admitir, dormir três horas nas férias, não é um comportamento normal. Ainda mais com o propósito de ver um jogo de futebol. Não disse isto a minha mulher. Concordar, naquelas circunstâncias, ela sabendo que não penso deste modo, poderia soar a deboche, uma provocação. A última coisa que queria naquele momento era uma discussão, o que iria reduzir ainda mais as poucas horas de sono que teria. Usando minha experiência de décadas de casamento, fiz uma cara de quem nada diz. Sem falar nada, fui me deitar.


           Realmente fazemos, muitas vezes, para ver nosso time do coração, coisas extraordinárias. O que pode sugerir alguma anormalidade. Tenho dúvida apenas se é uma doença, o que nos acomete nestas horas. Não seria uma paixão? E doença e paixão, nem sempre se confundem.


         Na Grécia antiga, Hipócrates considerava a paixão, quando extrema, a causa de doenças físicas. Os estóicos, como Seneca, viam a paixão como uma perturbação da razão, algo a ser controlado e superado, pois afastava o homem da virtude. No século XIX médicos chamavam a paixão extremada de lovesickness, identificando sintomas como insônia, falta de apetite, ansiedade e palpitações. Hoje prevalece o entendimento, na psiquiatria, de que a paixão não é, em regra, uma doença. Há, contudo, uma exceção: quando obsessiva, compulsiva ou quando leva a um comportamento de risco ou sofrimento intenso.


        O que tenho, em relação ao Botafogo, será uma doença ou uma paixão? Deixemos a resposta a esta pergunta para adiante caro leitor.


               Quatro horas da manhã, em uma sala próxima à recepção do Hotel, estávamos eu e meu amado filho, que também é apaixonado ou doente, pelo Botafogo, assistindo a estreia do nosso alvinegro do coração, no campeonato mundial de clubes de 2025.


               ​Embora tenham evoluído muito nos últimos anos, os times americanos ainda não estão no mesmo nível técnico dos sul-americanos – nem se fale dos europeus. Um primeiro tempo, em que o Botafogo se impôs, com sua melhor qualidade de elenco e futebol: 2 x 0. Tudo parecia tranquilo. Cheguei a cochilar. Pensei naquele momento: “Acabando este jogo vou voltar a dormir fácil.”


                 ​As coisas não caminharam como eu esperava, no segundo tempo. Não vou botar a culpa no técnico Renato Paiva, que pode ter feito escolhas equivocadas nas substituições, no segundo tempo, mesmo porque acho ele um bom profissional – confesso, mudei de opinião, como grande parte da torcida. Jogo do Botafogo sempre tem drama, não importa a atuação individual de jogadores ou do técnico. Um dia será um que errou, precipitou-se, fez uma opção equivocada, outro, outro. O Botafogo tem uma vocação inevitável para tragédia e isto não é responsabilidade de nenhum indivíduo. É o seu destino inevitável. Se não há sofrimento, não é o verdadeiro Botafogo que está em campo.


                ​Com efeito, na segunda etapa foi um pânico! Quase que o valoroso adversário consegue o empate no fim. No último minuto da prorrogação, o oponente quase marca. Seria dramático. Mais um trauma para a já tão castigada torcida alvinegra. Fomos salvos por nosso anjo da guarda, que se vestiu de amarelo, assumiu a posição de goleiro e pegou uma bola improvável, que tinha destino certo na meta preta e branca. São John, devemos mais essa a você!


                 ​ Não preciso dizer que, ao final do jogo, perdi o sono. Dormi de novo, é verdade, mas demorei. No dia seguinte, não posso me dizer arrependido. Estava apenas cansado. Com sessenta anos não se consegue se recuperar das extravagâncias que fazemos como antes. Paguei o preço pelo improviso, na programação da viagem, tão bem planejada. Não houve, contudo, maior prejuízo para os passeios, compras e as refeições que fizemos.


                  ​Passam alguns dias, chega o grande momento. O jogo mais esperado – pelo menos para mim, que não tenho muitas esperanças para esta competição internacional. O campeão da Europa contra o campeão das Américas. Davi contra Golias, como vi em uma charge na internet. Botafogo enfrentaria nada menos do que o PSG, o grande bicho papão do futebol mundial, na atual temporada, que chegava, neste confronto, credenciado por duas significativas goleadas: 5 x 0 contra a Internacional de Milão, na final da Champions League e 4 x 0 sobre o Atlético de Madri, na estreia do Mundial de Clubes. Duas forças do futebol mundial derrotadas implacavelmente. Tudo indicava, seriamos a próxima vítima. Pobre Botafogo.


                 ​ Muitos comentaristas, gente especializada – pelo menos é assim que se autointitulam – dizendo:

                 ​ - O PSG vai meter 12 no Botafogo. Vai ser um massacre.


                  ​Ninguém, em sã coincidência, acreditaria que poderia ser um bom divertimento para um torcedor do Botafogo, que fosse alguém normal, ver este jogo. Poderia até parecer masoquismo. “Se decidir assistir este jogo, vou dar razão a minha mulher”. Pensei. Voltou o dilema: assistir ou não assistir, eis a questão?


              ​​Um agravante contra: esta partida estava marcada para três da madrugada! Mais cedo ainda do que a anterior. E, como da outra vez, tinha jantar marcado para nove horas da noite, em um lugar um pouco distante do hotel, onde estava hospedado. Ou seja, se quisesse ser testemunha do anunciado massacre de dimensões épicas do meu time, além da tristeza da derrota, teria ainda que abdicar de uma boa noite de sono e pagar o preço no dia seguinte, com a idade, cada vez mais caro.


                  ​Disse a minha mulher, quando saímos para jantar:

                  ​- Desta vez não vou assistir ao jogo. Quero dormir bem.

                  ​Minha mulher, talvez também tenha usado, de seu lado, sua experiência de muitos anos de casada. Não falou nada. Para que dizer que não acreditava? Fez cara de quem me conhece, de quem já sabia o que iria acontecer. Não precisava responder.


                  Quando estava folheando a carta de vinho, pensei, dispersando-me do meu mister: “E se o Botafogo surpreender? Imagina se ganha! Renato Paiva pode ter um ponto: “O cemitério do futebol está cheio de favoritos”. Se não assistir ao jogo, nunca irei me perdoar”.


                  ​Essa ideia de ver o jogo me tomou de assalto, não como uma atitude extremada, uma doença que poderia prejudicar minha saúde.  Mas sim como uma conduta de alguém apaixonado que não quer perder a oportunidade de estar com quem ama. Vi, claramente, sem me preocupar com qualquer pesquisa histórica, estudo sociológico ou científico a respeito: não tenho nenhuma doença. Tenho uma genuína paixão, uma grande paixão, que é o que sinto pelo Botafogo. Apesar de desgastar-me, sofrer, divirto-me com a catarse futebolística, como já tive oportunidade de dizer em outra crônica. Nada que seja extremado ou doentio.


                  ​Li no jornal, por estes dias, que um torcedor do Botafogo teria pedido demissão de seu emprego, para ir ao mundial de clubes. Não conheço a conjuntura do caso. Não sei se por causa deste ato, aparentemente radical, esse sujeito deixou a família sem ter o que comer ou se, tendo condições financeiras, estava já de saco cheio do seu trabalho, não havendo maiores consequências para gesto tão extremado. Dependendo do sacrifício pessoal ou familiar que se impôs, esse pode ser um verdadeiro botafoguense doente. Não eu, nem meu filho, que continuamos empregados, agiríamos desta maneira.Chega de divagações! Voltemos ao que interessa. Quando dentei, ainda não tinha deliberado a favor ou contra. Não coloquei despertador. Dormi. 


              Três e onze da manhã, acordei. Não sei o porquê. O Jogo já tinha começado. Por um impulso, como se minha alma botafoguense quisesse ver o jogo, independentemente do meu corpo e da minha consciência, levantei e me vesti. Fui para o lobby do Hotel – não quis incomodar minha mulher no quarto, com minhas manifestações de alegria, quando o Botafogo fizesse um gol. Sim, é isto mesmo. Fui tomado por um otimismo inexplicável. Passei a verdadeiramente acreditar em uma vitória.

 

             ​​ Estava absolutamente sozinho – meu filho não se encontrava mais no grupo - sentado em um sofá, olhos voltados para meu i-pad, quando Savarino faz um lançamento que mais parecia uma equação matemática, tamanha a precisão. Igor Jesus, como um artista do Cirque du Soleil, equilibra-se entre dois zagueiros – e que zagueiros, os melhores do mundo – mete uma caneta em um deles, puxando a bola para direita. De repente, um chute inapelável. Bola de um lado, goleiro no outro. Gol do Botafogo.


                 ​Neste momento, fiquei em dúvida. Não conseguia saber se realmente tinha acordado ou não para ver esta memorável, histórica partida de futebol. Seria realidade ou sonho? Estava sozinho, tudo escuro. Não havia vivalma por perto. A atmosfera era quase fantasmagórica. Poderia estar na cama dormindo. Entretanto, logo vi que vivia a realidade, quando me flagrei pulando de alergia, no Lobby do Hotel.


                ​O PSG pressionava, mas quem ganhava era o Botafogo. Futebol é assim. Nem sempre vence quem é melhor, quem joga melhor. O Botafogo estava ganhando do PSG, campeão da Champions League, 1 x 0. E nada mudou até o fim da partida.


               ​O técnico Renato Paiva desta vez acertou nas escolhas táticas e nas substituições. Quiçá a maior vitória de sua carreira. E com muito mérito. Todo o time foi bem. Uma atuação de gala, para ficar na história do Glorioso. Que venham outras como esta. John Textor, mais uma vez, muito obrigado. Se precisar de serviços advocatícios, que eu possa ajudar, estou às ordens.


                 ​ Estou no avião, voltando para casa, próximo do pouso em Portugal.

                                                                      

Lisboa, 22 de junho de 2025.

                 

    

           Cedro Rosa Digital

O Brasil Musical: Um Ativo Global Ainda Pouco Explorado


O Brasil tem uma das maiores biodiversidades sonoras do planeta. Do choro ao samba, do forró ao funk, do maracatu ao jazz brasileiro, nossa música encanta o mundo. Mas os mecanismos de proteção, distribuição e monetização ainda são frágeis.

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